Capítulo 10 - Dr. Antônio Botelho Peralta e a Fazenda Pantanal

A Trajetória Histórica do Município de Miguel Pereira

 08/10/2021     Historiador Sebastião Deister      Edição 366
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Português de nascimento, Antônio Botelho Peralta formou-se em medicina pela afamada Academia de Coimbra ainda bastante jovem. No dia de sua formatura, durante o centenário ritual daquela instituição - quando as capas dos formandos são lançadas ao solo para a passagem das autoridades, reitores e demais professores - viu-se atraído pelo rosto da nobre princesa Maria Adelaide de Burgos Chapuzet Villet que, de pé entre tantos outros convidados, também não conseguia desviar os olhos do doutor que a fitava. Antônio e Maria Adelaide apaixonaram-se de imediato, mas logo enfrentaram os preconceitos das classes europeias que não aceitavam aquele tipo de ligação afetiva. Não sendo detentor de nenhum título nobiliárquico, o médico português recém-formado era por isso considerado um plebeu, razão pela qual o namoro com aquela dama de família aristocrata foi criticado e rejeitado pelos familiares da princesa.

 

A princesa e o plebeu

 

Entretanto, os dois sustentaram por um bom tempo sua relação apaixonada e epistolar. Através de amigos que não aceitavam aquela proibição, a princesa e o plebeu mantiveram farta correspondência representada por cartas e bilhetes, conservando vivo um sentimento profundo que os anos posteriores, passados no Brasil, só fariam aumentar de intensidade.

 

A força o amor vence o preconceito

 

Algum tempo depois de sua formatura, Antônio Botelho Peralta foi trazido para o Brasil pelo amigo Joaquim Teixeira de Castro, médico como ele e já titulado visconde de Arcozelo, instalado então na região de Paty do Alferes na pioneira Fazenda da Freguesia. A paixão pela princesa não seria esquecida por Antônio. Encorajado pelo visconde e graças a uma procuração preparada minuciosamente por alguns advogados portugueses, Antônio e Maria Adelaide casaram-se documentalmente em cartório, estando ele em Paty do Alferes e ela em França, garantindo, assim, por força de lei, a felicidade que o preconceito tentara destruir. Uma vez consumado o matrimônio - que as constituições brasileira e portuguesa reconheciam como válido - não restou à família da princesa senão autorizar sua pronta mudança para o Brasil a fim de se reunir ao marido.

 

A princesa desembarca em Paty do Alferes

 

Alguns meses depois de oficializados os trâmites da procuração de núpcias, Maria Adelaide de Burgos Chapuzet Villet desembarcava em Paty do Alferes de braços com seu esposo, para enfim incorporar seu nobre sobrenome à estirpe Peralta. Finalmente livre de amarras sociais, o casal celebrou seu casamento religioso na Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Paty do Alferes, tendo a apadrinhá-lo os fiéis amigos Joaquim Teixeira de Castro e sua esposa Maria Isabel de Lacerda Werneck Teixeira de Castro, filha do já falecido barão de Paty.

 

Fazenda Pantanal, Miguel Pereira

 

Por essa época, Antônio já possuía parte da Fazenda Pantanal, cujo patrimônio ele ampliaria em 1894 ao adquirir vastas extensões de terras de D. Joanna Maria de São João, apelidada D. Joanica, sua vizinha mais próxima. Com isso, ele passava a ser dono de uma propriedade cujos limites confrontavam-se, por um lado, com a famosa Estrada da Vargem do Manejo, que conduzia a Ferreiros, e, por outro lado, com o caminho que seguia para o centro do povoado de Barreiros. Mais para Oeste, Pantanal tocava os terrenos de Francisco Apolinnário e as terras do Dr. Luiz Gomes de Souza Telles, daí indo atingir os limites da Fazenda Plante-Café. Da Pantanal, ponto de referência quase obrigatório para as caravanas que transitavam pelo Povoado de Barreiros, Antônio e Maria Adelaide desenvolveram diversos trabalhos de urbanização, direcionando-os basicamente para o centro do povoado, e estabeleceram alguns novos métodos de criação pecuária e cultivo do solo. Também ali, Antônio atendia seus pacientes e recepcionava os amigos, com isso transformando a fazenda em um centro social muito apreciado e respeitado pelos moradores da região.

