Luiz Gonzaga - 30 Anos de saudades

Luiz Gonzaga do Nascimento cantou Miguel Pereira como poucos cantaram

 02/08/2019     Historiador Sebastião Deister      Edição 253
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Luiz Gonzaga do Nascimento, o reverenciado Rei do Baião, nasceu na fazenda Caiçara, no sopé da Serra de Araripe, na zona rural de Exu, oeste do sertão de Pernambuco, quase na divisa com o Ceará, em 13 de dezembro de 1912, local que ele eternizaria mais tarde no sucesso "Pé de Serra", uma de suas primeiras composições. A mãe chamava-se Ana Batista de Jesus e o pai Januário José dos Santos, um ótimo animador de danças de salão e exímio tocador e consertador de foles (as chamadas sanfonas de oito baixos). Foi com ele que Luiz Gonzaga aprendeu a tocar e a tomar gosto pelo cantar.

Além de Luiz, Santana e Januário tiveram mais oito filhos: Joca, Maria Ifigênia (Geni), Severino, José Januário (Zé Gonzaga, também músico), Raimunda, Francisca (Chiquinha), Socorro e Aloísio (este casado em Miguel Pereira com Silvinha, e cujos filhos ainda vivem na cidade). Curiosamente, ele teve um nome completamente inventado. Quando o menino foi levado ao batismo pela avó materna - Fugênia -, o sacerdote José Fernandes de Medeiros percebeu que ela não tinha a menor ideia do nome a ser dado à criança de apenas dois meses. O padre sugeriu que por ter nascido no dia de Santa Luzia ele deveria se chamar Luiz acrescido de Gonzaga, que era o santo protetor daquela igreja. E por ser dezembro - mês do nascimento de Cristo - o padre ainda inventou o sobrenome, daí porque o grande artista passou à História com o nome de Luiz Gonzaga do Nascimento.

Em função de uma desilusão amorosa, antes dos dezoito anos Luiz Gonzaga fugiu de casa e botou o pé na estrada, indo para Fortaleza, onde se alistou em julho de 1930 no 23º Batalhão de Caçadores. Recebeu o número 122, logo ganhando o apelido de "bico de aço", tão bom corneteiro que era. Rodando para lá e para cá com a tropa, Gonzaga finalmente conseguiu embarcar no cargueiro Rodrigues Alves com destino ao Rio de Janeiro, ali dando baixa do Exército em 1939 e de pronto tomando a decisão de se dedicar inteiramente à música. A oportunidade surgiu em 1941, no famoso programa de Ary Barroso, quando a plateia explodiu em aplausos ao ouvir Vira e Mexe, uma melodia regional, de sua autoria, que veio a ser a primeira música gravada por ele em disco. O sucesso lhe valeu um contrato com a gravadora RCA Victor, pela qual lançaria mais de 50 músicas voltadas para as lembranças de seu Nordeste querido.

Em 1945, uma cantora de coro chamada Odaléia Guedes dos Santos deu à luz um menino, no Rio. Luiz Gonzaga mantinha um caso com a moça, iniciado quando ela já estava grávida. Tomando conhecimento de que a amante assumiria a condição de mãe solteira, Gonzagão tomou para si a criança, adotando-a e dando-lhe seu nome: Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior (que seria consagrado como Gonzaguinha). Porém, o caso durou apenas três anos. Em 16 de junho de 1948, Luiz Gonzaga casou-se na Igreja de Nossa Senhora Aparecida, no Méier, com a também pernambucana Helena Cavalcânti, professora que tinha se tornado sua secretária particular e por quem Luiz se apaixonara tão logo ela iniciara seu trabalho. O casal viveu junto praticamente até o fim da vida, muito embora no outono de sua existência Gonzaga se separasse da esposa e passasse a viver ao lado de Edelzuita Rabelo (a Zuita). Helena não lhe deu filhos, mas adotaram uma menina, a quem batizaram de Rosa Maria Gonzaga do Nascimento, a Rosinha.

Gonzagão e Gonzaguinha tiveram sérias desavenças e separações durante muito tempo, principalmnente por conta da rebeldia do garoto e dos ciúmes de Helena. Todavia, com o passar dos anos a reaproximação tornou-se necessária e inevitável, tanto que a reunião dos dois fortaleceu-se bastante quando, em 1980, viajaram juntos pelo Brasil, com o filho compondo belas melodias para o pai gravar. A vida artística, o respeito mútuo e a compreensão trazida pelo amor e pela música fizeram, enfim, com que ambos vivessem em paz e mergulhados em grande amizade.

Gonzagão foi o artista completo e pioneiro que apresentou a arte e as excelências do Nordeste para todo o Brasil. Afável, talentoso, carismático e sempre participativo nos movimentos comunitários, teve uma passagem brilhante por Miguel Pereira (onde Helena exerceu o cargo de vereadora entre janeiro de 1959 e novembro de 1962) colaborando, inclusive, com os trabalhos de criação do atual Hospital Luiz Gonzaga, ex-Hospital santo Antônio da Estiva (Fundação), e aproveitando as delícias de sua Fazenda Asa Branca.

Impossível destacar quais foram os grandes sucessos de Gonzaga (muitos compostos com o amigo e parceiro Humberto Teixeira) em meio a centenas de obras de relevância inquestionável, porém Asa Branca foi a música que realmente o eternizou e que, até hoje, é regravada e repaginada por outros cantores brasileiros.

Em seus últimos anos, Luiz Gonzaga sofreu muito por causa da osteoporose. No dia 21 de junho de 1989 foi admitido no Hospital Santa Joana, no Recife, com uma infecção urinária grave decorrente daquela doença. Às 5h20min do dia 2 de agosto - menos de dois meses após sua internação - seu coração parou de bater. Às 10h o corpo já estava num caixão de pinho recoberto de verniz escuro. Dali foi levado para o Hospital Oswaldo Cruz para ser embalsamado. Seus admiradores - gente humilde de chinelos, fãs segurando seus chapéus de couro, muitos vindos do sertão que ele tanto amava - amontoados e vigilantes por dias pelos pátios ensolarados do hospital, seguiram o triste cortejo a pé, gritando "Gonzaga não morreu" e batendo palmas para o seu amado ídolo, aquele que, por anos, representara tão bem sua terra no palco musical brasileiro.

Em 1995, os restos mortais de Gonzaga e da esposa Helena - falecida em 1993 - foram transferidos do cemitério de Exu para o Memorial Luiz Gonzaga, dentro do Parque Asa Branca, na mesma cidade.

Por seu turno, Gonzaguinha morreu dois anos após o pai em consequência de um acidente de automóvel ocorrido no Paraná em 29 de abril de 1991, quando contava apenas 45 anos. Seu corpo foi sepultado no Jardim das Magnólias, em Belo Horizonte, cidade onde morava havia dez anos.