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A derrota norte-americana no Afeganistão

Comemorar a derrota norte-americana no Afeganistão é preciso - e muito. Mas isso não significa que quem comemora a derrota da OTAN, liderada pelos norte-americanos, esteja apoiando automaticamente o Talibã.

Edição: 363
Data da Publicação: 17/09/2021

Comemorar a derrota norte-americana no Afeganistão é preciso - e muito. Afinal, é um povo que invade, mata e saqueia os países como foi com a Líbia, Síria, Iraque, Iêmen e no Afeganistão, e sob os mais variados motivos. Além disso, desde 1975 no Vietnã que os EUA não eram derrotados no campo de batalha. Mas isso não significa, necessariamente, que quem comemora a derrota da OTAN, liderada pelos norte-americanos, esteja apoiando automaticamente o Talibã.

É preciso ter cautela. Mas ao mesmo tempo, é necessário entender o que a mídia não informa, não sei se por desconhecer, por má-fé ou as duas coisas juntas.

Em primeiro lugar, o Talibã é um grupo guerrilheiro, nacionalista e formado por afegãos de origem simples, que lutam pela desocupação de seu país. Nada tem a ver com a Al-Qaeda ou o ISIS-K, porque esses sim são terroristas com atuação em vários países do mundo, inclusive o ISIS-K é inimigo do Talibã. Outro fato relevante e que precisa de atenção é que o Talibã de hoje não é o mesmo de 20 anos atrás.

O grupo guerrilheiro do Talibã entrou em Cabul, capital do país, sem dar um tiro, não houve saque em nenhuma loja, em nenhum supermercado, tudo continuou a funcionar como qualquer dia. O próprio Talibã fez a segurança das Embaixadas para evitar algum "mal-entendido". Não houve nenhum incidente com qualquer estrangeiro, seja estadunidense, europeu ou de qualquer outro lugar do mundo.

As mulheres

Há poucas semanas, eles apresentaram ao mundo suas posições em vários temas, foram 30 pontos. As mulheres, por exemplo, ao contrário do que foi há 20 anos, não serão obrigadas a usarem a burca, só usarão se quiserem, afinal, é um hábito daquela região. Tanto é que, durante os 20 anos de ocupação norte-americana, muitas mulheres usavam. O que será obrigatório é o hijabe (lenço na cabeça), além de poder estudar e trabalhar.

A multidão no aeroporto

Muitos questionam as milhares de pessoas no aeroporto de Cabul desesperadas querendo fugir. O que poucos sabem é que, além dos estrangeiros, a maioria era afegãos que foram colaboracionistas, que são aqueles que trabalhavam para as tropas de ocupação e agiram contra seu próprio país. Mesmo assim, e até para esses, o Talibã ofereceu anistia. O grupo sabe que precisará de pessoas qualificadas para gerir o país.

Os EUA fugiram ou foram derrotados?

Outros afirmam que o maior e mais poderoso exército do mundo não foi derrotado. Eles argumentam que os EUA deixaram o Afeganistão por vontade própria. Se essa afirmação é verdadeira, por que os EUA pediram prazo maior para deixar o país? Não era só ficar? A verdade é que não foi bem assim. O Talibã não concordou em prorrogar o prazo dado aos EUA e manteve a data acordada para sua retirada, apesar da pressão dos países aliados aos EUA. O grupo deixou apenas o aeroporto para que fizessem a retirada dos civis estrangeiros e deixaram Cabul com um dia de antecedência. Outro argumento importante é que os EUA não tiveram tempo de danificar as centenas de aviões e equipamentos deixados para trás. São armamentos importantes que os americanos tinham equipado o exército afegão, que eles pretendiam deixar, controlando o país. Segundo a imprensa americana, os EUA treinaram e equiparam cerca de 300.000 afegãos que, na realidade, aderiram ao grupo guerrilheiro. As tropas norte-americanas danificaram apenas os poucos aviões, inclusive da Embraer, que estavam estacionados no aeroporto. Tudo ficou para trás.

A grande surpresa

A grande pergunta é como os guerrilheiros surpreenderam os americanos chegando tão rápido para ocupar a capital Cabul. Afinal, a CIA previa que eles chegariam a Cabul dentro de 3 meses. A resposta é simples: eles sempre estiveram em Cabul, eram as chamadas células adormecidas que, na hora certa e sob o comando, saíram de casa com seu rifle e ocuparam as ruas.

A tática da guerra de longa duração

A tática que os Talibãs utilizaram foi a mesma que Mao Tse-tung utilizou na China em 1949: a guerra de longa duração, que durou 20 anos, e em 1975 foi utilizada pelos vietcongs durante 10 anos no Vietnã para derrotar os americanos. Uma característica comum entre elas é a necessária participação da população. Não se vence o maior e mais poderoso exército do mundo sem que sua população esteja engajada. Foi assim na China em 1949, no Vietnã em 1975 e agora, em 2021, no Afeganistão.

Professor Lejeune Mirhan

A derrota norte-americana e de seus aliados da OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte não foi apenas no campo de batalha. A maior derrota da OTAN foi na Ásia Central e os maiores beneficiados foram China, Rússia e Irã, mas essa é uma outra história e para outro dia. Mas para quem desejar entender melhor sobre essa região, sugiro os livros do professor Lejeune Mirhan, um dos maiores especialistas em Oriente Médio do Brasil, disponíveis no site apparteditora.com.br.