Fazenda Bela Aliança - Barra do Piraí
Em seu inventário registra a presença de 196 negros cativos e aproximadamente 120 mil pés de café na Fazenda Bela Aliança. Mas o somatório em todas as suas propriedades apareciam registrados 837 escravos e mais 1.171.500 pés de café em produção
03/05/2019
Historiador Sebastião Deister
Edição 240
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Provavelmente
erguida antes de 1850, a
sede da Fazenda Bela Aliança possui peculiaridades arquitetônicas bem típicas.
Construída a cavaleiro de uma encosta, seu primeiro piso - não completo - por
certo não foi habitado à época do café, enquanto o segundo pavimento possui um
jardim interno quadrado cercado inteiramente pelos cômodos da casa. Um exame
mais cuidadoso da construção nos revela os traços marcantes do período
colonial, nos quais se destacam as janelas internas em arco pleno, ao passo que
as janelas voltadas para o exterior da entrada principal foram todas talhadas
em puro estilo neogótico. Por sua vez, a entrada da casa é feita pela lateral do
prédio, graças a uma escadaria em pedra lavrada decorada por belos gradis.
Essa
propriedade, em terras de Santana do Piraí, foi uma das poucas que não
pertenceram a Joaquim José de Souza Breves, o "Rei do Café". Possivelmente, ela é hoje uma das poucas a conservar,
em quase toda sua integralidade, toda a beleza e majestade dos ricos tempos da
cafeicultura.
Seu
proprietário - o comendador Silvino José da Costa - foi contemplado com parte
das terras da fazenda quando de seu casamento com a senhorita Anna Clara Breves
de Moraes Costa, filha do barão de Piraí, nelas levantando a casa de vivenda,
na qual conseguiu criar seus oito filhos. Carioca de origem e aparentemente não
afeito às coisas do campo, acabou se mostrando um agricultor bem modesto -
principalmente em comparação com seus abastados vizinhos de Vassouras - mas
conseguiu grande projeção em Piraí, recebendo um merecido reconhecimento do
povo local ao ser eleito vereador e depois presidente da Câmara daquele
município entre os anos de 1846 e 1848. Vale dizer que naquela época, o
presidente da Câmara equivale, hoje, ao cargo de prefeito. Ao fazer a
declaração de terras em 1855, Silvino arrolou entre seus bens as fazendas Bella
Vista e Botafogo, além de outros pequenos sítios menores também voltados para a
plantação de café.
Silvino
faleceu em 1864, e seu inventário registra a presença de 196 negros cativos e
aproximadamente 120 mil pés de café na Fazenda Bela Aliança, enquanto no
somatório de todas as suas propriedades apareciam registrados 837 escravos e
mais 1.171.500 pés
de café em franca produção na área de Piraí.
Em 1867,
sua filha Anna Clara (apelidada Nicota) casou-se na capela da Fazenda Bela
Aliança com o senhor Maurício Haritoff, de origem russa, a quem conhecera nos
belos salões da Fazenda do Pinheiro, de propriedade de seu rico tio José
Joaquim de Souza Breves - irmão do Rei do Café - indo com ele morar em Paris.
Retornando ao Brasil, o casal passou a residir numa casa em estilo palaciano,
em Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Já em 29 de outubro de 1880, Haritoff e
esposa adquiriram parte das terras e a própria casa da Fazenda Bela Aliança do
senhor Manoel Eugênio de Moraes Costa, dela fazendo uma extensão de seu estilo
de vida no Brasil e na Europa, caracterizada por recepções refinadas, festas
elegantes e jantares de extremo bom gosto e requinte. Basta dizer que, em 1887,
recepcionaram com um lauto banquete o Grão-Duque Alexandre, da Rússia,
acompanhado de dezenas de ilustres nobres da época.
Meses
antes da Abolição da Escravatura, Haritoff decidiu libertar todos os seus
escravos. Para tanto, promoveu uma missa na capela da fazenda, com a presença
de brasileiros graduados, entre os quais o grande abolicionista Joaquim Nabuco.
Depois da
Abolição, Haritoff buscou substituir os negros alforriados pela mão-de-obra de
imigrantes chineses, graças à intermediação da Companhia de Comércio e
Imigração Chinesa. Todavia, tal empresa foi acusada pela Grã-Bretanha de se
valer do tráfico amarelo para substituir a escravatura negra, o que cobriu a
família Haritoff de desprestígio e vergonha. Em fins de 1889, o casal, pela
primeira vez, hipotecou a Fazenda Bela Aliança ao Banco do Brasil.
Com a
derrocada da cafeicultura, todos os tempos de glória da família começaram a
ficar irremediavelmente para trás, inclusive com a casa de Laranjeiras indo a
leilão. Com isso, os Haritoff passaram a morar para sempre na fazenda, em cujo
interior Anna Haritoff se viu presa de profunda depressão. De fato, com apenas
44 anos, morria a bela senhora em 22 de março de 1894.
Após um
período de viuvez, Maurício Haritoff casou-se, em 14 de março de 1906, com a
mulata Regina Angelorum de Souza, antiga serviçal da fazenda e 22 anos mais
jovem do que ele, gerando três filhos de nomes José, Aléxis e Bóris. Contudo, o
primogênito logo morreu de broncopneumonia aos dois anos e meio de idade,
levando Maurício ao desespero. Desiludido e decadente, Haritoff foi aos poucos
perdendo os bens que lhe restavam, em função, principalmente, dos jogos de azar
que tudo lhe subtraíam. Por conseguinte, mais uma vez recorreu ao Banco do
Brasil, renovando a hipoteca da fazenda em 1898, sendo a mesma executada em
1909 por falta de pagamento.
Endividado
e idoso, Maurício Haritoff passou a sobreviver tão simplesmente das rendas de
traduções que fazia como um simples funcionário do Serviço de Povoamento
durante o governo de Afonso Pena, vindo a morrer em Barra do Piraí no dia 7 de
junho de 1919 completamente pobre e esquecido.
Quanto à Fazenda
Bela Aliança, o Banco do Brasil, dono da hipoteca, vendeu-a em 1910 a Jaguanharo Rocha
Miranda, passando tais terras por vários proprietários até serem compradas por
Manoel Azevedo Leão em 1959, ficando posteriormente aos cuidados de seus filhos
e netos.
A iconografia
antiga revela que numa reforma na varanda, provavelmente no início do século
XX, os esbeltos pilares de ferro foram revestidos por alvenaria de tijolo
maciço, mostrando ainda o lambrequim contornando o beiral e, nas extremidades
da varanda, as decorativas sianinhas em madeira rendilhada. Vale ressaltar o
comprometimento dos frisos decorativos com o madeiramento do telhado da varanda.
Quanto à cozinha, nota-se que uma de suas portas foi transformada em janela.
O belo
oratório da fazenda possui a imagem de Nossa Senhora com Jesus e apresenta
ainda um crucifixo e candelabros de prata, confessionários, vitrais coloridos e
gravuras. Já a casa grande abriga móveis antigos, mas muito bem conservados.
Ali se destacam duas pias de louça pintadas com motivos florais, com espelhos
de cristal bisotado, de fabricação inglesa.