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O Brasil permite que nosso feijão tenha 400 vezes mais agrotóxico do que a Europa

O Brasil autoriza encontrar na água potável resíduo de Glifosato 5.000 vezes superior ao permitido na União Europeia

Edição: 512
Data da Publicação: 04/10/2024

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo, que, em sua maioria, são produzidos por multinacionais europeias. O país é também o maior importador do mundo, o que é um quadro trágico que tem piorado ao longo dos anos, segundo os resultados das pesquisas de Larissa Mies Bombardi. Segundo a pesquisadora, estamos sendo contaminados. Entre os 10 maiores agrotóxicos vendidos no Brasil, três são proibidos na União Europeia por serem cancerígenos, porque são teratogênicos (que produzem má formação fetal), porque provocam infertilidade ou desregulação hormonal ou porque provocam mal de Parkinson.

Quantidade

O Brasil permite resíduos de agrotóxico tanto nos alimentos quanto na água, cuja contaminação é muito superior aos resíduos permitidos na União Europeia. A substância malationa, por exemplo, que é um larvicida (inclusive usado no fumacê contra o mosquito da dengue), no Brasil, pode ter seu resíduo encontrado no feijão em quantidade 400 vezes maior à permitida na União Europeia. Isso significa que uma criança brasileira que come seu feijão com 400 vezes mais agrotóxico tem 400 vezes mais chance de ter câncer do que uma criança na União Europeia.

No Brasil, o Glifosato pode ser encontrado 5.000 vezes mais do que na Europa

O glifosato é um herbicida e é o mais vendido no Brasil. Metade da quantidade dos 10 agrotóxicos mais vendidos no país é glifosato, que, segundo a Organização Mundial da Saúde, é uma substância considerada "potencialmente" cancerígena para seres humanos desde 2015. O Brasil autoriza encontrar um resíduo desta substância na água potável 5.000 vezes superior do que o permitido na União Europeia. O dobro já seria muito, mas 5.000 vezes? Não tem como encontrar palavras para expressar tamanho assombro.

Pulverização por avião

No Brasil, é autorizada a pulverização aérea de agrotóxico, coisa que é proibida na União Europeia desde 2009, pois é a principal forma de poluição ambiental e humana. Isso se deve ao fato de que nem todo agrotóxico pulverizado por avião chega, efetivamente, ao produto; parte fica "à deriva", saindo da área cultivada e atingindo cursos d'água, escolas, comunidades, pessoas etc. No Brasil, tomar "banho de chuva" de agrotóxico é mais comum do que se pensa. Um quadro catastrófico.

Camboriú, SC

Segundo Larissa, um caso emblemático é a água de Camboriú, município que mantém grande parte de sua área com vegetação nativa, mas, mesmo assim, apresentou, em sua água "potável", resíduo de 24D, que é o famoso agente laranja, um desfolhante que foi usado na guerra do Vietnã e que está ligado a vários tipos de doenças, como câncer, má formação fetal e a abortos sucessivos. No Vietnã, foi estudado o caso de um casal que teve que enterrar seus 12 bebês e que jamais pôde criar um de seus filhos por causa do desfolhante, fato que já foi encontrado no Brasil. Hoje, o Brasil está como o Vietnã no que diz respeito à substância.

Colonialismo químico

A União Europeia, por conta de suas empresas, controla mais de 1/3 da venda mundial de agrotóxico e de substâncias ilegais. Ainda que não sejam autorizadas em seu próprio território, vende para países como o Brasil, onde a regulação não é restritiva como a europeia. Vivemos um colonialismo químico.

Brasil, o celeiro do mundo

O Brasil não é o celeiro nem de si mesmo, que dirá do mundo, porque, ano após ano, a área agrícola aumenta, ano após ano, as safras aumentam, e, ano após ano, a fome também aumenta. No país, a agricultura deixou de ser sinônimo de produção de alimentos para ser produção de commodities (que são mercadorias vendidas nas bolsas de valores) e produção de agroenergia.

A fome no Brasil

A fome não só aumentou no Brasil, mas também é mais grave no meio rural. Na região urbana, cerca de 8% da população passa fome, e, na zona rural o percentual é de 12%.

Brasil é maior exportador de soja e grãos para alimentar animais na Europa

Embora o Brasil seja campeão de grãos e maior exportador de soja e grãos, esses produtos não são usados para alimentação humana, eles vão alimentar animais na China e União Europeia, uma situação trágica que estamos vivendo. Enquanto as áreas de plantação de soja, eucalipto e cana aumentaram - mais do que duplicaram nos últimos anos - as de plantação de arroz, trigo, feijão e mandioca (que são nossos quatro pilares) diminuíram - o Brasil importa feijão há 10 anos!

Inca - Instituto Nacional do Câncer

Em 2015, o Inca publicou o seu primeiro posicionamento sobre agrotóxico, ressaltando os impactos nocivos à saúde humana e ambiental decorrentes de exposição a esses produtos químicos. Já há estudos no mundo e no Brasil mostrando a relação entre as áreas onde mais utilizam agrotóxicos e uma quantidade maior de pessoas que desenvolveram câncer.

Enquanto isso, no Congresso Nacional...

Mesmo assim, recentemente, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei conhecido como o "PL do Veneno". O projeto foi ao presidente Lula, que vetou partes importantes. Não era o que se queria, não era o suficiente, mas Lula fez vetos importantes ao PL do Veneno. O Congresso Nacional, porém, derrubou todos os vetos de Lula.

Se tiver interesse em saber como está a qualidade dos alimentos que consumimos no Brasil, vale a pena ler o livro "Agrotóxicos e colonialismo químico", da professora da USP Larissa Mies Bombardi, que tem dedicado anos de pesquisa ao estudo dos pesticidas, e que foi lançado na França pela editora Anacaona. A autora descreve uma realidade alarmante ao mostrar que o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, em sua maioria produzidos por multinacionais europeias, um quadro trágico e que tem piorado nos últimos anos. Vale a pena dizer que, após seu livro ter sido publicado na Europa, Larissa teve que deixar o país e se exilar no exterior pelas sucessivas ameaças de morte dirigidas a ela e à sua família.