Voltar

A África que não conhecia

Niger, Burkina Faso, Mali, Guiné. Mas o que esses 4 países têm em comum?

Edição: 464
Data da Publicação: 25/08/2023

Até hoje nos foi passado pela grande mídia ocidental que o continente africano é um ambiente de democracias estáveis. Na verdade, estamos à beira de uma grande guerra envolvendo os EUA, França e mais de 15 países africanos, e o que a gente vê na imprensa ocidental é o silêncio ou a mentira.

 

Niger

 

O Niger é um dos maiores produtores de urânio do mundo, tem suas três grandes minas controladas pela França a partir do grupo francês chamado Orano. A França utiliza mais de 2/3 da sua energia a partir de fontes nucleares, em 18 grandes usinas, com 56 reatores nucleares que utilizam mais de 8 mil toneladas de urânio todos os anos, e boa parte disso é extraída do Niger. Enquanto uma parcela muito grande das casas na França são iluminadas e aquecidas com urânio do Niger, o povo nigeriano sofre. Dos seus 17 milhões de habitantes, apenas 17,7% (3 milhões) tem acesso a energia elétrica; 40% vivem na pobreza extrema, e, no mundo inteiro, no índice que avalia a qualidade de vida dos 189 países do mundo, o Niger ocupa a posição 189.

O país rico em urânio, ouro e petróleo, chamado de "democracia" pela França e pelos EUA, é, no mundo, o pior lugar para se viver.

 

Burkina Faso

 

O país é riquíssimo em minerais. É o 4º maior produtor de ouro em toda a África, tem 12 minas industriais, milhares de lugares de garimpo e, ainda assim, nada disso fica com o povo. Enquanto quase da metade dos seus 15 milhões de habitantes vive na pobreza, a Endeavour, que é a grande mineradora situada no país e que tem sede na Inglaterra, leva esse estoque de ouro para o centro do sistema na França e não deixa nada com o povo de Burkina Faso. A situação é tão escancarada que a própria Endeavour foi à imprensa noticiar que o novo governo de Burkina Faso estava tomando a medida estranha de comprar 200 quilos de ouro de uma de suas minas para finalmente ter reservas internacionais de ouro. Como é estranho para essas grandes mineradoras a ideia de soberania, pensar que o novo governo do Burkina Faso comprou, a valor de mercado, 200 quilos de ouro, sendo que a mina de onde esse ouro foi extraído todos os anos produz mais de 30 vezes essa quantidade (6.000 quilos). Para eles é muito estranho, um dos maiores produtores de ouro do mundo, finalmente querer ter reservas internacionais em ouro.

 

Mali

 

Infelizmente, essas não são exceções, essa é a regra. O Mali é um dos grandes produtores de urânio, de ouro e de sal. Tem não só o minério controlado nas suas exportações para os países ditos centrais, mas também sua própria economia. Enquanto na França se utiliza, hoje, o euro e não mais o franco, na "colônia" francesa do Mali ainda se utiliza o Franco CFA, que é emitido e controlado pela França, que obriga o país, que tem dos seus 19 milhões de pessoas (mais da metade) abaixo da linha da pobreza, vivendo com menos de 1 dólar por dia, tem que depositar, obrigatoriamente, 50% de suas reservas no Tesouro Nacional Francês e outros 20% em passivos financeiros franceses, ficando com apenas 30% dos seus rendimentos para gerir sua economia, e, por isso, vive essa calamidade social e econômica.

 

Guiné

 

Se você ainda não se convenceu, tem o exemplo da Guiné que tem 25% de toda bauxita existente no planeta, é o nono maior produtor de diamantes do mundo, e, mesmo provendo para o centro do sistema tanta riqueza, 45% dos 12 milhões de habitantes da Guiné passam fome. São muitos países do sul global nessa situação.

 

Mas o que esses 4 países têm em comum?

 

Nesses quatro países teve levantes anticoloniais para acabar com esse domínio da França e dos Estados Unidos sobre o seus países, e todos têm sido atacados pela grande imprensa como golpe de estado, regimes autoritários, ditatoriais, que estão tentando acabar com a estabilidade e com a paz na região.

Estados Unidos, França e outros países europeus, além de mobilizarem suas tropas e dos países africanos que ainda estão sob seu controle, também aplicam sanções econômicas e querem aniquilar de todas as formas as experiencias de Mali, Guiné, Burkina Faso e Niger que buscam se livrar das garras do colonialismo. Esses países (França e EUA) estão aumentando o controle sobre os países que têm risco de acontecer um novo levante militar e popular, que é o caso do Senegal e da Costa do Marfim, onde já teve bloqueio de estradas. O país é rico em ouro, manganês, tem 23 milhões de habitantes e produz 40% de todo cacau consumido no mundo, mas, mesmo assim, 75% da sua juventude até 16 anos nunca provou chocolate em toda sua vida.

Se os países imperialistas levarem adiante a ameaça que estão fazendo de invadir o Niger nos próximos dias para "restaurar a democracia", o que a gente pode esperar é uma situação semelhante à da Líbia, que, em 2011, foi invadida pelos Estados Unidos com a mesma justificativa, e o que se viu foi a destruição de um país que era referência em educação, acesso à universidade, acesso à saúde e benefícios sociais no continente e foi tomado pela destruição. Hoje, facções terroristas entregam o petróleo desse país para os países centrais. A gente vê a barbárie onde pessoas, nos arredores de Trípoli, da capital, são vendidas, aos finais de semana, em estacionamentos como pessoas escravizadas.

Esse é um dos vários exemplos da "democracia" que o imperialismo estadunidense busca promover pelo mundo. Como se vê, é falsa essa narrativa de que o colonialismo acabou, e é mais falsa ainda essa ideia de que uma intervenção militar imperialista tem como objetivo trazer a democracia para qualquer país do mundo - Democracia não se exporta, não exiete um modelo, democracia não se implanta, cada país tem que encontrar a sua em seu caminho. É nossa tarefa desmentir a grande imprensa, porque ela busca justificar uma guerra que só vai beneficiar aqueles que, por tantos séculos, já concentraram todo poder, toda riqueza e colocam o Sul Global sob um regime de exploração, de opressões e destruição da Natureza.

 

Um novo gasoduto gigantesco na África

 

Como se sabe, há uma escassez de gás e energia na Europa. Com a implosão do Nord Stream 1 e 2 que abastecia as indústrias e aquecia as residências de boa parte da Europa, principalmente começando pela Alemanha, os Estados Unidos e Europa têm (ou tinham) um plano bilionário e ambicioso de construir um novo gasoduto gigantesco na África, com o objetivo de levar gás da Nigéria para a União Europeia.

O problema é que esse gasoduto passa por 11 países africanos e, entre eles e, no meio do caminho, está o Niger, mas teve um "golpe de estado" que tem apoio popular pelos mesmos motivos, ou seja, a exploração dos países africanos pela Europa (França) e pelos Estados Unidos, sem qualquer escrúpulo. Os militares do Niger deram um basta e assumiram o governo. Prenderam o presidente fantoche (Bazoum), que está sendo julgado por traição ao país e vai enfrentar a corte marcial. Por causa do "golpe de estado" do Niger, o plano da construção do gigantesco gasoduto se tornou inviável para os EUA e Europa, e sem o gás da Rússia, a situação da Europa vai ficando mais difícil. Os americanos estão rindo de orelha a orelha.

E se você não está acompanhando o que está acontecendo na África, deveria, porque são acontecimentos que está abalando todo o sistema internacional de poder e pode ser a fagulha entre as grandes superpotências, como EUA, Europa, Rússia e China. A conferir.

 

Com Thiago Ávila