Capítulo 7 - Fazenda São José das Rolinhas
A Trajetória Histórica do Município de Miguel Pereira
17/09/2021
Historiador Sebastião Deister
Edição 363
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É conhecido o fato de ter
existido em terras do povoado de Barreiros, por volta do ano de 1810, a
próspera Fazenda São José, localizada às margens do movimentadíssimo caminho
que conectava Vassouras a Paty do Alferes, via Massambará e Vargem do Manejo,
caminho também denominado Variante da Estrada do Comércio. Graças aos trabalhos
desenvolvidos por essa propriedade, cujas ruínas confirmam o período de
ocupação de nossas colinas em tempos bem longínquos, nasceria, em seu entorno,
um pequeno ponto de passagem posteriormente denominado com o próprio título da
fazenda, marco divisório com o município de Vassouras pela direção Nordeste e
em cujas proximidades aparece a pioneira capelinha dedicada a São José.
Possivelmente tão rica quanto as
demais fazendas da época que, aos poucos, nasciam pelas terras do povoado de
Barreiros (apenas como lembrança, a fazenda de Nossa Senhora da Piedade de Vera
Cruz se encontrava no auge da administração de Inácio de Souza Werneck), São
José, por certo, abrigou um número razoável de escravos e colonos e se
transformou - em face de sua posição geográfica privilegiada - em um importante
ponto de apoio e repouso para os tropeiros e demais viajantes que, vindos de
Valença e Vassouras pela mencionada Variante da Estrada do Comércio, seguiam à
busca da Freguesia de Paty do Alferes
Embora não haja registros mais
amplos a respeito das vias secundárias que surgiram a partir da Variante da Estrada
do Comércio em terras de Barreiros, os trabalhos de pesquisa relacionados a tal
caminho apontam para duas vertentes traçadas para o viajante que desejava
chegar a Paty do Alferes tomando como base a Fazenda São José. A primeira mostra,
com certeza, que essa imprescindível artéria de colonização seguia de São José
em direção às terras da vizinha Fazenda do Sertãozinho, indo desembocar no
atual bairro Praça da Ponte para então, contornando um dos grandes outeiros do
local, mergulhar pelos fundos da famosa Fazenda Monte Alegre, esta a apenas
três quilômetros do centro da Vila de Paty do Alferes. Para corroborar esta
tese, ainda hoje existe, em um dos trechos de uma colina daquele bairro, um
conjunto de decrépitas palmeiras provavelmente ali plantadas quando da abertura
de ligação São José-Monte Alegre, as quais, quando crescidas, iriam servir de
marco referencial para os tropeiros que desconhecessem o circuito correto para
Paty. Plantar árvores ou bambus pelas encostas, a propósito, era um hábito
muito comum no período de ocupação das montanhas, e prova disso é que em Paty
ainda sobrevivem várias palmeiras imperiais, tanto no coração da antiga vila
quanto nas margens da estrada que passa em paralelo à centenária Fazenda Monte
Alegre.
Com efeito, a variante da estrada
aqui mencionada mostrava ser o acesso mais curto e seguro para as tropas e
demais viandantes de então, pois além de estabelecerem conexão rápida e segura
pelas terras de Vassouras e Paty, todos dispunham, em São José, de um ótimo
ponto referencial para suas andanças e uma confiável orientação geográfica em
relação a todas as freguesias e sesmarias alocadas no vale do rio Santana.
Segundo algumas pesquisas, a fazenda
São José teria servido como base de repouso para o então Tenente-Coronel Luís
Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias e Patrono do Exército
Brasileiro, quando este, à frente de um destacamento de cinquenta homens,
viajou de Vassouras para Paty do Alferes a fim de atender a um apelo dos juízes
locais e de Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, o 2º barão de Paty, todos voltados
para a captura do negro Manoel Congo e de outros escravizados evadidos das fazendas
Freguesia e Maravilha quando da célebre rebelião de 1838. Na realidade, Luís
Alves de Lima e Silva não precisou atuar na perseguição aos insurretos, uma vez
que após seu pernoite em São José recebeu a notícia de que a revolta fora
debelada pelos homens do barão de Paty.
