Vida e morte do professor e Dr. Miguel da Silva Pereira - Parte 6 - Final
Miguel Pereira afastou seu sofrimento por alguns minutos para formular um único e singelo pedido: que sobre seu túmulo fosse espalhado um pouco da terra recolhida no jardim do seu adorado sítio serrano.
04/01/2019
Historiador Sebastião Deister
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O
professor Miguel Ozório de Almeida, que passou com seu mestre as últimas férias
em meados de 1918, notou o prazer de Miguel Pereira em contato com a Natureza
agreste da Estiva, e sobre tal impressão deixou o seguinte registro:
"Lá o vi repetidas vezes entregue
ao aperfeiçoamento constante de sua linda propriedade. Cercado pela esposa e
pelos filhos, parecia, e era, inteiramente feliz. Seguro de sua força física e
intelectual, calmo, com um perfeito domínio sobre si, era um belo tipo de
homem, pelo equilíbrio atingido no desenvolvimento de suas faculdades. O prazer
de viver, a alegria de agir, eram o resultado natural desse equilíbrio. Pouco
tempo após essa época, e alguns dias antes da revelação do mal que viria
destruir toda essa exuberância de vida, ele dizia em uma roda de amigos que o
ouviam após um banquete no Palácio do Itamarati: - Eu como com prazer, durmo
com prazer, mas também trabalho com prazer".
Nesse
mesmo ano de 1918, quando Miguel Ozório de Almeida viera conviver com seu
mestre no Sítio Maria Clara, declarar-se-ia de forma inexorável a doença que o
mataria. Contudo, nada no semblante daquele homem sereno, trabalhador,
sorridente e alegre deixava perceber as agruras do mal que o consumia
lentamente. Em finais de maio de 1918, contudo, agravaram-se os sintomas de sua
moléstia incurável. Esta não chegou a ser formalmente diagnosticada, mas de
acordo com o professor Almeida Prado, Miguel Pereira apresentava uma compressão
típica de mediastino provocada, ao que tudo indicava, por um extenso e letal
tumor de acústico, muito embora até o fim tenham permanecido dúvidas a respeito
de tal definição médica.
Constatando
a injúria daquela devastadora doença, Miguel Pereira subiu em definitivo para o
seu adorado sítio na Estiva, vindo conviver no conforto doméstico proporcionado
pelo amor da esposa Maria Clara e dos filhos Helena, Vera Lúcia, Lúcia Vera,
Maria Clara (Mancala), Miguel Filho e Virgílio Mauro, este o filho caçula
destinado a ser médico como o pai e que por tempos clinicou em Miguel Pereira.
Escreveu
Xavier Pedrosa que
"(...) Miguel Pereira quis morrer
em seu sítio. Tal como no verso do poeta, a pomba ferida procura o ninho que
ela arquitetou. Assim fez Miguel Pereira (...)"
Dissimulando sua dor, resignado e estóico,
Miguel Pereira ainda fazia questão de recepcionar no sítio seus amigos e
discípulos da Faculdade, além de vários companheiros de profissão, salientando-se,
entre eles, os estimados colegas Almeida Prado e Aloísio de Castro. Este, a
propósito, transcreveu de forma dramática o lance derradeiro de Miguel Pereira
em discurso proferido na Congregação da Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, em sessão de 31 de dezembro de 1918:
"Quem o viu nas crises da cruel
doença, desmedrado, o peito opresso, arfando descompassadamente e arqueando nas
ânsias de um respirar trabalhoso sem uma imprecação ou lamento, lhe estava a
ler no rosto de justo as palavras do salmista: Pronto está meu coração, Senhor!
(...)"
No dia 23
de dezembro de 1918 - uma segunda-feira que antecipava para a família um Natal
enlutado - perto da hora final e numa inequívoca prova de seu amor pela Estiva,
Miguel Pereira afastou seu sofrimento por alguns minutos para formular um único
e singelo pedido: que sobre seu túmulo fosse espalhado um pouco da terra recolhida
no jardim do seu adorado sítio serrano.
A respeito dessa figura notável, que tanto
contribuiu para que a Estiva se tornasse conhecida e visitada a partir de 1915 - e cuja morte, aos 47 anos, ecoou com tristeza por todo o país -, disse
algumas décadas depois o respeitável médico e escritor Dr. Luís de Castro
Souza, em comovente discurso pronunciado na Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro:
"Feliz é o povo que tem perto de
si um exemplo dignificante para apontar à mocidade e cuja vida é um legado de
geração à geração. Miguel Pereira é o paradigma da bondade, da inteligência, da
cultura, da beleza e do amor ao Brasil, por isso representa o patriota
perfeito, o cidadão exemplar. Glória, pois, ao seu nome imortal!".