Quando a tecnologia prejudica a visão

OMS afirma que em 2050, 50% das pessoas serão míopes e crianças são as vítimas mais vulneráveis

 06/05/2017     Planeta Colabora   
Compartilhe:       

Basta dar uma volta na rua, entrar num shopping, ônibus, van escolar e constatar. Pessoas absorvidas pelas telas de seus celulares estão por toda a parte. E elas são cada vez mais jovens, crianças pequenas, inclusive. Sem entrar no mérito sobre a falta que faz o contato olho no olho, o fato é que o uso excessivo da visão de perto (utilizada quando estamos grudados nas pequenas telas de nossos smartphones) tem trazido consequências preocupantes para a população em geral. A miopia é a consequência mais frequente. E especialistas alertam: essa deficiência – que dificulta a visualização de objetos que estão longe, causada pelo aumento anormal do olho – tem se manifestado cada vez mais precocemente, tornando-se também mais intensa.

 

“Toda semana faço diagnóstico de miopia em jovens e crianças pequenas sem histórico familiar. O uso do smartphone não é novo, mas o abuso tem se tornado a regra nos últimos anos, em idades cada vez menores” Simone Cerveira –Oftalmopediatra

“Com o uso excessivo de celulares, estamos dando a informação para nosso cérebro de que necessitamos mais da visão de perto do que da de longe. A consequência disso é que nosso olho tem se alongado e a população está mais míope. Recebo cada vez mais crianças em meu consultório com essa deficiência. Crianças de quatro anos com dois graus de miopia. E aí o risco de progressão é muito maior. Com o aumento médio de um grau e meio por ano, imagine onde pode chegar”, alerta Fabíola Franco, do Centro de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo (Cope), um centro de referência do Rio de Janeiro.

“Toda semana faço diagnóstico de miopia em jovens e crianças pequenas sem histórico familiar”, diz a oftalmopediatra Simone Cerveira. “O uso do smartphone não é novo, mas o abuso tem se tornado a regra nos últimos anos, em idades cada vez menores”, diz.

A OMS recomenda que as crianças tenham mais atividades ao ar livre, para não forçar a visão de perto

Fabíola Franco diagnosticou João com vista cansada pelo excesso de uso de aparelhos eletrônicos. Vista cansada! Uma criança de 10 anos! João não tem telefone celular justamente porque nossa família optou por adiar ao máximo a fusão da criança com o telefone. No entanto, não faz muito tempo, ganhou um computador e, embora estejamos sempre tentando controlar seu tempo de permanência diante da tela, o hábito de assistir aos vídeos no Youtube e de jogar minecratf acabaram provocando vista cansada e dores de cabeça.

A doutora foi taxativa: “Tem que fazer uma dieta radical, uma semana sem Youtube, sem contato com celular, computador, nada”. A ideia era ver se a visão voltava ao normal. O que aconteceu, graças a Deus, depois de mais uma semana inteira de abstinência, totalizando 14 dias sem eletrônicos (ele sofreu, mas se acostumou). E agora terá que fazer uma espécie de fisioterapia para restabelecer o músculo ciliar, que faz a acomodação para visão de perto e de longe. Foi um susto e um aprendizado. Não tem jeito, estamos, sim, imersos num mundo repleto de tecnologia, não queremos que nossos filhos sejam ETs e analógicos (impossível!, desnecessário!), mas as crianças podem e devem ser poupadas. Quem quiser achar que é exagero que ache, mas eu vou seguir a orientação da doutora Fabíola: “Limitar ao máximo o uso de eletrônicos (uma hora por dia) e privilegiar as atividades ao ar livre”. O curioso é que esse sempre foi meu discurso e já tínhamos um teto de uma hora estabelecido em nossa casa. No entanto, parece que estávamos vigiando pouco essa “uma hora”. Agora, utilizamos alarme. Tudo para não voltar a ficar sem enxergar.

“Com o uso excessivo de celulares, estamos dando a informação para nosso cérebro de que necessitamos mais da visão de perto do que de longe. A consequência disso é que nosso olho tem se alongado e a população está mais míope”Fabíola Franco - Médica do Centro de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo

“Tenho observado estes casos apenas nos últimos cinco anos.Como tenho vinte anos de oftalmologia, acredito que os novos hábitos, sim, estejam causando a vista cansada”, diz Simone.

Temos que estar atentos. E aceitar que celular não é coisa para criança. “Recomendo que elas não utilizem os smartphones. Sugiro, quando realmente precisarem (em um restaurante com longa espera, uma consulta demorada ou uma viagem comprida), que optem pelos tablets, que são maiores. Quanto menor o dispositivo pior, pois maior será o esforço acomodativo que o olho fará. O melhor é dar preferência para brinquedos e revistas de passatempo. E em casa utilizar dispositivos associados à tela maior, da televisão. O caso dos adolescentes é ainda mais difícil.  Mas temos a vantagem deles conseguirem entender, ao menos em parte, a nossa preocupação”, diz Fabíola..

Embora possa parecer que estamos remando contra a maré, pais atentos e dispostos a criar um ambiente saudável para os filhos não devem desistir. O advento da tecnologia invadindo nossas casas pode ser muito interessante e facilitador, mas traz com ele conseqüências que podem ser irreversíveis e desastrosas para nossos pequenos. Não custa nada quebrar paradigmas, sair do piloto automático e abrir o olho. Dar o exemplo pode ser o melhor remédio. Menos celular, jogos eletrônicos, mais contato e presença. Se seu filho se desesperar e perguntar, como fez o meu: “Mas o que vou fazer agora sem meu computador?”, experimente mostrar a ele que entende sua angústia, dê um abraço bem apertado e – sem dar muito tempo para pensar – leve-o para um passeio de bicicleta.