Rodovia para Arcádia - Parte 3

Somente após a trágica inundação de 29 de março de 1945, as autoridades estaduais perceberam que se tornara imprescindível abrir um caminho melhor para Governado Portela a partir de Arcádia, até porque os trens já não bastavam para atender as demandas das

 05/08/2022     Historiador Sebastião Deister      Edição 409
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Somente após a trágica inundação de 29 de março de 1945, as autoridades estaduais perceberam que se tornara imprescindível abrir um caminho melhor para Governado Portela a partir de Arcádia, até porque os trens já não bastavam para atender as demandas das cidades serra acima. Pressionado por Vassouras - cabeça de Município responsável por Portela, Miguel Pereira e Paty e Avelar - criticado por famílias influentes que já se encontravam estabelecidas na região e instado pela população geral, o Governo do Estado do Rio enviou uma comissão de trabalho à Serra do Tinguá. Influenciado pelo engenheiro Bernardo Sayão, autor de um amplo relatório sobre o assunto e intimamente ligado aos trabalhos iniciados em Miguel Pereira por Pereira Soares e colaboradores, o governador do Estado da época, comandante Ernâni do Amaral Peixoto, determinou uma série de melhorias na estrutura viária já existente na serra e a abertura definitiva da estrada para Portela, a qual, recebendo os recursos mais modernos de engenharia, adquiriu o traçado que ostenta até hoje.

Obviamente, não foi apenas o trecho mais complicado da serra que se viu ungido por tais benefícios. É preciso registrar que a partir de Arcádia a estrada prosseguia para Santa Branca, Conrado, Mangueiras e Paes Leme até desembocar em Japeri, dali infletindo para o Rio de Janeiro. Este percurso mostrava uma segurança bem maior e exigia trabalhos mais simples de contenção de encostas e aperfeiçoamento de piso, uma vez que recebera especial atenção dos construtores da estrada de ferro durante os anos de sua implantação pelas colinas, que ali promoveram vários melhoramentos a fim de atender os veículos que traziam equipamentos e homens para a conclusão do leito da via férrea. Mesmo assim, a largura da estrada e seu piso de barro batido não se mostravam adequados ao trânsito mais pesado e frequente que, por certo, far-se-ia presente nos anos seguintes, haja vista a atração que o alto da serra já exercia sobre inúmeros turistas. A despeito de exibir melhores condições de tráfego do que o sinuoso e inclinado trecho das montanhas, não teria sentido deixar tal percurso sem um tratamento apropriado, já que, em última análise, era ele a conexão direta entre as vilas da serra e a estrada Rio-São Paulo.

A partir dessa sensata decisão político-administrativa, enfim a estrada rasgada na Serra do Couto pelos velhos pioneiros viu-se contemplada com as ampliações e restaurações tão reivindicadas pelos miguelenses, ganhando muros de contenção, alargamentos adequados em suas curvas e acostamentos protetores, trazendo para nossas cidades novas levas de imigrantes, veranistas, comerciantes, agricultores, pecuaristas, médicos, professores e, em especial, apreciável quantidade de automóveis e caminhões. Era o palco que faltava em nossa terra, mas que, ironicamente, ao trazer progresso para nossas cidades, acabaria por determinar a morte, décadas depois, do grande fator de sucesso até então obtido pelos municípios serranos: a estrada de ferro.

Com as facilidades proporcionadas pela rodovia - apesar de seu piso de argila e saibro - verificou-se um notável aumento no fluxo turístico da região. Agora, além do trem, as populações serranas tinham a opção do automóvel, e tão significativo foi o benefício carreado pela estrada, que até mesmo Paty viu-se em condições de escoar para o Rio de Janeiro sua já crescente produção agrícola. Graças à nova estrada e às constantes viagens de trem pelas colinas, novos turistas vinham passear pelas cidades, ocupar seus hotéis e visitar suas cachoeiras e rios, contribuindo também para a multiplicação das casas comerciais. Visitantes ocasionais, atraídos pelo clima tão exaltado no Rio de Janeiro, adquiriam casas e compravam terrenos, construíam suas residências e abriam seus negócios pela região, professores apareciam para incentivar a abertura de escolas, times de futebol subiam as montanhas aos domingos para medir forças com o Miguel Pereira Atlético Clube, o Portela Atlético Clube ou o Estiva Futebol Clube e até artistas do porte de Francisco Alves e Luiz Gonzaga interessaram-se pelo lugar, vindo para cá em finais de semana, por vezes alegrando a população com improvisadas e aplaudidas audições nos clubes populares ou mesmo nos bares de esquina em Miguel Pereira.

Tal circulação de pessoas modificou bastante a pacata vida das cidades, mas orgulhosas do título de "Cidades de Veraneio", elas de pronto adaptaram-se àqueles novos e gloriosos tempos de bem-estar e alegria. Surgiram então, pela sua periferia, vários outros loteamentos que produziram a figura do corretor de imóveis, até então inédita nas colinas, vindo João da Silva Pimentel a ser um dos seus mais ativos e incansáveis representantes entre as décadas de cinquenta e sessenta, ao montar seu concorrido e respeitável escritório num velho sobrado de Miguel Pereira, o mesmo onde funcionara, em 1937, a sede da primeira Companhia Telefônica Brasileira da região. A corretagem de imóveis tornar-se-ia um rendoso e tradicional ramo de negócios na cidade, até hoje bastante explorado por descendentes das famílias Bernardes, Pinheiro e Vilela.

Em consequência de tais movimentos imobiliários, tanto em Miguel Pereira quanto em Portela levantaram-se novas casas, instalaram-se hotéis, abriram-se mesmo alguns cassinos, rasgaram-se ruas em direção aos bairros mais afastados, nasceram novos restaurantes e algumas casas noturnas espaçosas e confortáveis, implantaram-se clubes e associações, surgiram várias colônias de férias administradas por de associações cariocas, inauguraram-se lojas de tecidos e aviamentos, com maior variedade de ofertas em roupas prontas, multiplicaram-se as Igrejas Evangélicas, montaram-se postos de gasolina bem mais modernos e eficientes, apareceram oficinas mecânicas, inauguraram-se largas casas de materiais de construção, triplicaram-se as salas de aula, estabeleceram-se as primeiras casas bancárias da serra, circularam pelas ruas os táxis até então conhecidos romanticamente como carros de praça, e nessa azáfama de crescer dobraram-se as ofertas e trabalho no comércio, na construção civil, na ferrovia e no setor agropastoril, o que de súbito provocou um salto demográfico, urbanístico e financeiro que, num repente, desembocaria nos movimentos de emancipação de nosso território.

 

IMAGEM: Escritório de corretagem de J. S. Pimentel no Largo do Machadinho no final dos anos setenta. Na área inferior, loja de variedades de D. Maria Portuguesa

 

Na próxima edição: o Asfaltamento da Rodovia RJ 125