A Fazenda Quindins e seus primórdios - Parte 2

Memórias de Paty do Alferes

 11/05/2024     Historiador Sebastião Deister      Edição 499
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Hábil negociante e homem de muitos interesses comerciais no Rio de Janeiro, fato que o impedia de supervisionar diretamente as terras que adquirira, Francisco Bernardes Gomes decidiu repassá-las a José Woyame em 11 de maio de 1876, determinando, entretanto, uma prévia medição de terrenos. Por essa razão, Quindins passou a confrontar, pelos fundos, com a propriedade de Nicolau Vicente de Freitas, pela testada (frente) com as glebas de Manoel Francisco Bernardes e pelo leste e oeste com terras do Dr. Manoel Simões de Souza Pinto, marcação territorial que explica o fato de Quindins ganhar uma situação centralizada na grande área geográfica que até hoje ocupa.

Simultaneamente, outras propriedades ainda agrestes, compondo um vasto latifúndio conhecido genericamente como Sítio da Prata, localizado bem junto às terras de Manoel Francisco Bernardes, precisavam ser aglutinadas ao seu patrimônio para que a já então chamada Fazenda Quindins de fato pudesse ser administrada e prosperasse. Em 1878, Manoel enfim logrou comprar as terras de José Antunes de Lemos Suzano, Francisco Pereira de Castro Costa e Américo Rodrigues da Costa, recebendo sua pronta quitação e a promessa de Escritura Pública que foi assinada em finais do mesmo ano.

O Coronel Manoel Francisco Bernardes, ao lado da esposa Joaquina Maria de Mello Bernardes, deitou suas raízes em Paty do Alferes a partir da Fazenda Retiro instalada em terras de Barreiros/Estiva/Miguel Pereira, de onde seguiram todos seus filhos (Manoel Francisco Filho, Benjamim Francisco, Lino, Antão e Maria Luiza) em direção a Quindins e ao grande casarão em estilo neoclássico que hoje abriga o Museu Vila do Alferes erguido no centro da vila. Por sugestão de amigos, Antão e Luiza utilizaram um dos quartos mais frontais da casa-grande de Quindins para organizar um pequeno comércio de produtos básicos para os viajantes que cruzavam aquelas terras tanto para o centro da vila quanto para as áreas infletidas para o chamado Morro do Fama e em direção às terras da Fazenda Maravilha que fora administrada pelo todo-poderoso Capitão-mor Manoel Francisco Xavier, o latifundiário também dono da antiga Fazenda Freguesia  e senhor do negro Manoel Congo nos anos trinta do século XIX.

Do pequeno empório instalado em Quindins originou-se, então, uma pousada que iria se transformar em hotel pouco tempo depois. Com efeito, filhos e netos de Manoel Francisco Bernardes asseguraram o desenvolvimento da Fazenda Quindins, tornando-a um símbolo familiar e receptivo na vila. À época em que propriedade se transformou em um hotel de relevância na região, ganhando prestígio por toda o território serrano (principalmente no quartel mediano do século passado), destacaram-se ali, em especial, os filhos de Antão e Luiza, ou seja, Antão Filho (muito conhecido em Paty pelo pseudônimo de Tâozinho), Eurico, Hilda, Carmem, Lauro e Rubem.

As construções de pedra bruta, pau-a-pique e adobe levantadas na área patiense foram aos poucos cedendo lugar às casas de tijolos cozidos (um tipo de adobe mais resistente) no decorrer do século XX, porém muitos prédios e várias fazendas em Paty mantiveram, em portas e janelas, o estilo rebuscado e colorido do período anterior representado pela expansão de diversificadas culturas agrícolas, fato que se pode verificar ainda hoje no Hotel Quindins, onde uma de suas mais antigas dependências possui uma porta totalmente trabalhada em refinados almofadões de madeira, encimada por uma abóbada decorada com espessos e custosos vidros coloridos, um perfeito exemplo do bom gosto e do apuro profissional dos notáveis marceneiros de então. Ao lado dessa peça admirável - tão pouco observada ou nem mesmo levada em consideração pelos visitantes e hóspedes do hotel - uma pequena e simpática janela ostenta também as sutis particularidades da porta, complementando, de forma satisfatória, a arte de tal construção, uma imagem bem viva da "Belle époque" desfrutada por Paty ao longo de decênios. Além de tal detalhe rebuscado e pós-moderno, Quindins expõe até hoje (a despeito de algumas intervenções arquitetônicas aleatórias) o toque personalíssimo e estudado de seus antigos proprietários. Se, por um lado, portas, janelas e cornijas não se apresentam tão esmeradas em sua arte final, pelo menos o seu acabamento dispõe de alguns detalhes especiais que bem exemplificam o bom gosto e a criatividade da mão-de-obra encontrada naqueles anos de intenso trabalho, comprovando o indiscutível talento dos mestres-pedreiros e chefes-carpinteiros que, ano após ano, instalavam-se na vila. Trabalhadas molduras limitavam e protegiam os contornos de janelas e portas e múltiplos vidros garantiam abundante iluminação para quartos e salas. Por fim, definindo o requinte das fachadas, barras espiraladas e linhas ovais demarcavam os enfeites dos telhados, o que conferia ao conjunto final um ar circunspecto, posto que leve e elegante. Os serviços de hotelaria já foram desativados há algum tempo, e seus atuais proprietários (descendentes dos pioneiros Bernardes que administraram a casa por longos anos) projetam obras de restauração e modernização do prédio, trazendo novamente para Paty os ares de uma propriedade que se sempre motivou orgulho na população de cidade.

Ao longo dos anos, os Bernardes optaram pela modéstia das varandas e das estruturas das suas fachadas: nada de pórticos grandiosos, frontões ornamentados, escadarias para futuros pavimentos, exageradas colunatas de linhas gregas, arcadas, balaustradas, nem platibandas com estatuetas ou jarrões tão comuns nas grandiosas construções fazendárias. O telhado com beiral simples resolvia de maneira muito mais prática o problema de jogar a água das chuvas no chão, prescindindo, assim, de calhas alongadas e condutores embutidos que entupiam facilmente e ameaçavam com infiltrações o interior da casa. Excetuando-se a aplicação desse reduzido repertório formal, principal contribuição dos Bernardes à arquitetura da casa grande, foi a composição mais ordenada de seu frontispício (imprimindo-lhe um aspecto mais desafetado e simplificado do que aquele empregado nas construções coloniais) que lhe serviu de base e inspiração. Como corolário desta interpretação, é crível afirmar que este foi o motivo que possibilitou a Quindins a ser tão procurado e estimado ao longo de tantos anos: a simplicidade e o despojamento de suas fachadas e de sua estrutura interna,  ou seja, uma ambiência tranquila que oferecia aos hóspedes uma sensação familiar pouco usual em outros estabelecimentos mais sofisticados.