Médicos e saúde no Tinguá - Os primeiros tempos

25. A Trajetória Histórica do Município de Miguel Pereira

 28/01/2022     Historiador Sebastião Deister      Edição 382
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A julgar pelas dificuldades enfrentadas pelos habitantes da velha Estiva no que se referia à educação escolar de suas crianças, podemos bem avaliar o quanto deve ter sido difícil e doloroso para nossos ancestrais defrontar-se com os problemas de saúde advindos de uma época em que médicos, farmacêuticos, remédios, vacinações, exames e internações em hospitais constituíam um luxo e representavam palavras distantes e tão-somente conhecidas nas grande cidades localizadas para muito além de nossas montanhas.

Desenvolvendo-se num período social pós-escravatura, a Estiva e Governador Portela buscaram nos conhecimentos dos ex-escravos um pouco da medicina alternativa ensinada por pretas velhas acostumadas com plantas e chás milagrosos. Realmente, sabe-se que nas antigas fazendas de café poções por vezes malcheirosas preparadas em grandes panelas de ferro ou barro eram, em geral, o lenitivo para dores de dentes ou de barriga e comumente ministradas até mesmo a mulheres grávidas a fim de lhes facilitar um parto.

A contribuição dos negros foi decisiva na questão do aproveitamento das plantas medicinais, e isto deve ter sido particularmente importante em nossa terra. Afinal, eles não eram apenas responsáveis pela preparação dos alimentos dos senhores brancos, mas também encarregados da colheita de legumes, verduras, frutas, ervas aromáticas e medicinais e outras espécies de vegetais apropriados à alimentação, sendo, assim, obrigados - até mesmo pelo fato de trabalharem diariamente na lavoura, em contato direto com a Natureza - a conhecer dezenas de vegetais, diferenciando-os entre espécimes comestíveis, venenosas, medicinais, têxteis etc.

Com o tempo, é bem provável que se tenham estabelecido nas fazendas algumas plantações voltadas para o cultivo exclusivo de espécies medicinais, selecionando-se entre elas um grupo razoável de comprovado valor terapêutico e fácil cultivo, este atestado certamente por uma longa tradição passada entre os escravizados que, à falta de tratamentos proporcionados pelos patrões, procuravam na Natureza a cura de seus males orgânicos. Bem rapidamente, os negros devem ter descoberto, entre vários erros e alguns acertos, que alguns tipos de plantas adaptavam-se ao cultivo no interior das casas, junto a janelas ensolaradas, plantadas em vasos ou jardineiras e que outras precisavam ser cultivadas nos grandes canteiros contíguos às plantações mais importantes das fazendas. É bem possível, ainda, que os senhores brancos tenham estimulado esse tipo de trabalho, pois eles viam nas ervas propriedades úteis que poderiam beneficiar suas próprias famílias.

Portanto, tornou-se comum com o tempo encontrar-se em fazendas, sítios e até mesmo em casas mais humildes do início do século algumas plantações de ervas medicinais específicas, como alecrim, babosa, arruda, hortelã, camomila, canela, eucalipto, erva-cidreira, erva-doce, manjericão, tomilho, quebra-pedra, orégano, erva de Santa Luzia, capuchinho, alfazema, confrei, chapéu-de-couro e outras espécies, muitas vezes crescendo viçosamente junto a ervas aromáticas tão apreciadas pelos moradores de antigamente.

Com elas, as velhas negras entendidas na arte da cura encontravam-se capacitadas a preparar emplastros pegajosos, sinapismos picantes, chás adocicados ou amargos e compressas úmidas e quentes, aliviando, com isso, um pouco das aflições das crianças e dos achaques dos mais velhos.

 

O tratamento médico em nossa terra

 

Excetuando-se os trabalhos de Joaquim Teixeira de Castro, o Visconde de Arcozelo, em terras de Paty, lá pelos finais dos anos oitocentos - ganhou ares profissionais com a chegada à Estiva do Dr. Antônio Botelho Peralta, cuja família veio a ser criada na fazenda Pantanal a partir dos últimos anos do século XIX.

É preciso registar que a linhagem do Dr. Antônio Botelho Peralta frutificou na área média, pois a partir dele tivemos Dr. Francisco Peralta (homenageado como nome de Biblioteca Municipal) e Waldomiro Peralta (avô e pai homônimos) do hoje atuante Dr. Waldomiro Peralta.

Contudo, o mais conhecido de nossos antigos médicos começou a circular pela antiga Estiva no ano de 1915. Tratava-se do Dr. Miguel da Silva Pereira, que vinha para nossa região não exatamente para clinicar, mas sim para desfrutar das delícias de nossa terra. No entanto, comovido com as agruras dos moradores e dotado de grande sensibilidade, ele não deixava de atender um ou outro paciente que o procurava em desespero em seu sítio, muitas vezes repassando conselhos profiláticos e orientando mães e avós no sentido de aperfeiçoar os cuidados higiênicos de suas crianças. Entre 1918 - ano da morte de Miguel Pereira - e o final dos anos vinte não se tem conhecimento de personagens médicos de maior realce em Miguel Pereira, embora por aqui deva ter passado - para contribuir com Antônio Botelho Peralta - um grupo de profissionais que a História, infelizmente, não registrou.

Todavia, foi a partir da década de trinta da centúria passada que Miguel Pereira e Portela conheceram os notáveis médicos cujo trabalho pioneiro consolidou o atendimento solidário e profundamente humano dispensado às populações tão carentes da época. Surgiram, pela nossa terra, alguns doutores admiráveis, farmacêuticos desprendidos e dentistas zelosos que deixaram pelas colinas o exemplo maior de seu trabalho decente, honesto e dignificante, além do peso de seus sobrenomes repassados para dezenas de orgulhos descendentes, figuras ímpares que serão apresentadas no próximo capítulo.


Foto: Construção do 1º ambulatório da Estiva (Miguel Pereira)

 

Na próxima edição: Farmacêuticos os e médicos na Estiva