Independente do fato de ter sido
ou não palco para a presença de Caxias em terras de Barreiros, a fazenda São
José foi uma propriedade de grande importância para a área serrana, visto que,
construída a meio caminho entre as duas mais ricas freguesias da época - no
caso, Vassouras e Paty do Alferes - acabou por servir, por muitos anos, como
passagem obrigatória para as levas de cafeicultores, pecuaristas e mascates que
percorriam nossas colinas comercializando seus produtos junto às vilas ou
fechando vultosos negócios com os demais fazendeiros da região. Infelizmente, não
existe atualmente nenhum vestígio arquitetônico de sua existência. Entrementes,
a propriedade (quando visitada e pesquisada no ano de 1994) passava a ideia de
ter possuído extensas e múltiplas plantações e de ter abrigado uma numerosa
família em seus amplos interiores, pois os cômodos que ainda restavam de pé ostentavam
elementos estruturais que indicavam ter havido por ali inúmeros aposentos para
seus proprietários e familiares e vastas salas para jantares, leituras e danças
de seus moradores e eventuais visitantes. Sua fachada apresentava a tipicidade
das fazendas de café do 2º Reinado, sendo que o grande porão da casa grande,
pela sua amplidão e localização no terço inferior da casa grande, certamente albergava
a escravaria da fazenda. É possível crer que seus primeiros proprietários não
devam ter enfrentado problemas de grande monta em suas lavouras, pois além do
excelente clima da área, as terras adjacentes à fazenda dispunham de duas ou
três nascentes de água, por sinal até hoje bem fartas.
Tendo como ponto de partida a fazenda
São José, outra provável linha de passagem nos mostra a Variante da Estrada do
Comércio derivando para a direita, após a confluência que conduz à fazenda
Sertãozinho, para então, no sentido Sudoeste, cruzar as glebas do atual Hotel
Montanhês e seguir para as margens da fazenda da Prosperidade. A partir desse
ponto, a primitiva estrada seguiria para o bairro Pantanal, onde um roteiro
lógico sugere a seguinte bifurcação: para a direita, um caminho que galgava os
morros vinculados à fazenda da Conceição, cuja sequência levava ao povoado de
São Sebastião dos Ferreiros, tão importante para Vassouras naquele período;
para a esquerda, outra via de acesso seguiria diretamente para o atual centro
de Miguel Pereira, de onde a viagem seguia para Paty do Alferes, a Leste,
acompanhando o curso do córrego do Sacco, ou alcançar, a Oeste, a várzea da
futura vila de Governador Portela, cuja conexão com Sacra Família do Caminho
Novo do Tinguá e Vassouras se apresentava fácil e rápida.
A ausência de uma documentação
mais específica não impede que tais especulações tenham uma lógica aceitável, visto
que, sem tais vertentes de circulação, seria muito complicado para os viajantes
circularem entre Valença, Vassouras, São Sebastião dos Ferreiros, Sacra Família
do Tinguá, Barreiros e Paty do Alferes com segurança e rapidez. Além do mais,
devemos recordar que as fazendas espalhadas pelos vales dos rios Santana e
Paraíba do Sul dependiam de várias estradas marginais para escoar os numerosos
produtos de sua lavoura - entre os quais o café ocupava posição de destaque - e
em razão dessa necessidade básica de exportação quase diária, aos poucos uma
apreciável malha de caminhos vicinais foi sendo acamada nas colinas que
circundavam a Variante da Estrada do Comércio, proporcionando assim o aumento
de trânsito de tropeiros, fazendeiros, padres missionários, imigrantes em
geral, escravos, mascates e caixeiros-viajantes, caçadores, faiscadores de
pedras e militares que, de forma voluntária ou não, muito contribuíram para o
desenvolvimento de toda a área adstrita à Serra do Tinguá, fosse pela teia de
estradas que abriam, fosse pelo fato de aqui tomar posse da terra, construir
suas primeiras casas de moradia ou de negócios e constituir suas famílias.
Foto: Fazenda São José das Rolinhas em 1994
Na próxima edição: A Fazenda da Estiva