Portela: seu progresso, seu lazer e seu comércio - parte 2
23. A Trajetória Histórica do Município de Miguel Pereira
14/01/2022
Historiador Sebastião Deister
Edição 380
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Para os turistas, as festas juninas em Portela eram
uma tentação irresistível. Nas barracas alegres e profusamente enfeitadas
podia-se tomar uma xícara de quentão perfumado e fumegante, em que a perfeita
mescla de cachaça da serra com a canela odorosa afigurava-se como uma bebida
quase afrodisíaca. Para os menos resistentes ou mais jovens, por que não uma
canela de ágata bem cheia de chocolate cremoso?
Caso se desejasse multiplicar tais sensações de
prazer, era possível então entregar-se de vez ao pecado da gula: canjica
acanelada, pés-de-moleque ao leite, cocadas crocantes, roletes de cana, mungunzá
de milho com coco, amendoim cozido ou torrado, bananas fritas, bolo de
mandioca, caldo verde, paçoca açucarada, canja no capricho e - obviamente! - o
milho, a batata-doce e o aipim assadinhos nas reconfortantes brasas de uma
fogueira convidativa que, além de servir para preparar tais delícias roceiras,
ainda expulsava da festa um pouco do cortante frio das colinas.
Aos poucos, entretanto, o tempo, os modismos e as
novas gerações seduzidas por influências alienígenas trazidas por outros ritmos
de música e danças de cunho mais sensual e moderno acabaram por sepultar o
tradicionalismo das festas do interior, consideradas, no contexto comunitário
de uma juventude já desapegada de seus valores nativistas e de sua própria
memória histórica distorcida, como "coisas ultrapassadas da roça."
De qualquer forma, até hoje mantêm-se em nosso município
alguns eventos populares e "roceiros" que, ainda pelo menos, preservam um pouco
dos padrões puros de nossas origens rurais, como a Festa de Santana (Padroeira
de Conrado), a Festa de Nossa Senhora da Glória e a já centenária Festa de
Santo Antônio da Estiva, em Miguel Pereira.
Devemos ressaltar, também, que o carnaval sempre foi
um atrativo turístico muito expressivo em nossa terra, desde o primeiro governo
municipal comandado pelo buliçoso e participativo prefeito Frederico Augusto
"Fritz" da Senna Wängler. Fazia ele questão de abrir todos os desfiles de rua,
tanto em Miguel Pereira quanto em Portela, depois de se fazer presente no
planejamento e na organização dos desfiles. Ao final dos festejos, lá estava
novamente o dinâmico prefeito a premiar escolas de samba ou blocos de embalo,
sempre sorridente, sempre envergando suas imaculadas roupas brancas e sempre
disposto a buscar mais eventos e benefícios para nossa terra.
Se nas décadas de cinquenta e sessenta Miguel
Pereira e Portela possuíam um carnaval de rua espontâneo, sem os competitivos
desfiles organizados por escolas de samba, os clubes sociais fervilhavam com a
presença de centenas de animados foliões. Assim, concorriam democraticamente
com seus animadíssimos bailes instituições do gabarito de um Miguel Pereira Atlético
Clube, de uma Sociedade Musical XV de Novembro, de um Estrela Futebol Clube
(antigo Estiva) e até mesmo de outras entidades mais distantes, como o Paty Clube
e o Hotel Arcozelo. De fato, as sedes de tais organizações abriam suas portas
já no sábado de carnaval, mantendo seus bailes noturnos e os bailes infantis -
de domingo a terça-feira - absolutamente repletos. A bem da verdade, dois
fatores concorriam diretamente para o grande sucesso desses bailes de carnaval:
os preços acessíveis e a falta de lazer durante o período momesco, pois como a
televisão ainda não dominara as horas domésticas das famílias, as pessoas
viam-se compelidas a permanecer nas ruas, acompanhando os eventuais blocos de
embalo, ou então dirigindo-se a um baile promovido pelos clubes da cidade.
Nos anos setenta, as escolas de samba ganharam corpo
e prestígio no município. Tiveram início, assim, os grandiosos e ricos desfiles
de rua que, se por um lado contribuíram para a vertiginosa queda de frequência
nos bailes particulares, por outro tornaram-se fator de desenvolvimento
turístico em face da qualidade de suas agremiações e das belas apresentações
levadas a efeito em Miguel Pereira e Portela.
