Manoel Congo - Homenagem ao Herói Negro da Nossa Região
13 de maio de 1888 - Abolição da Escravatura
14/05/2021
Historiador Sebastião Deister
Edição 345
Compartilhe:
De
acordo com as estatísticas divulgadas no interregno 1837-1840, entre os séculos
XVIII e XIX o maior percentual de negros africanos transportados para o Brasil
atrelava-se a homens mais jovens e saudáveis nascidos em variadas regiões da
África. De fato, os números mostram que, durante esses três anos, 73,7% eram do
sexo masculino, com destaque para aqueles que apresentavam idade na faixa de 15
a 40 anos. Tais escravos eram os preferidos e logicamente os mais valiosos,
visto que os trabalhos em fazendas, lavouras e engenhos consistiam em derrubadas
de matas, plantações, construção de casas grandes, capinas e cuidados com as
criações de animais, serviços diários e estafantes que exigiam grande vigor
físico. Todavia, apesar das ameaças e dos castigos impostos pelos grandes senhores
e seus implacáveis capatazes, os africanos eram sempre olhados com desconfiança
e até mesmo temidos por eventuais rebeldias em função do seu desconhecimento
quanto à língua, aos costumes portugueses e brasileiros, à religião estranha, à
alimentação pouco nutritiva e, principalmente, em relação à crueldade do homem
branco.
O capitão-mor Manuel Francisco
Xavier era um rico proprietário que administrava com mão de
ferro três enormes fazendas em Paty do Alferes: Freguesia (atual Aldeia de Arcozelo), Maravilha e Santa Tereza, além do sítio da Cachoeira. Casado com Francisca Elisa
Xavier (ou Maria
Elísia Xavier, segundo alguns autores), teve
sob seu comando um negro forte, habilidosos, de pouca fala e sorriso escasso
chamado Manoel Congo. Provavelmente chegado ao Brasil nas décadas iniciais do
século XIX, logo ao deembaracar foi apresentado no cais da Praia do Valongo
(atual Praça XV), tendo sido de pronto adquirido por Manuel Francisco Xavier e
trazido para prestar serviços nas três fazendas daquele escravagista.
Como era comum entre os escravos nascidos na África, seu nome era
composto por um prenome português associado ao antropônimo de sua
"nação" ou região de origem, nesse caso o Congo. Manoel era ferreiro,
ofício que requeria treinamento e destreza, o que certamente lhe conferia
superioridade sobre outros escravos e maior valor econômico perante seus
senhores. Dotado de grande espírito de
liderança, corajoso e decidido, Manoel promoveu uma fuga audaciosa na noite de 6
de novembro de 1838, conduzindo mais de duas centenas de fugitivos - entre
homens, mulheres e crianças - em direção à Serra de Santa Catarina (na linha
limítrofe com Petrópolis), onde pretendia instalar um quilombo.
No ofício
datado de 13 de novembro de 1838
a Paulino José Soares de Souza, então Presidente da
Província do Rio de Janeiro, o Juiz de Paz de Vassouras - José Pinheiro de
Souza Werneck - solicitou imediatas providências para a captura dos rebelados,
que foram então duramente perseguidos e aprisionados pelo barão de Paty
(Francisco Peixoto de Lacerda Werneck) após intensa refrega nas matas
adjacentes a Paty. Entre os mais importantes líderes do movimento,
encontravam-se também Miguel Crioulo, Belarmino Congo, Afonso Angola, João
Angola, Adão Benguela, Epifânio Moçambique, Canuto Moçambique. Antônio Magro,
Pedro Dias e Justino Benguela, além de Mariana Crioula, Rita Crioula, Lourença
Crioula, Brígida Crioula, Joana Mofumbe, Josefa Angola, Emília Conga, Balbina
Congo e Manoela Angola.
A
propósito, Mariana Crioula era uma escrava nascida no
Brasil, com cerca de 30 anos na época. Era costureira e mucama (escrava de
companhia) de Francisca Elisa Xavier. Foi descrita como sendo uma
"preta de estimação", assim como uma das escravas mais dóceis e
confiáveis da sua patroa, o que certamente a livrou da morte por enforcamento.
Julgado
em Vassouras, Manoel Congo foi condenado à forca, subindo ao patíbulo em 6 de
setembro de 1839. Casado com a negra Balbina Conga, Manoel deixou uma filha de
nome Concórdia.
Os demais
revoltosos receberam como pena 650 açoites cada um, dados cinquenta por dia, na
Forma da Lei. Quanto às demais mulheres, também acabaram por ser absolvidas,
talvez por interferência de D. Francisca Elisa Xavier, que tinha por elas
grande apreço.
A gruta usada por Manoel Congo e seus
companheiros como esconderijo não passa de uma profunda e escura escavação
natural formada por um conjunto de grandes pedras graníticas em um dos outeiros
da Serra de Santa Catarina. De acesso complicado, cansativo e com espaços
reduzidos, custa crer que tantos negros tenham conseguido se reunir em um ambiente
tão rude e exíguo. De qualquer forma, aquilo significava para eles a tão
desejada liberdade e o fim de sofrimentos físicos absurdos. Existe no local uma
placa indicativa, mas como o sítio se encontra em terras particulares, deve-se
sempre procurar autorização dos seus proprietários para uma visita à gruta.
Para alcançar o local, basta tomar a estrada para Palmares, a partir do centro
de Paty do Alferes, e após aquela localidade percorrer mais alguns quilômetros
pela chamada Estrada do Imperador. O piso é de terra batida, porém firme e
perfeitamente adaptável a qualquer tipo de veículo.