Manoel Congo
Paty do Alferes a Caminho do Bicentenário - XII
31/08/2018
Historiador Sebastião Deister
Edição 205
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De acordo com as estatísticas divulgadas no interregno 1837-1840, entre os
séculos XVIII e XIX o maior percentual de negros africanos transportados para o
Brasil atrelava-se a homens mais jovens e saudáveis nascidos em variadas
regiões da África. De fato, os números mostram que, durante esses três anos,
73,7% eram do sexo masculino, com destaque para aqueles que apresentavam idade
na faixa de 15 a 40 anos. Tais escravos eram os preferidos e logicamente os
mais valiosos, visto que os trabalhos em fazendas, lavouras e engenhos
consistiam em derrubadas de matas, plantações, construção de casas grandes,
capinas e cuidados com as criações de animais, serviços diários e estafantes
que exigiam grande vigor físico. Todavia, apesar das ameaças e dos castigos impostos
pelos grandes senhores e seus implacáveis capatazes, os africanos eram sempre
olhados com desconfiança e até mesmo temidos por eventuais rebeldias em função
do seu desconhecimento quanto à língua, aos costumes portugueses e brasileiros,
à religião estranha, à alimentação pouco nutritiva e, principalmente, em
relação à crueldade do homem branco.
O capitão-mor Manuel Francisco Xavier era um rico proprietário que administrava com mão de ferro três enormes fazendas
em Paty do Alferes: Freguesia
(atual Aldeia de Arcozelo),
Maravilha e Santa Tereza, além do sítio da Cachoeira. Casado com Francisca Elisa Xavier (ou
Maria Elísia Xavier, segundo alguns autores), teve sob seu
comando um negro forte, habilidosos, de pouca fala e sorriso escasso chamado
Manoel Congo. Provavelmente chegado ao Brasil nas décadas iniciais do século
XIX, logo ao desembarcar foi apresentado no cais da Praia do Valongo (atual
Praça XV), tendo sido de pronto adquirido por Manuel Francisco Xavier e trazido
para prestar serviços nas três fazendas daquele escravagista.
Como era comum entre os escravos nascidos na
África, seu nome era composto por um prenome português associado ao antropônimo
de sua "nação" ou região de origem, nesse caso o Congo. Manoel era
ferreiro, ofício que requeria treinamento e destreza, o que certamente lhe
conferia superioridade sobre outros escravos e maior valor econômico perante seus
senhores. Dotado de grande espírito de
liderança, corajoso e decidido, Manoel promoveu uma fuga audaciosa na noite de 6
de novembro de 1838, conduzindo mais de duas centenas de fugitivos - entre
homens, mulheres e crianças - em direção à Serra de Santa Catarina (na linha
limítrofe com Petrópolis), onde pretendia instalar um quilombo.
No ofício
datado de 13 de novembro de 1838
a Paulino José Soares de Souza, então Presidente da
Província do Rio de Janeiro, o Juiz de Paz de Vassouras - José Pinheiro de
Souza Werneck - solicitou imediatas providências para a captura dos rebelados,
que foram então duramente perseguidos e aprisionados pelo barão de Paty
(Francisco Peixoto de Lacerda Werneck) após intensa refrega nas matas
adjacentes a Paty. Entre os mais importantes líderes do movimento,
encontravam-se também Miguel Crioulo, Belarmino Congo, Afonso Angola, João
Angola, Adão Benguela, Epifânio Moçambique, Canuto Moçambique. Antônio Magro,
Pedro Dias e Justino Benguela, além de Mariana Crioula, Rita Crioula, Lourença
Crioula, Brígida Crioula, Joana Mofumbe, Josefa Angola, Emília Conga, Balbina
Congo e Manoela Angola.
A propósito,
Mariana Crioula era uma escrava nascida no Brasil, com cerca de 30 anos na época. Era
costureira e mucama (escrava de companhia) de Francisca Elisa Xavier.
Foi descrita como sendo uma "preta
de estimação", assim como uma das escravas mais dóceis e confiáveis da
sua patroa, o que certamente a livrou da morte por enforcamento.
Julgado
em Vassouras, Manoel Congo foi condenado à forca, subindo ao patíbulo em 6 de
setembro de 1839. Casado com a negra Balbina Conga, Manoel deixou uma filha de
nome Concórdia.
Os demais
revoltosos receberam como pena 650 açoites cada um, dados cinquenta por dia, na
Forma da Lei. Quanto às demais mulheres, também acabaram por ser absolvidas,
talvez por interferência de D. Francisca Elisa Xavier, que tinha por elas
grande apreço.
A gruta
usada por Manoel Congo e seus companheiros como esconderijo não passa de uma profunda
e escura escavação natural formada por um conjunto de grandes pedras graníticas
em um dos outeiros da Serra de Santa Catarina. De acesso complicado, cansativo
e com espaços reduzidos, custa crer que tantos negros tenham conseguido se
reunir em um ambiente tão rude e exíguo. De qualquer forma, aquilo significava
para eles a tão desejada liberdade e o fim de sofrimentos físicos absurdos.
Existe no local uma placa indicativa, mas como o sítio se encontra em terras
particulares, deve-se sempre procurar autorização dos seus proprietários para
uma visita à gruta. Para alcançar o local, basta tomar a estrada para Palmares,
a partir do centro de Paty do Alferes, e após aquela localidade percorrer mais
alguns quilômetros pela chamada Estrada do Imperador. O piso é de terra batida,
porém firme e perfeitamente adaptável a qualquer tipo de veículo.