Uma das escolas pioneiras em Miguel Pereira foi o
Grêmio Recreativo Escola de Samba Mocidade de Miguel Pereira (verde e branco)
que, entre os finais da década de sessenta e o primeiro quartel da década
seguinte, abiscoitou todos os prêmios possíveis e imagináveis nos desfiles
promovidos pela Prefeitura Municipal. Como reflexo de tal sucesso, logo depois
nascia, também em Miguel Pereira, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Manga
Rosa, que exibia em seu pavilhão e em suas fantasias as mesmas cores e características
da famosa Mangueira, do Rio de Janeiro, daí as cores escolhidas e o nome de
batismo. Esta associação, contudo, teve vida efêmera.
Como não poderia deixar de ser, Portela também
tratou de fundar sua própria agremiação, e de lá veio para concorrer com as
escolas de Miguel Pereira o Grêmio Recreativo Escola de Samba Sereno Serrano
que, de fato, acabou competindo de igual para igual com a verde e branco, pelo
menos por um ou dois anos. Desativada após pouco tempo de vida, a Sereno
Serrano retornou às atividades apenas nos primeiros anos da década de noventa,
sendo outra vez dissolvida e assim deixando Portela órfã de grupos
carnavalescos.
Já nos anos oitenta, uma nova agremiação tornou-se o
grande nome dos carnavais miguelenses, desbancando suas concorrentes e logrando
amealhar o maior número de prêmios jamais oferecidos a uma escola de samba em
nosso Município. Nascida no bairro Praça da Ponte, a Escola de Samba Unidos da
Ponte trouxe para as avenidas de Miguel Pereira um pouco do luxo, do bom gosto
e da ostentação tão típicos das grandes sociedades do Rio de Janeiro, com isso
enriquecendo bastante nosso carnaval e obrigando, de forma sutil, as demais
escolas do município a aprimorar seus próprios níveis de qualidade e
despertando, é claro, profundos ciúmes e compreensível despeito por parte de
seus adversários.
Campeã do carnaval por vários anos consecutivos -
além de premiada dezenas de vezes em outros quesitos fundamentais, como
alegorias, fantasias, bateria e harmonia - a Unidos da Ponte despertou muitas
paixões, tanto para endeusá-la quanto para criticá-la, fato bastante natural
quando existe competição entre agremiações populares no Brasil, não fosse o
futebol o exemplo mais concreto de tais arroubos pessoais. Enaltecida por
muitos miguelenses e acusada de favorecimentos políticos por parte da
Prefeitura, já que um dos seus fundadores iria eleger-se vereador em 1988 e um
dos seus maiores colaboradores era Antônio Arantes - secretário de Turismo
entre 1989 e 1992 e prefeito municipal de 1993 a 1996 - não se pode negar à
escola, todavia, alguns dons notáveis: a dedicação dos seus diretores, a paixão
dos seus componentes, as virtudes do seu trabalho comunitário, o envolvimento
de toda a população do seu bairro de origem, o bom gosto de seus carnavalescos
e, principalmente, a reviravolta que ela provocou nas demais associações da
região, levando estas a buscar mais perfeição em seus trabalhos e assim
colaborando para a elevação do nível do carnaval miguelense.
No entanto, nos últimos anos o carnaval de Miguel
Pereira sofreu uma considerável perda de qualidade e até mesmo de interesse. É
certo que dificuldades econômicas tiveram ação direta em tal declínio e que a
concorrência da televisão sepultou a vontade das pessoas de irem para as ruas,
mas somos obrigados a reconhecer que a falta de maiores estímulos por parte do
poder público, o desinteresse da população mais jovem em assumir o comando de
tais agremiações, algumas administrações desastradas junto aos grêmios
carnavalescos e até mesmo injunções políticas mais severas e demagógicas
acabaram por minar a espontaneidade das nossas escolas, afastando de suas
fileiras populares, folclóricas e culturais os verdadeiros foliões e os
apaixonados dirigentes que, de fato, mantinham suas instituições à base de
muito trabalho e de muita paixão.
Na
próxima edição: Dados Especiais Sobre a Ferrovia