Desperdício e sua contribuição oculta às mudanças climáticas
Cerca de 1/3 da produção mundial de alimentos não chega à mesa do consumidor. A comida que vai parar no lixo impacta em até 10% o aumento dos gases de efeito estufa
16/08/2019
Planeta Colabora
Edição 255
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Foto 1 - Desperdício de comida no mundo provoca impactos significativos
nas mudanças climáticas, alerta último relatório do IPCC (Foto: GEORGES GOBET /
AFP)
O desperdício de alimentos no mundo vem contribuindo para o aumento das
mudanças climáticas. Cálculos feitos pelos cientistas que assinaram o capítulo
5 do Relatório Especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC, na sigla em inglês), que trata do tema segurança alimentar, concluíram
que, no período de 2010 a 2016, do volume total de alimentos produzido
mundialmente para consumo humano, entre 25% a 30% não chegaram à mesa do
consumidor. Um terço da alimentação ou se perdeu ou foi desperdiçada. A comida
que foi parar no lixo impactou entre 8% a 10% nas emissões de gases de efeito
estufa. Dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
(FAO) indicam que a perda de alimentos chega a custar quase US$ 1 bilhão
anuais.
De Genebra, na Suíça, onde passou as duas últimas semanas envolvida com
a aprovação e o texto final do relatório do IPCC, Joana Portugal Pereira, uma
das autoras do relatório e professora do Programa de Planejamento Energético da
Coppe/UFRJ, falou, por telefone, sobre as diferentes formas de desperdício de
comida no mundo. Ela faz parte ainda da unidade técnica do grupo de trabalho
III (sobre desertificação) e é coautora do Sumário para Formuladores de
Políticas e do Sumário Executivo.
"Em países como o Brasil, que faz parte do
bloco de países em desenvolvimento, a origem do problema está na cadeia
produtiva. Do campo a mesa, os alimentos são desperdiçados porque foram
acondicionados de forma incorreta ou porque se perderam na estrada" - Joana Portugal Pereira, professora da
Coppe
"As causas do desperdício variam muito dependendo do grau de
desenvolvimento dos países", explicou. "Nos países desenvolvidos, como Estados
Unidos e europeus, o fenômeno ocorre com mais frequência nos supermercados.
Vegetais feios ou de tamanhos considerados pouco convidativos ao consumo vão
parar na lata de lixo e não nas gôndolas. Em países como o Brasil, que faz
parte do bloco de países em desenvolvimento, a origem do problema está na
cadeia produtiva. Do campo a mesa, os alimentos são desperdiçados porque foram
acondicionados de forma incorreta ou porque se perderam na estrada devido a
problemas de infraestrutura do país, como estradas esburacadas e mal
sinalizadas, o que acaba provocando acidentes no trajeto, o que leva à perda
significativa da carga".
Antes da aprovação do texto final do último relatório do IPCC, o
documento chegou a receber 28 mil contribuições do mundo todo. Cada um dos
comentários foi avaliado e respondido. "Não fazemos recomendações, mas
apresentamos evidências científicas que ajudam os governantes a tomarem
decisões políticas", comentou Joana, acrescentando que uma das sugestões
apresentadas no relatório foi a troca do uso intensivo de agrotóxicos por uma
produção agroecológica. "Alguns agrotóxicos e pesticidas provocam um impacto no
meio ambiente 298 vezes maior que o dióxido de carbono"; e complementou: "A
adoção de práticas de manejo sustentáveis é uma solução essencial para proteção
de ecossistemas e redução de emissões de gases de efeito estufa".
"O custo da inação é superior ao investimento
que será necessário para promover a mitigação dos impactos da mudança
climática" - Joana Portugal, professora
da Coppe
É a primeira vez que um relatório do IPCC trata da questão do uso do
solo em meio às discussões sobre mudanças climáticas, além de debruçar-se, como
sempre fez, sobre as emissões causadas pelos combustíveis fósseis. Atividades
como agricultura, florestas e uso do solo responderam por 23% do total de
emissões globais de gases de efeito estufa gerados entre 2007 e 2016.
Diz o relatório: "O nível de risco apresentado pelas alterações
climáticas depende tanto do nível do aquecimento como da população, consumo, produção,
tecnologia e padrões de gestão da terra". O relatório defende a diversificação
de dietas alimentares com base em maior consumo de vegetais, leguminosas e
frutos e redução de produtos processados e consumo moderado de carne, que tem
um elevado potencial para reduzir nossos impactos nos ecossistemas. Mesmo não
tocando na questão financeira, Joana ressalta que o "custo da inação é superior
ao investimento que será necessário para promover a mitigação dos impactos da
mudança climática".
Ainda de acordo com o documento, uma ação coordenada para enfrentar as
mudanças climáticas pode, simultaneamente, melhorar o solo, a segurança
alimentar e a nutrição e ajudar a erradicar a fome. O relatório ressalta que as
mudanças climáticas estão afetando todos os quatro pilares da segurança
alimentar: disponibilidade (rendimento e produção), acesso (preços e capacidade
de obter comida), utilização (nutrição e preparo dos alimentos) e estabilidade
(rupturas na disponibilidade).