Pesquisa refaz vegetação destruída por rejeitos da Samarco
Projeto da Universidade Federal de Juiz de Fora identifica melhores espécies para recompor mata na Bacia do Rio Doce dizimada por rompimento de barragem
14/06/2019
Planeta Colabora
Edição 246
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Foto 1 - Pesquisador da UFJF
testa espécie em área atingida por rejeito de barragem da Samarco: trabalho
para recompor vegetação (Foto: Divulgação/UFJF)
Meses antes do rompimento da
barragem do Fundão, em Mariana, em novembro de 2015, o professor e biólogo
Paulo Henrique Peixoto viu reportagem mostrando que o Rio Doce, de tão baixa
vazão, já não chegava na foz: o mar cada vez mais entrava pelo seu leito,
resultado de séculos de exploração e de nenhuma atividade de conservação das
águas, das nascentes e, especialmente, das matas ciliares - vegetação às margens do curso d'água. Quatro
anos depois, seu grupo do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF) pesquisa as melhores espécies para recompor a
mata ciliar na Bacia do Rio Doce, dizimada pelos rejeitos da barragem da
empresa Samarco que também matou 19 pessoas.
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Os pesquisadores da UFJF
escolheram 15 espécies botânicas para plantio de mudas às margens do Rio
Gualaxo, afluente do Doce. "Como as áreas de várzeas e os vales foram ou
assoreados pela lama, ou erodidos pela avalanche de rejeitos, toda a bacia
ficou ainda mais ameaçada. Foi então que escolhemos as leguminosas arbóreas
nativas e adaptadas a ambientes de mata ciliar como espécies alvo dos estudos.
As leguminosas são reconhecidamente adaptadas a solos pobres e degradados, uma
vez que conseguem fixar o nitrogênio da atmosfera e, com isso, se desenvolver mesmo
em solos pobres, situação criada com o rompimento da barragem de Fundão",
explica o professor Peixoto.
Além do plantio na área cedida
por um fazendeiro, os pesquisadores também cultivaram mudas na Casa da
Vegetação da universidade, em Juiz de Fora, onde fizeram testes mais
controlados, colocando quantidades diferentes de rejeito no solo fértil dos
vasos. A conclusão inicial é de que o crescimento das plantas germinadas com 25
e 50% do material são muito pouco impactadas. Já em percentuais maiores, elas
não se desenvolvem. Para os pesquisadores, é indispensável a retirada desse
material das margens porque o acúmulo prejudica a recomposição vegetal e ainda
retorna ao rio durante a época das chuvas.
"MEC,
Capes, CNPq, Finep e Fapemig estão em crise ao mesmo tempo. Essa falta de
recursos impactará não apenas a recuperação da bacia do Rio Doce e de
Brumadinho, mas toda ciência e tecnologia do país. Os efeitos são sentidos
agora e serão percebidos em longo prazo" Paulo Henrique Peixoto - Biólogo
e pesquisador da UFJF
A primeira fase de testes,
entretanto, mostrou que a maioria das espécies testadas conseguiu reagir mesmo
em meio aos rejeitos. "As espécies implantadas nas margens do rio Gualaxo são
em maior número do que as que trabalhamos na Casa de Vegetação na UFJF. O que
concluímos, considerando a sobrevivência e a atividade fotossintética das
plantas, é que as espécies de maior destaque são as que mostram melhor
desempenho: sansão do campo, sombreiro, embira, pata de vaca, canafístula e
jatobá. Olho de cabra e pitanga foram as únicas com baixo desenvolvimento. No
experimento em casa de vegetação, embora tenham desenvolvido menos, nenhuma das
espécies morreu mesmo em rejeito puro", explica Paulo Henrique Peixoto.
O desenvolvimento do estudo
foi prejudicado por atraso no repasse das verbas da Fapemig (Fundação de Amparo
à Pesquisa de Minas Gerais) que vem financiando o projeto. "Nesta semana
encaminhamos o pedido de prorrogação do projeto. A falta de repasse dos
recursos impactou a execução do cronograma dentro do programado. Todavia,
recentemente uma pequena parcela (23% do valor devido) foi liberada e a Fepemig
informou que pagará o restante até o mês de outubro). Se isso se concretizar,
apesar dos atrasos, as metas previstas poderão ser cumpridas", explica o pesquisador
do Departamento de Biologia da UFJF.
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e o desprezo brasileiro pela vida
O professor Paulo Henrique
Peixoto explica que o resultado da pesquisa na região poderá servir também para
a recomposição da mata ciliar na bacia do Rio Paraopeba, atingido pelo
rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, responsável pela morte de 245
pessoas. "As condições muito próximas são comuns aos rejeitos de Fundão e de
Brumadinho. A extensão da área impactada em Brumadinho, sob o ponto de vista
ambiental, é muito menor do que a do Rio Doce, que alcançou 600 km. O Rio
Paraopeba não chegou a sair do seu leito como ocorreu com o Rio Gualaxo/Carmo",
afirma.
Foto 2 - O professor Paulo
Henrique Peixoto em trabalho de campo às margens do Rio Gualaxo: leguminosas
para reforçar fertilidade do solo (Foto: Divulgação/UFJF)
Para o pesquisador, após a
retirada da lama retida no vale do Córrego do Feijão, a recomposição da área
afetada exigirá os mesmos cuidados de recomposição da fertilidade e das
propriedades do solo, o que é feito com a utilização de leguminosas e outras
técnicas de melhoria da estrutura e fertilidade do solo. "A estrutura do rejeito é um fator adicional
que dificulta o restabelecimento de plantas e vegetação nativa", acrescenta o
professor Paulo Henrique Peixoto.
No caso do projeto de
recomposição da mata ciliar na Bacia do Rio Doce, o pesquisador confia que,
caso os recursos sigam sendo liberados pela Fapemig, ele não será muito afetado
pelo bloqueio de verba para as universidades, mas sua preocupação não é menor.
"Desde que entrei na Universidade, ainda como aluno, em 1984, nunca vi uma
crise tão grande. MEC, Capes, CNPq, Finep e Fapemig estão em crise ao mesmo
tempo. Essa falta de recursos impactará não apenas a recuperação da bacia do
Rio Doce e de Brumadinho, mas toda ciência e tecnologia do país. Os efeitos são
sentidos agora e serão percebidos em longo prazo", lamenta.
"21/100 A série #100diasdebalbúrdiafederal
pretende mostrar, durante esse período, a importância das instituições federais e de sua produção
acadêmica para o desenvolvimento do Brasil."