A Capelinha dos Escravos - Sítios Históricos do Sul Fluminense - 21

Suas características lembram bastante os tipos de altares rústicos entalhados por escravos... Hoje uma Unidade de Conservação municipal.

 24/02/2017     Historiador Sebastião Deister      Edição 126
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No alto de uma das colinas que margeiam a RJ-125, rodovia que liga Miguel Pereira a BR 116 (Rio - São Paulo), nas proximidades de Governador Portela, existe uma enigmática construção esculpida numa pedra que configura uma espécie de altar, conhecida como Igrejinha dos Escravos por praticamente todos os moradores da região. Com efeito, suas características lembram bastante os tipos de altares rústicos entalhados por escravos, porém não foi ainda encontrada nenhuma documentação ou prova de campo que evidenciem, de fato, sua origem. De qualquer forma, segundo antigos residentes da área o local era utilizado pelos negros que trabalhavam nas fazendas Rocha Negra e Ribeirão das Flores, ambas bem próximas do local. Se tal atividade escrava de fato aconteceu, não ousamos afirmar, mas o local tem sido muito visitado ultimamente, até porque está sendo considerado um nicho esotérico e místico.

E visando a preservação desse patrimônio religioso,com significativos recursos históricos e naturais, de imensos valores cênicos e paisagísticos, propiciando a prática religiosa e ecológica, garantindo sua acessibilidade à população,foi que o governo municipal desapropriou parte da Fazenda Ribeirão das Flores para a criação da Unidade de Conservação Monumento Natural Gruta dos Escravos.

Foram desapropriados 34.589,65 m² da propriedade do espólio de Bernardes Sayão Carvalho Araújo, conforme escritura pública de compra e venda lavrada nas Notas do 18º Ofício da Cidade do Rio de Janeiro - RJ, em 05/12/1968 e devidamente registrada no Livro nº 3A, fl.261, nº de ordem 868, de 22/04/1969, no 2º Ofício de Justiça da Comarca de Miguel Pereira - RJ.Essa UC foi instituída através do Decreto Municipal n.º 3.801 em 01 de março de 2011.

Como reforço da teoria que atribui aos antigos negros a existência da capelinha, podemos lembrar que em meados dos século XIX algumas famílias administravam as propriedades que serviriam de embrião para o aparecimentos das duas fazendas alocadas na descida da serra, no caso a Rocha Negra e a Ribeirão das Flores. De fato, por ali circularam membros das estirpes Monsores e D'Ávila.

A história dos Monsores prende-se aos genros do latifundiário Bernardo Gomes de Aguiar, os senhores Felix Francisco Monsores (casado com Emerenciana Angélica de São José) e Francisco José d'Ávila. A família Monsores foi citada por Mattoso Maia Forte como confrontante da Fazenda do Secretário e donos da Fazenda Santo Antônio da Pedra, fato confirmado no processo de Aviventação dos marcos da Fazenda do Secretário em que Antônio Francisco Monsores aparecia como dono de sesmaria formadora da Fazenda Santo Antônio da Pedra, na estrada para Ferreiros. Há, inclusive, registro de terras pertencentes ao barão de Paty do Alferes que se referem à compra feita por ele de parte das propriedades dos Monsores, provavelmente aquelas que envolvem a Fazenda Alto da Conceição.

Antônio Francisco Monsores era o pai de Felix Francisco Monsores. Faleceu em 1847 como respeitável e abastado proprietário da Fazenda Santo Antônio da Pedra, instalada em área de 277,95 alqueires e abrigo de 45 escravos. Seu inventário levanta o patrimônio de várias propriedades, com destaque para acasa-grande de 3 lances de moradias construída com madeira roliça e coberta de telhas, fábrica de farinha e pilão, forno, móveis variados e múltiplas ferramentas. Havia ainda criação de variados animais, além de plantações alcançando 47.000 cafeeiros com produção de 2.650 arrobas de café em coco. Registre-se que após Governador Portela existe uma área municipal conhecida como Monsores, antes do logradouro de Cilândia. Dali, em direção noroeste com foco na serra de Miguel Pereira, as terras infletem diretamente para o sítio que abrigava a Rocha Negra, hoje um Parque Municipal.

No Registro Paroquial de Terras de Sacra Família do Tinguá, de 1855, Felix Francisco Monsores declarou as terras que recebeu por herança e por compra e que faziam limite com as de seus irmãos Miguel Francisco Monsores e Ignácio Francisco Monsores, mostrando a proximidade dos membros da família naquela área.

À época da cafeicultura, toda a produção agropecuária aglutinava-se a uma família diretamente atrelada a um tronco administrativo principal, no caso o senhor da fazenda. Prevalecia sempre a ideia de que os trabalhos de campo viam-se dificultados com a partilha excessiva das propriedades entre pessoas alheias à estirpe familiar, razão pela qual casamentos entre tios e sobrinhas e entre primos e primas eram mais do que desejáveis, pois enfeixavam em uma mesma família o patrimônio geral obtido com o trabalho de produção. Diante disso, o legado familiar era o momento em que os filhos recebiam sua parte dos bens paternos e muitas vezes a herança de pais e sogros contribuía para a melhoria da situação dos filhos, como ocorreu com Francisco José d'Ávila que recebeu a herança do pai em 1840 e do sogro em 1841, aumentando muito suas terras e sua produção e entrando na década de 50 do século XIX com bens consideráveis, entre eles as terras que iriam receber a fazenda Ribeirão das Flores.

Na história dessas famílias, constata-se a decadência financeira e patrimonial ocorrida depois dos anos setenta da centúria XIX, agravada com a Abolição da Escravatura que retirou das propriedades a mão-de-obra negra tão qualificada e necessária. Primeiramente houve o declínio dos Gomes de Aguiar, embora o genro Felix Monsores ainda dispusesse de ótimos bens nesta época. Contudo, não houve estratégia que sustentasse a derrocada da cafeicultura, e por essa razão fazendas centenárias outrora ricas e poderosas foram aos poucos sendo retalhadas em sítios menores. Já no início do século XX, as comunidades familiares tão bem estruturadas foram se desmembrando, com seus descendentes rumando para outras regiões à busca de novas e diferentes oportunidades de vida.

As visitas à Capelinha dos Escravos (que valem a pena) devem ser cercadas de cuidados, pois o local apresenta vegetação intensa e por vezes compacta, podendo assim mascarar a presença de cobras e de outros animais peçonhentos.

Na próxima edição: A Estação de Mudas de Cavalos na Estrada União e Indústria