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"Vai acontecer uma tragédia nacional", prevê Drauzio Varella
Agora é que vamos pagar o preço pela desigualdade social que durante tanto tempo achávamos que era natural.
Edição: 292
Data da Publicação: 01/05/2020
Agora é que vamos pagar o preço pela desigualdade
social que durante tanto tempo achávamos que era natural. É a primeira vez que
temos uma epidemia se disseminando em larga escala num país de dimensões
continentais e que, de forma democrática e indistinta, atinge tanto o pobre
quanto o rico.
Na Europa, vimos como o vírus está se
disseminando, mas são países que têm uma estrutura social relativamente bem
organizada, e fica mais fácil dessa maneira. Hoje, não sabemos o que vai
acontecer quando os 13 milhões de brasileiros que vivem em favelas e guetos
contraírem o vírus. É comum que em um cômodo morem três adultos e quatro
crianças; de dia, aquele cômodo é a sala de refeições e, à noite, dá lugar aos
colchões. Como essas pessoas não vão para a rua? Como as pessoas que moram em
palafitas, no norte do Brasil, em casas de madeira a 40 graus de temperatura, vão
ficar em casa? Além do mais, em dois ou três dias essas pessoas não têm o que
comer. A luta é sair e conseguir algum dinheiro para comer à noite. E a ajuda
do governo é difícil, pois a burocracia e as leis atrapalham, fica difícil
organizar. O dinheiro já devia ter chegado.
Países importantes tiveram suas
peculiaridades. A Itália teve a questão do número grande de idosos. Os EUA, com
seu tamanho continental como o nosso, têm o problema de não ter um sistema de
saúde como o SUS ou o NHS inglês. E, apesar de todo dinheiro do mundo e de todos
os recursos, fomos pegos de surpresa e o número de mortes está batendo recordes
diários e há enterros em massa.
Tragédia nacional
Drauzio Varella acredita que será uma
tragédia nacional, tendo em vista que a transmissão do vírus é muito rápida. Haverá
um número de mortos muito grande e um impacto na economia enorme, além de uma
duração prolongada, pois é um vírus novo e nunca existiu uma situação como essa,
disse ele.
Morte agonizante, sem ar
Quando se fala do colapso do sistema
de saúde, seja este público ou privado, é porque os infectados pelo vírus que
desenvolvem a doença precisam desesperadamente de um respirador mecânico, e, se
não tiverem, morrerão de forma agonizante por falta de oxigênio. É por isso que
os especialistas pedem para que fiquemos em casa, pois essa é a forma mais
eficaz de evitar a proliferação do vírus e o colapso do sistema de saúde.
Isolamento vertical
Muitos têm defendido o isolamento
vertical, com as crianças voltando para a escola, separando os mais jovens e
deixando os mais velhos e frágeis isolados. O problema é que isso não foi feito
em lugar nenhum do mundo entre todos os países envolvidos, seja da Europa ou os
EUA, estes que, inclusive, foram contra o isolamento em um primeiro momento, mas
tiveram que voltar atrás e agora estão pagando o preço por esse erro
estratégico.
Crise econômica
Em relação à crise econômica, vamos
ter que enfrentá-la de qualquer jeito, com isolamento ou não. O mundo não será
mais o mesmo.
O SUS
O SUS é um investimento de 240 bilhões
por ano. É o maior programa de saúde pública do mundo, mas os brasileiros
desvalorizam o programa. Os ingleses se enchem de orgulho pelo sistema de saúde
pública que eles têm, que é o NHS, e eles têm razão. Mas, comparado com o SUS
brasileiro, é uma brincadeira. Isso porque eles têm dinheiro, população com
alto nível educacional e um país com 66 milhões de habitantes. Quero ver eles
darem saúde pública para 209 milhões de habitantes, num país pobre, desigual e
de proporções continentais como o nosso. Não existe país no mundo que faz o que
o SUS faz. Precisa ser melhorado? Claro! Mas, ao invés de ser melhorado e aperfeiçoado,
o governo tirou, só no ano passado, cerca de 20 bilhões de reais e, ao longo da
vigência da Emenda Constitucional nº 95, vai tirar mais 200 bilhões de reais. Imagine
o que estaria acontecendo hoje em dia se não existisse o SUS!
Você tem um plano de saúde top,
o melhor, mas você estaria tranquilo? Claro que não, porque o hospital
maravilhoso e top ao qual você tem direito provavelmente não tem vaga
para você! Aonde você vai parar? Só olhar para o que está acontecendo nos EUA.
Por que estão morrendo muito mais negros do que brancos? Porque existem mais
negros pobres e eles evitam ir para os hospitais, pois eles sabem que isso pode
levar à falência da família inteira. Lá não tem SUS, você vai ter que pagar
pelo menos uma parte do atendimento, então ele segura, só vai em caso extremo.
Por que o SUS chegou a essa situação?
Basicamente, são três motivos. Nos
últimos 10 anos, o Brasil teve 13 ministros da Saúde e a média de permanência
no cargo é de 11 meses. O que um ministro faz em 11 meses em um país desse
tamanho? Isso porque o Ministério da Saúde foi dado como troca política. O que
salva é o corpo técnico muito bom e com gente muito preparada, são eles que têm
segurado essa problemática.
Além disso, a cada ano o governo
federal - que tem hoje quase 66% de todo bolo tributário do país - vem
reduzindo sua participação no SUS. O governo federal teria que entrar com 50%
dos gastos do SUS, o estado 25% e o município com os outros 25%. Mas o governo
federal vem diminuindo isso e hoje ele participa com cerca de 44%, e os
municípios, onde os prefeitos estão em contato com os doentes e recebendo as
demandas direto, acabam elevando os investimentos no SUS. O problema é que os
municípios não têm recursos para isso, salvo raríssimas exceções. Resumindo: o
problema é o baixo financiamento e a má gestão, ao mesmo tempo.
O SUS não será mais o mesmo
Depois dessa pandemia, o SUS também não
será mais o mesmo, pois ele não pode mais ser relegado ao terceiro ou quarto
plano das preocupações governamentais. A saúde tem que ser prioridade! Nós não
vamos conseguir construir um país civilizado com esse desnível de acesso, onde
alguns têm acesso à melhor tecnologia, aos melhores médicos e aos melhores
hospitais e outros ficam relegados ao que é possível dar para eles. Nós vamos
sair diferentes de como nós entramos.