Pantanal serviu de abrigo para o nascimento dos vários filhos do casal, a saber: Laura Villet Botelho Peralta; Maria Villet Botelho Peralta; Luís Villet Botelho Peralta; Francisco Villet Botelho Peralta; Etelvina Villet Botelho Peralta; Valdomiro Villet Botelho Peralta; Arlindo Villet Botelho Peralta; Ernestina Villet Botelho Peralta e Áurea Villet Botelho Peralta.

Deve-se registrar que a filha Laura e seu marido João deram a Antônio e Maria Adelaide uma neta também batizada com o nome de Laura, desde criança tratada carinhosamente em família como Laurita. Esta, anos depois, casar-se-ia com o Dr. João Alberto Masô, e hoje, em homenagem àquela senhora, existe no bairro Vila Suíça (assim cognominado em alusão à pátria de seu marido), em Miguel Pereira, uma avenida denominada Laurita. Por seu turno, o filho Luís esposou Vera das Chagas Werneck, membro da tradicional família Werneck, e com ela teve os filhos Francisco Peralta e Luís Peralta. Enviuvando, Luís casou-se em nova oportunidade, dessa vez tomando como esposa a cunhada Ivone das Chagas Werneck, irmã da falecida Vera. D. Ivone não deu filhos ao marido, mas assumiu a criação de Francisco e Luís, seus dois enteados e, ao mesmo tempo, sobrinhos. D. Ivone das Chagas Werneck Peralta, figura deveras conhecida e respeitada em Miguel Pereira na metade do século XX, trabalhou por muitos anos como agente dos Correios na cidade, tendo sido também uma colaboradora bastante eficiente em todas as atividades religiosas promovidas pela Igreja de Santo Antônio da Estiva. O quarto filho de Antônio, como vimos, chamava-se Francisco. Formado em medicina, foi um médico bastante estimado nos anos iniciais de consolidação de Miguel Pereira. Em sua memória a Biblioteca Municipal da cidade ostenta com justiça o seu nome. A propósito, os Peralta caracterizaram-se, na região, como uma família de muitos médicos, tanto que hoje trabalha em Miguel Pereira o Dr. Valdomiro Antônio Peralta, bisneto de Antônio e Maria Adelaide, o qual mantém em nosso município a tradição desse histórico sobrenome. Além da Pantanal, os Peralta foram proprietários da Fazenda do Guaribu localizada em terras de Avelar, dentro do território municipal de Paty do Alferes.

Como citamos de passagem, o Dr. Antônio Botelho Peralta promoveu muitas melhorias na sede da Fazenda Pantanal, e graças aos atendimentos que prestava à população da Estiva tornou-se uma das mais queridas figuras do lugar em finais do século XIX e nos primeiros anos da centúria seguinte. Amigo íntimo da família do visconde de Arcozelo, veio a ser seu compadre e até mesmo médico particular da viscondessa e de seus filhos, frequentando, com assiduidade, a fazenda Monte Alegre e a Fazenda da Freguesia de Arcozelo, nas quais, inclusive, cuidava dos negros que ainda lá trabalhavam na qualidade de empregados após a Abolição. Foi ele, ainda, que se encarregou de atestar a morte do visconde vitimado pela febre amarela em 1º de maio de 1891.

Católico praticante, o Dr. Antônio Botelho Peralta, juntando-se à família Machado Bitencourt nos albores do século XX, participou com grande entusiasmo das obras de ampliação da Igreja de Santo Antônio, doando para a mesma um belíssimo vitral que até hoje é conservado intacto em uma das paredes laterais daquele histórico templo.

No decurso das décadas iniciais do século XX, a Fazenda Pantanal conheceu períodos alternados de esplendor e decadência, e aos poucos os herdeiros de Antônio foram loteando e negociando suas glebas, mantendo inalterada apenas a casa central da propriedade. Nos anos cinquenta, foi transformada no Hotel dos Turistas, que na ocasião passou a rivalizar com o Summerville e o Lido na qualidade dos serviços hoteleiros. Com a desativação do hotel, Pantanal passou pelas mãos de outras famílias. Atualmente está ganhando várias intervenções arquitetônicas por parte de um empresário que deseja transformá-la em uma residência particular. A fazenda abrigou ainda, por algum tempo, o engenheiro suíço João Alberto Masô, criador o bairro Vila Suíça. Masô, ao lado de Paulo de Frontin, viabilizou a conclusão da Estrada de Ferro na Serra do Tinguá.

 

Na próxima edição: a Fazenda do Retiro e a Família Bernardes