A Fazenda Quindins e seus primórdios - Parte 3

Memórias de Paty do Alferes

 25/05/2024     Historiador Sebastião Deister      Edição 501
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À medida que a vida dos ocupantes de Quindins tomava contornos de trabalho mais nítidos, a disposição dos cômodos do prédio central foi se aprimorando, até porque a casa principal passou a se transformar em uma rígida e controlada posição de alicerce familiar. Assim, a casa original teve fechados três dos lados de um grande espaço quadrangular em torno do qual se agrupavam também as demais dependências: sala de recepção, sala de jantar, cozinha, copa, dispensário, sanitários etc. No confronto com outras construções da área campestre de Paty, praticamente todas com esteios de madeira roliça, pau-a-pique ou adobe elementar, ao se valer de tijolos resistentes e outros sustentáculos e escoras de madeira mais resistente, Quindins ganhava um atraente aspecto de solar senhorial cuja tradição arquitetônica, encapsulada por notórias linhas coloniais, ficava suavemente nítida no imóvel pioneiro, conferindo-lhe um sabor familiar doméstico, funcional e elegante.

O embrião da primeva construção de Quindins (levantado, possivelmente, nos anos 1860 por José Maria de Guadalupe) não apresentava as particularidades arquitetônicas hoje observadas. É quase certo que a primeira casa deva ter sido levantada graças a materiais típicos daquele período de ocupação de terras (facilmente encontrados pela região), como pau-a-pique, taipa de pilão e adobe, com paredes brancas de cal e janelas simples de lâminas móveis de madeira. Por conseguinte, a obra apresentava um despojamento externo de extrema simplicidade, porém dotada de compartimentos internos perfeitamente ajustados aos proprietários e à praticidade dos trabalhos de campo implementados na época.

Com efeito, a arquitetura rural, calcada nas raízes de suas necessidades de subsistência, sofreu uma simplificação quase inevitável devido às circunstâncias do meio ambiente e à crônica ausência de maiores lucros financeiros, ao contrário do que acontecia nas grandes fazendas produtoras de café espalhadas pelo Vale do Paraíba. Por conseguinte, a implantação inicial das estruturas tradicionais e mais modestas da primitiva Fazenda Quindins traduzia uma singela configuração expressa pela realidade social, humana e comercial muito bem estabelecida no local.

É fato que Quindins veio à luz como casarão dotado de um só pavimento. Tirante seu simpático delineamento horizontal, sua principal característica sempre foi a existência de uma extensa varanda a proteger duas de suas fachadas, uma delas conduzindo a um patamar coberto por um pequeno copiar, como descrito anteriormente. O gosto pela casa térrea (sem porão baixo que servisse de senzala) certamente teve como modelo nos exemplos das clássicas chácaras suburbanas que se popularizaram durante o século XIX, daí se espalhando tanto para o campo quanto para várias cidades interioranas. No caso de Quindins, existe uma graça toda especial no fato de sua estrutura ser a chamada "casa habitável", ou seja, aquela que pela sua funcionalidade específica, isto é, abrigar uma linhagem de pioneiros nos derradeiros decênios do século XIX pós-abolicionistas, punha de lado o condenável uso da mão escravizada.

Obviamente, na qualidade de pousada/hotel os serviços posteriores receptivos determinaram a construção de anexos à casa principal. Assim, apareceram apensos arquitetônicos de menor porte, porém de grande funcionalidade (inclusive o famoso chalé destinado a jogos de mesa, passatempo familiar aberto, também, a todos os hóspedes do hotel) e dependências de retaguarda para acomodar novos descendentes dos familiares que administravam a casa.

Já em área ligeiramente afastada, ergueram-se currais e demais espaços para criação de bovinos e aves, e até mesmo um galpão especial destinado a servir de garagem, no interior do qual se abrigava um automóvel Ford "bigode" pertencente ao patriarca Eurico Pinheiro Bernardes que causava sensação ao sacolejar pelas ruas de Paty do Alferes. Claro está que o crescimento de Quindins e os trabalhos pecuários ali desenvolvidos não poderiam jamais prescindir dos carros-de-bois tão típicos da hinterland brasileira. Neles, a criançada fazia a festa, principalmente quando se dirigiam ao estábulo para acompanhar a ordenha das vacas.

Hoje, das dependências que ainda se conservam de pé, poucas são as que mantêm o uso e o aspecto genuínos de outrora, visto que ao longo dos anos sua utilização como pousada, casa familiar e base de outras atividades não relacionadas à hotelaria obrigaram seus proprietários a intervir estruturalmente em alguns espaços privados, descaracterizando seu aspecto original e alterando as funções exercidas no passado.

Hóspedes ilustres como Zico e Lulu Santos

De qualquer forma, o prestígio de que se revestiu Quindins atraiu visitantes e hóspedes dos mais variados naipes ao longo de várias décadas. Com efeito, o Hotel registrou frequentes visitas de interessantes personalidades da vida brasileira, tais como o escritor e radialista Sérgio Porto (o famoso Stanislaw Ponte Preta), Isabel do vôlei, Ernâni Pires Ferreira (o saudoso locutor do Jóquei Clube Brasileiro), o cantor Lulu Santos, o jogador Zico e outras figuras de renome no país.

Ao longo de algumas décadas do século XX, Quindins passou pela administração de membros da família, como Antão e Eurico e, após suas mortes, recebeu os cuidados e a atenção de Eurico Junior e seu primo Carlos Rubem (Caú). Glebas de seu extenso território foram divididas entre os herdeiros dos Bernardes. O estabelecimento abandonou as atividades hoteleiras há algum tempo, e o prédio principal, atualmente, encontra-se desativado, mas há alguns anos serviu como sede de uma organização voltada para atividades sociais e humanitárias de vários jovens imigrados do Haiti que compõem um time de futebol chamado Pérolas Negras, associação esportiva hoje instalada no município de Resende. Por outro lado, grande parte de terrenos periféricos à casa original abrigam, atualmente, o Rancho Quindins, com dezenas atividades voltadas ao lazer e à gastronomia.

 

Na imagem, o casal Eurico Pinheiro Bernardes e Gioconda Guimarães Bernardes, que são os pais do ex-deputado Eurico Júnior, e avós do prefeito Juninho.