São Sebastião dos Ferreiros agregada à Igreja Matriz de Vassouras

As Igrejas Católicas na Ocupação do Vale do Paraíba

 23/06/2017     Historiador Sebastião Deister      Edição 143
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Nos primórdios do século XIX, tropeiros, caçadores, caixeiros-viajantes, fazendeiros, padres missionários, herdeiros de bandeirantes e demais exploradores que circulavam pelas montanhas entre Paty do Alferes e Vassouras organizavam, em determinados trechos da Serra do Tinguá, aquilo que eles mesmos batizavam como "pousos provisórios" ou "roças de descanso", nos quais providenciavam suas refeições, abasteciam seus cantis, trocavam suas botas e despiam-se de seus gibões de couro, deixavam descansar suas montarias e, por vezes, pernoitavam para recuperar a força do corpo. Esses pousos nada mais possuíam do que quatro grossas estacas de aroeira cobertas com sapé ou folhas de palmeiras e dezenas de folhas de bananeira ou de coqueiro espalhadas pelo solo, sobre as quais eles se deitavam para repousar ao lado de uma fogueira perene, cujas chamas afugentavam os animais mais curiosos ou perigosos.

São Sebastião dos Ferreiros nasceu de um desses pousos. Situada a meio caminho entre as Freguesias de Vassouras e de Paty do Alferes, a localidade dorme num semiplanalto ensolarado, no qual dois fatores foram fundamentais para que ali se formasse o arraial: a presença de algumas límpidas nascentes de água nas proximidades e a existência, a poucas milhas de distância, da notável fazenda do Secretário, do barão de Campo Belo, à qual seria possível recorrer em caso de emergência.

Como o transporte de homens e mercadorias dependia dos animais de carga, instalou-se no vilarejo uma pequenina oficina cujos proprietários encarregavam-se de verificar o estado das ferraduras de cavalos e mulas e até mesmo de amolar facões, facas e outros instrumentos de corte usados pelos tropeiros. Assim, com o tempo tornou-se comum entre os viandantes comentar que iriam fazer uma parada no "povoado dos ferreiros", e tal referência acabou por consagrar aquele incipiente logradouro. Logo o arraial viu-se agraciado como importante escala para mercadores e andarilhos que cruzavam as colinas quase todos os dias, os quais, por vezes, ali se reuniam para trocar informações, comercializar seus produtos, apresentar novidades chegadas da capital, vender ou comprar animais, ferrar suas alimárias, simplesmente repousar ou apenas proferir orações e ladainhas em conjunto. Ora, Ferreiros ganhou tanta relevância como escala de viagem para os colonizadores da serra que, em 18 de dezembro de 1864, a Lei Provincial nº 1.287, emitida pelo Presidente da Província do Rio de Janeiro, elevava o povoado à condição de distrito da Freguesia de Vassouras.

É ainda importante lembrar que a primitiva capela que iria se transformar na simpática Igreja de São Sebastião nasceu de uma doação de terras feita pelo Tenente Felix do Nascimento Costa, num total de dois alqueires, para que ali a Irmandade do povoado pudesse enfim erguer uma ermida e nela professar sua religião. Também alguns famosos ferreiros da época, como Antônio Botelho, Joaquim Seabra e Nicolau de Melo, concederam grande parte do seu tempo e do seu trabalho nas obras de edificação da igreja da localidade.

Próxima do povoado, localizava-se a Fazenda de São Sebastião, do Major Lindorf Moreira de Vasconcelos. Segundo informações orais que passaram de pai para filho naquela região, o Major Lindorf enfrentara, em data não determinada, um gravíssimo problema de saúde com um dos seus filhos. Desesperado com a situação, o Major teria ido então à primitiva capela do arraial e feito ali uma contrita promessa a São Sebastião: caso o filho se visse curado, a família mandaria fabricar uma imagem do santo com altura equivalente à do próprio rapaz, para entronizá-la na capela e fazê-la representar para sempre o papel de padroeiro do lugar. Não existem provas concretas do milagre, mas o fato é que o major realmente doou para Ferreiros uma magnífica imagem de São Sebastião, a qual permanece até hoje no altar daquela igreja. Não satisfeito, Lindorf usou de seu prestígio para fazer com que o lugarejo adotasse em definitivo a denominação de São Sebastião dos Ferreiros, topônimo de pronto referendado pelo município de Vassouras.

Uma vez reconhecida como Paróquia - a partir de 1864 - a Igreja de São Sebastião dos Ferreiros passou a administrar um vasto território eclesiástico, que seguia desde os limites da Fazenda dos Prazeres até a ponte dos Taboões e o córrego de Antônio Gonçalves, ponto em que se deparava com o rio Santana. Em outras palavras, a Paróquia de Ferreiros alcançava Governador Portela, contornava o antigo povoado de Barreiros pela parte sul, subia pelas áreas onde hoje se localiza a Fazenda da Conceição e depois seguia pelas colinas de Monsores para, enfim, limitar-se com Vassouras. Por esta razão, durante muitos anos a Igreja de Nossa Senhora da Glória, em Portela, esteve sob o controle eclesiástico da Paróquia de Ferreiros, que somente perdeu tal qualificação quando Vassouras tornou-se município e ganhou a inclusão oficial em seus domínios da Paróquia Central de Nossa Senhora da Conceição.

A Igreja de São Sebastião dos Ferreiros, onde se mesclam peculiaridades barrocas e neoclássicas, recebeu, ao longo dos anos, algumas intervenções destinadas a manter de pé sua centenária construção de pau-a-pique e estuque, providências que, embora necessárias, determinaram também uma lamentável descaracterização de várias de suas linhas originais.Embora tenha aspecto modesto, a igreja possui um espaço interno bem razoável, no qual se destaca o assoalho secular e a abside que abriga o Santo Padroeiro, este ladeado por dois altares menores que guardam as imagens do Sagrado Coração de Jesus e de Santo Antônio. O transepto, à entrada, sustenta a área do coro, na qual permanece bem cuidado um órgão apropriado ao acompanhamento dos cantos e demais atividades litúrgicas. Em 1956, a municipalidade vassourense promoveu no prédio uma severa restauração de suas paredes e de seu teto, recuperando inclusive os vidros coloridos das janelas que correspondem à área do coro, numa complementação dos trabalhos ali efetuados no ano de 1938.

No dia 20 de janeiro - dia do seu Padroeiro -, a comunidade de Ferreiros coordena uma grande festa popular na ampla praça fronteiriça à Igreja, homenageando dessa maneira o santo que há decênios acompanha a vida daquele aprazível lugarejo.

Na próxima edição: Igreja Matriz de Paraíba do Sul