Vida e morte do nosso patrono maior Miguel da Silva Pereira - 150 Anos de Nascimento - Parte 2

"Viver, é aprender e ensinar sempre" prof. Miguel Pereira

 18/06/2021     Historiador Sebastião Deister      Edição 350
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Mesmo mergulhado em suas múltiplas atividades, Miguel Pereira sempre dava provas do amor que dedicava à Medicina, tanto que logo foi indicado para o Sodalício da Academia, cargo que ocupou com galhardia e competência entre os anos de 1909 e 1911.

O simples trabalho como médico em consultórios e as decisões que devia tomar em um posto burocrático não concretizavam, todavia, suas ambições. Havia em seu íntimo uma crepitante força de solidariedade. Ele se educara basicamente para ser professor, e seu espírito afetivo o impelia a passar aos seus semelhantes tudo que aprendera na vida. Afirmava convicto que, viver, é aprender e ensinar sempre, e por essas razões o jovem médico voltou-se de corpo e alma para o magistério.

Segundo relatos de muitos colegas e professores que com ele militavam, o jovem e despojado médico tinha no sangue a fibra inata e inigualável de um grande mestre, tanto que o professor Miguel Ozório de Almeida afirmou certa vez a seu respeito que "(...) Miguel Pereira educou-se para ser professor. Suas faculdades se apuraram neste sentido e ele pôde chegar a um alto grau de perfeição, só comparável com o completo domínio sobre sua própria atividade intelectual".

No dia 4 de outubro de 1907, Miguel Pereira foi nomeado, depois de acirrado concurso, como Professor Substituto da 6ª Seção de Clínica Médica, ocasião por ele aproveitada para pronunciar na Academia um vibrante discurso em defesa da melhoria do ensino de Medicina no Brasil. Já em 1908 recebeu, com grande júbilo, a indicação para ocupar a Cadeira de Patologia Médica. Seus feitos profissionais sucediam-se celeremente, e já em 1909 a Congregação da Faculdade indicava-o para reger a 1ª Cadeira de Clínica Médica, cátedra em que permaneceu até o dia de sua morte.

Em relação ao mestre, disse o Dr. Xavier Pedrosa, seu biógrafo e um dos seus mais fiéis alunos:

"Quem lhe ouviu o timbre de voz, agradável e envolvente, não mais o esqueceu, nem o tempo em sua marcha inexorável pode apagar dos nossos ouvidos aquela ressonância longínqua, só comparável a esses rastros de luz provenientes de astros que já se extinguiram há milênios e cuja luz ainda vaga nos espaços".

Miguel Pereira jamais negou sua ardente paixão pelo país e nunca se mostrou indiferente aos acontecimentos políticos que afligiam vez por outra a população e seus governantes. Em outubro de 1916, ao saudar o professor Aloísio de Castro em solenidade na Academia de Medicina, Miguel Pereira proferiu o mais célebre e veemente discurso de sua vida. Afinal, o que vira e enfrentara no interior, junto aos brasileiros miseráveis das regiões interioranas do país, servira de mote final para sua indignação e até mesmo jogara dúvidas em sua alma sobre a validade do trabalho médico no Brasil. Depois de apresentar um quadro caótico e intolerável relativo à saúde do povo brasileiro, que sobrevivia a duras penas no meio rural, lançou ele a frase que notabilizou de vez seu nome no país:

"(...) que se armem legiões, que cerrem fileiras em torno da Bandeira, mas melhor seria que se não esquecesse nesse paroxismo de entusiasmo que, fora do Rio ou de São Paulo, capitais mais ou menos saneadas (...) que Brasil é, ainda, um imenso hospital!"

A comoção causada por esta frase contundente atingiu todos os meios sociais e administrativos do país, até porque fora lançada por um homem desassombrado, de imensurável envergadura moral e ilibado senso profissional e ético, cuja posição nos meios acadêmicos era inatacável e exemplar. O trauma inicial causado por aquela declaração terrível - que apenas confirmava a dura verdade que poucos tinham coragem de revelar ou de falar em público - cedeu lugar a uma reação demagógica por parte de muitos parlamentares e até mesmo por alguns setores mais reacionários da imprensa, porém Miguel Pereira enfrentou outra vez a tempestade que desencadeara com a altivez, a coragem e a indiferença magistrais que já demonstrara em ocasiões semelhantes, convencido, como nunca antes estivera, da retidão e da certeza de suas palavras assustadoras, posto que irretorquíveis.

A verdadeira guerra deflagrada pelas candentes palavras daquele médico destemido e respeitado recebeu o incondicional apoio de toda a Academia Nacional de Medicina. Esta, em comissão, dirigiu-se de pronto à sede do Governo Federal para exigir com veemência as medidas necessárias à melhoria de condições de saúde do sofrido povo do interior.

Surgiram então, graças a tal movimento, as raízes da profilaxia rural, tão ardorosamente defendida e aguardada pelos médicos de todo o país. No dia 1º de maio de 1918, tal ramo de trabalho foi regulamentado por uma Lei logo sancionada pelo presidente Wenceslau Braz. Para que se tenha uma ideia precisa da relevância desse ato governamental para a medicina preventiva nas zonas rurais e do prestígio que Miguel Pereira ostentava junto ao Poder Executivo Federal, basta dizer que, ao assiná-la, o Presidente da República aproveitou a oportunidade e escreveu carta elogiosa a Miguel Pereira, destacando, entre outras citações e elogios "Cabe a V. Excia. a primazia nesta campanha de medicina preventiva que se vai empreender em todo o país."

Foto: Maria Clara Tolentino Pereira, esposa do Dr. Miguel Pereira

Na próxima edição: Parte 3 de 4