Fazenda Sant'Anna do Tinguá

Sant'Anna do Tinguá abrigava 140 negros e mais uma dúzia de negras de porta-a-dentro

 02/09/2016     Historiador Sebastião Deister      Edição 101
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Situada nas vertentes mais íngremes do maciço do Tinguá, estabelecendo linhas divisórias com as fazendas Nossa Senhora da Piedade de Vera Cruz e Monte Líbano, Sant'Anna do Tinguá foi judicialmente recebida pelo barão de Paty do Alferes (Francisco Peixoto de Lacerda Werneck) em 1858 por herança direta do pai Francisco Peixoto de Lacerda, este falecido em 1848. De todas as fazendas que, no futuro, seriam administradas pelo barão (Piedade, Monte Alegre, Manga Larga, Conceição, Monte Líbano e Palmeiras), Sant'Anna era a propriedade que se encontrava em piores condições ambientais e de produção agrícola, embora abrigasse o maior contingente de escravos entre todas as fazendas alocadas pelas serranias do Tinguá e dispusesse de uma considerável área de terras com 2.219 braças de testada por 1.500 braças de fundos, isto é, cerca de 332 alqueires e 1/4.

No ano de 1859 (dois anos antes da morte do barão, ocorrida em 22 de novembro de 1861), Sant'Anna do Tinguá abrigava 140 negros e mais uma dúzia de negras de porta-a-dentro, mas uma avaliação da propriedade e de seus bens, realizada nessa época, chegou a míseros Rs. 1:215$000 (um conto, duzentos e quinze mil réis), fato que agastou muito o barão, tanto que em carta ao amigo Bernardo Ribeiro de Carvalho, em 18 de janeiro de 1858, desabafou dizendo que

"(...)abandono Sant'Anna que fica unida à Piedade, e passo toda a escravatura que anda por cerca de 140 escravos entre todos para o lugar de Conceição (...)"

O barão de Paty preocupava-se com a perda de muito dinheiro naquela propriedade, pois na mesma carta afirmava que

"(...) velha e estéril fazenda, de cujo solo tirou meu pai toda sua fortuna, mas que a deixou estragada completamente (...)"

Em mais uma carta a Bernardo, agora em 29 de fevereiro de 1858, dizia ele que

"(...) Sant'Anna está na última decadência, já não me rende mais do que 12 até Rs. 14:000$000 (quatorze contos), seus cafezais em terras frias estão velhos, dão o fruto todo malformado, e chocho, e cuja colheita é feita no rigor das águas."

Contudo, ao transferir escravos de Sant'Anna (ou Santana, como ele por vezes grafava) para a Fazenda Conceição, recentemente adquirida, na estrada para Ferreiros, explica ele, na mesma carta, entre preocupado e até generoso:

"Separar aqueles escravos uns dos outros, e dividi-los pelas outras fazendas estando acostumados a viverem juntos em família seria, além de impolítico, desgostá-los separando-os de uma tribo. Digamos de passagem, é a segunda fazenda em número de escravos porque tenho aí cerca de 140, sendo 90 de trabalho, sendo que os outros com menos da metade dessa força fazem o quádruplo."

     No inventário do barão, registravam-se para Sant'Anna do Tinguá:

- 23 lances de senzala, em "mau estado"

- 1 tacho de cobre muito usado a Rs. 20$000

- 1 mesa de jantar a Rs. 6$000

- 1 catre a Rs. 6$000

- 2 mesas usadas a Rs. 94$600

- 1 secretária a Rs. 25$000

- 2 marquesas velhas a Rs. 6$000

- 6 caixões velhos a Rs. 10$000

- 1 porção de tabuado a Rs. 400$000

- 6 cadeiras velhas a Rs. 6$000

- 1 relógio "desconsertado" a Rs. 6$000

- 1 gavetão e duas gavetas a Rs.4$000, tudo no valor total de Rs. 498$000 (quatrocentos e noventa e oito mil réis).

Infelizmente, não existem mais vestígios de Sant'Anna do Tinguá, e na falta de uma de suas imagens ilustramos o texto com uma gravura do barão de Paty em seu uniforme de Comandante da Guarda Nacional, cargo exercido com propriedade nas freguesias de Valença, Paraíba do Sul, Paty do Alferes e Vassouras. Além disso, desempenhou ele as funções de Deputado da Assembleia Provincial (de 1844 a 1845), sendo logo agraciado com os títulos de Fidalgo Cavaleiro da Ordem da Rosa, Comendador da Imperial Ordem da Rosa e Cavaleiro da Ordem de Cristo. Casado com Maria Isabel Assunção Ribeiro de Avelar, deixou em Paty seis filhos (Luiz, Ana Carolina, Mariana, Manuel, Carolina e Maria Isabel, esta esposa do Dr. Joaquim Teixeira de Castro, o visconde de Arcozelo).

Na próxima edição: Fazenda Pantanal