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A França que não conhecia

"A cada 10 Euros existentes no bolso dos franceses, 6 vêm da África" ex-presidente Jaques Chirac

Edição: 462
Data da Publicação: 11/08/2023

O império Francês foi um dos maiores que o mundo já viu. No seu auge, dominou cerca de 10% da área terrestre do planeta e, ainda hoje, exerce domínio sobre diversos países. É na África, porém, que existe algo mais perverso e que ocorre até os dias de hoje.

Moeda francesa para a África - Franco CFA

São 14 as nações que ainda permanecem presas a um tipo de neocolonialismo francês. Elas compartilham, entre si, uma moeda desde o período colonial chamada Franco CFA, um sistema monetário sobre o qual a França mantém total controle, um domínio imperial implacável.

Em meados da década de 50, a França, enfraquecida com a II Guerra Mundial e o fracasso na Argélia e Indochina, e como forma de não perder a influência sobre a África, o então presidente francês Charles de Gaulle concedeu a independência às suas colônias africanas a partir de 1959. Para que cada colônia conquistasse sua independência de fato, a França exigiu acordos de cooperação em troca de ajuda na área militar, educação e economia, e essas nações deveriam ceder à França os direitos sobre seus recursos naturais, permitir a presença de tropas militares francesas em seus territórios por tempo indeterminado e manter o Franco CFA como moeda corrente, que é impressa e supervisionada pelo Banco Nacional da França.

Com o Franco CFA atrelado ao Euro, os 14 países membros do Franco CFA não têm soberania sobre suas próprias economias e suas políticas econômicas, como, por exemplo, taxas de juros, que são conduzidas por decisões do Banco Central Europeu, o que causa enormes distorções, uma vez que a dinâmica de nações tão humildes e a realidade das nações europeias são totalmente diferentes.

Como parte do acordo, os países do Franco CFA são obrigados a depositar 50% de suas reservas internacionais no Tesouro Nacional Francês, e mais 20% em passivos financeiros franceses; apenas 30% de suas reservas permanecem sob seus domínios, ou seja, os países integrantes do Franco CFA só têm acesso a 30% de seu próprio dinheiro. Vários presidentes das ex-colônias tentaram criar novas moedas, mas muitos morreram na véspera da nova moeda entrar em circulação.

Ex-presidentes da França Jaques Chirac e François Mitterrand

A exploração francesa ficou mais evidente quando o próprio presidente francês Jaques Chirac falou sobre as ex-colônias na África: "Temos que ser honestos e reconhecer que grande parte do dinheiro em nossos bancos vem justamente da exploração do continente africano!". Outro ex-presidente francês, François Mitterrand, completou: "Sem a África, a França não teria história no século XXI". A cada 10 Euros existentes no bolso dos franceses, 6 vêm da África.

África: um continente abençoado

Para quem não sabe, a África é um continente abençoado com imensa quantidade de recursos naturais, como petróleo, gás natural, carvão, lítio, ouro, diamante, minério de ferro, cobalto e também muito rica em urânio. Sobre isso é bom lembrar que a matriz energética da França é através das usinas nucleares, cujo urânio vem da colônia francesa (Niger). Semana passada, o novo governo revolucionário e nacionalista que assumiu a ex-colônia francesa Burkina Faso suspendeu o fornecimento à França não só do urânio, mas também do ouro.

Infraestrutura

A África como um todo é muito carente em infraestrutura, o que dificulta o escoamento de sua produção e inviabiliza o seu progresso, além, claro, de encarecer suas commodities. Durante décadas, os países africanos buscavam financiamento para desenvolver a sua infraestrutura, e, mesmo estando ciente das necessidades dos africanos, os EUA e a Europa nunca tiveram interesse em apoiar o desenvolvimento do continente africano de forma significativa.

China

O tempo passou e a China surge, hoje, como um parceiro comercial interessado nas necessidades dos países africanos, por isso a China vem ganhando espaço com o projeto belt road, que nada mais é do que a reedição da rota da seda. Dos 54 países do continente africano, 49 já aderiram ao projeto da nova "rota da seda". São investimentos em estradas, ferrovias, portos, aeroportos etc. Os chineses querem fazer negócio e disso eles entendem. São negociantes com mais de 5.000 anos que querem que suas mercadorias cheguem rápido aos mais de 1,5 bilhão de africanos e também querem que os recursos naturais comprados da África cheguem ao país com maior rapidez.

Outro fator importante é a mão-de-obra estar ficando cara na China. Nas últimas décadas, os salários dos trabalhadores aumentaram e o padrão de vida dos chineses também melhorou, por isso ela vem fazendo acordos e trazendo suas empresas para o continente africano, onde os salários ainda são baixos, abundantes, gerando emprego e melhorando a renda do continente.

A China entende bem a África, uma vez que, há poucas décadas, a China era um país pobre e passou pelos mesmos problemas. A China compartilha com a África um passado de luta contra a exploração de potências ocidentais, e, inteligentemente, lida com cada país de forma individualizada. Já os EUA têm por hábito dialogar com a África como um bloco e sempre de forma unilateral.

Essa realidade vem se mostrando em números. Em 2022, o comércio entre a China e a África foi de 282 bilhões de dólares, enquanto, com os EUA, foi de 73 bilhões de dólares. Entre 2000 e 2020, a China injetou 400 bilhões de dólares na África para a construção de ferrovias, estradas, portos, pontes, usinas geradoras de energia elétrica, instalações médicas, espaços desportivos e escolas. Uma parceira de troca com uma abordagem estratégica de ganha-ganha. Longe de ser generosa, a China coloca-se como aliada e parceira comercial porque a África possui os recursos que a interessam - simples assim.

A França está em pé de guerra como nunca antes. Em seu território, os franceses não querem os franco-africanos das ex-colônias, e, na África, os africanos não aceitam mais o neocolonialismo francês que já dura décadas.

Fonte Ricardo Nove