Caixas de leite recicladas protegem casas do frio da periferia
Voluntários da ONG Brasil sem Frestas costuram embalagens que revestem residências em favelas de Curitiba
20/07/2018
Planeta Colabora
Edição 199
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Foto 1 - A matéria-prima das caixas de leite se transforma em
revestimento na ONG Brasil sem Frestas (Foto: Gualtiero Boffi)
As frestas das casas de madeira da periferia
de Curitiba ? a capital mais fria do Brasil ? estão sendo vedadas com caixas de
leite recicladas. O polietileno, o alumínio e o papel-cartão, matérias-primas
das embalagens, dão origem às placas que são costuradas pelas 89 voluntárias da
premiada associação Brasil sem Frestas, que já revestiu mais de 50 casas nas
favelas da cidade. ?Em cada casa que passamos, sabemos que pelo menos à noite
as pessoas vão conseguir dormir protegidas do frio e que nem a geada nem os
bichos peçonhentos vão entrar pelas frestas?, explica Tânia Ribas, 56 anos,
três filhos e uma carreira de trabalho voluntário.
Em cada
casa que passamos, sabemos que pelo menos à noite as pessoas vão conseguir
dormir protegidas do frio e que nem a geada nem os bichos peçonhentos vão
entrar pelas frestas - Tânia
Ribas, ONG Brasil sem Frestas
A inspiração para usar as caixas na vedação
das residências precárias veio do Rio Grande do Sul, e a técnica foi
desenvolvida pela química Maria Luiza Camozzato, de Passo Fundo. Aos poucos,
uma ideia simples, econômica e sustentável foi melhorando a vida de famílias
carentes, que agora podem contar com um abrigo quente para passar a noite. O
projeto chegou à Curitiba há três anos, quando a voluntária Tânia transformou a
garagem da sua casa em oficina com máquinas de costura, grampeadores de tecido
e milhares de caixas vazias de leite.
Foto 2 - Reciclagem e solidariedade: um dos pontos de coleta do Brasil
sem Frestas (Foto: Raquel Semmke / divulgação)
Cada casa necessita de pelo menos 2 mil
caixas de leite, que são costuradas com fios de nylon e grampeadas formando
placas que revestem as paredes. Neste inverno, depois que conseguiram comprar
um carro a partir de doações e venceram o prêmio Bom Exemplo 2017 do Paraná, a
projeção do trabalho se ampliou. Na segunda semana de junho, a temperatura
desceu para 3 graus em Curitiba, e a associação foi acionada por diversas
entidades. Quatro casas foram atendidas apenas em uma semana.
?Estamos trabalhando sem parar para atender a
demanda. Ontem fomos vedar uma casa em uma ocupação nova no bairro Parolin. Lá,
as casas são construídas direto na terra, e a moradora vedava as frestas com
cobertores. Moram ali ela, o marido e duas crianças, não há água encanada e as
roupas ficam em caixas de plástico do lado de fora. Um vento de cortar entrava
pelos vãos das madeiras e a chuva invadia tudo. Saber que hoje eles vão dormir
aquecidos e protegidos acalma a gente e dá mais energia para trabalhar?, conta
Tânia.
Foto 3 - As placas feitas de caixas de leite usadas pela ONG (Foto:
Raquel Semmke / divulgação)
A maioria das pessoas atendidas pelo projeto é
constituída por desabrigados, catadores de lixo e pessoas que vivem em grau
extremo de pobreza. ?Já tivemos até que construir uma casa para uma senhora que
teve as duas pernas amputadas por causa de picada de aranha marrom, que é um
problema sério no inverno curitibano?, revela a líder do Brasil sem Frestas.
Foto 4 - Tânia Ribas (de óculos, à frente) é a coordenadora do Brasil
sem Frestas (Foto: Raquel Semmke / divulgação)
Em junho, o Sebrae ofereceu consultoria
gratuita para que o projeto possa se expandir pelo Paraná, e a associação pensa
em desenvolver parcerias com a Companhia de Habitação Popular de Curitiba
(Cohab). De acordo com essa instituição, em 2017, a cidade tinha cerca de 400
ocupações irregulares e 49 mil famílias vivendo em situação precária.
?Eu sempre gostei de trabalho voluntário,
separar doações em casos de enchente, ir aos hospitais, mas, com o Brasil sem
Frestas, eu vejo a mudança acontecer na vida das pessoas diante dos meus olhos
e agora eu tenho a certeza que estou no lugar certo?, afirma Tânia, enquanto costura mais caixinhas
de leite que servirão para vedar o casebre de uma imigrante nigeriana que
enfrenta o frio de Curitiba.
Por: Luciana Cabral-Doneda