Cavaru - Paraíba do Sul

Sítios Históricos do Sul Fluminense nº 23

 10/03/2017     Historiador Sebastião Deister      Edição 128
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O topônimo Cavaru, designando até hoje um pequeno povoado ao sul de Paraíba, deriva da língua Tupi. Segundo o professor Arnaud Pierre, trata-se, na realidade, da corruptela da palavra "cavalo" que, pronunciada pelo índio puri da época, soava como "cabáru" ou "cabarú" para os portugueses que, em sua fala reinol, acabaram trocando o "b" pelo "v" e consagrando tal denominação no antigo ponto de colonização fundado por Garcia Rodrigues Paes no sertão paraibano. Tal explicação, aliás, foi corroborada por Frei Aurélio Stulzer em seu trabalho "notas para a história da Vila de Paty do Alferes", razão pela qual acreditamos ser esta, de fato, a origem de uma titulação tão diferente e curiosa aposta naquela modesta localidade.

Cavaru é, por certo, o arquétipo de todas as roças implantadas por Garcia ao longo do Caminho Novo de Minas. De fato, o local era um ponto indispensável para tropeiros e viajantes que demandavam aquelas terras, pois ali suas mulas e outras alimárias não apenas descansavam, e eventualmente pernoitavam, como ainda se alimentavam do milho tão necessário à sua subsistência.

O logradouro de Cavaru localiza-se sobre o ribeirão do Inema, cujas margens, certamente, foram utilizadas pelos indígenas e posteriormente por Garcia para, a partir da Paraíba, chegar até aquela fértil região. É bem plausível que o bandeirante deva ter priorizado os primeiros caminhos rasgados nas matas pelos puris, já que tais veredas mostravam-se adequadamente retilíneas e seguras e evitavam, com aguda sensatez, os perigosos e cansativos declives das montanhas. Perspicaz e prático em suas decisões, Garcia tinha perfeita noção de que os muares galgavam sem problemas as rampas por vezes penosas dos caminhos, muito embora carregassem sobre si cangalhas cujo peso eventualmente alcançava 10 arrobas (cerca de 150 quilos). Ideais para esse trabalho, esses animais apresentavam um ótimo desempenho em terreno seco e uma inigualável firmeza nos declives mais úmidos, desde que os trajetos se mantivessem afastados de atoleiros ou das margens dos rios, nos quais, com certeza, eles submergiriam sob o formidável peso de sua carga. Isto explica bem a razão pela qual os velhos caminhos da serra eram, de um modo geral, abertos ao longo dos sopés das colinas, sempre se valendo das primitivas e inteligentes trilhas deixadas pelos índios.

Colinas ensolaradas, morros mais agudos, aclives estafantes e declives escorregadios, bosques desconhecidos e matas escuras, escarpas desafiadoras e lodaçais intimidantes não faltaram à frente dos passos de Garcia, tanto no chamado Sertão da Paraíba - aquele imenso e silencioso vazio aninhado entre a Serra do Mar e o rio Paraibuna - quanto na Mantiqueira de Baixo, ou seja, a área compreendida entre o rio Paraibuna e a serra mineira, terras por ele domadas após sua monumental obra de reconhecimento e povoamento de nossos sertões.

Cumpre destacar que foi a partir de Cavaru que Garcia e seus comandados subiram a Serra da Sucupira para, logo à frente, alcançar o vale do rio Secretário, desenvolvendo-se junto a essa área toda a vida daquele ponto de repouso. Com o tempo, a Fazenda Sucupira tornou-se famosa pela riqueza e pela abundância de sua produção, uma vez que abastecia prodigamente todas as caravanas que por lá transitavam. Junto dela, a propósito, funcionou pelos meados do século XIX um importante e concorrido colégio para alunos internos, procurado principalmente pelos filhos dos abastados fazendeiros da região.

Até hoje, dorme ali um vivo testemunho das atividades humanas e sociais da Sucupira, representado pelo cemitério de Cavaru, bem às margens do célebre caminho Novo de Minas e iniciado em 1843 por Antônio Gomes da Cruz, o renomado patriarca da família estabelecida na área de Cavaru em finais do século XVIII, quando naquelas plagas sua família abriu a Fazenda de Santo Antônio e administrou inicialmente parte da conhecida Fazenda Pau Grande.

Vale lembrar que a estrada que parte de Cavaru, atravessando a linha férrea, conduz o viajante em direção ao Hotel Fazenda Cachoeiras de Cavaru, provavelmente derivado das obras da fazenda da Várzea deixada por Garcia. Logo à frente existe uma bifurcação, cujo ramal esquerdo permite o acesso aos conhecidos hotéis Jataí e São Romão. Já pela ramificação à direita, o caminho leva à área da desaparecida fazenda do Guache, para logo em seguida alcançar o logradouro de Vila Rica e mais à frente o distrito patiense de Avelar. Todas estas passagens estão assentadas por sobre o Caminho Novo de Garcia Rodrigues Paes aberto entre 1700 e 1704, cuja existência pioneira permitiu o nascimento de Paty do Alferes e de todos os seus apêndices territoriais.

Também em Cavaru encontramos a velha estaçãozinha ferroviária, lembrança dos áureos tempos da Maria Fumaça em nossa região, cujas dependências atualmente voltam-se para as atividades sociais patrocinadas pela Prefeitura do município de Paraíba do Sul. 

A partir da próxima edição: Caminhos Pioneiros do Centro Sul Fluminense