Fazenda Paraibuna
Fazendas de Café do Vale do Paraíba Fluminense
06/12/2019
Historiador Sebastião Deister
Edição 271
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O
povoado de Paraibuna, no alvorecer do século XVIII, transformou-se numa das
roças mais frequentadas dentro do roteiro que ligava Vila Rica ao Rio de
Janeiro via Caminho Novo de Minas. Seu crescimento ficou atrelado à criação do
Registro Geral, espécie de alfândega da época que tinha por objetivo evitar o
contrabando de ouro e pedras preciosas extraídos de Minas Gerais, mas tal posto
servia, ainda, para arrecadar os quintos pelo direito de passagem das riquezas
obtidas de forma legal nas cidades mineiras.
De
fato, o Registro Geral de Paraibuna foi instalado no ano de 1711 por iniciativa
de Garcia Rodrigues Paes, tendo sido criado no local um quartel para o abrigo
da Polícia Montada, com sua corporação proporcionando segurança total ao
trânsito pelo Caminho Novo, razão pela qual se tornou necessário edificar casas
para seus componentes e para os demais funcionários do próprio Registro,
logística que propiciou a rápida evolução do povoado, tornando-o uma vila
próspera e bastante conhecida. Somente a partir de 1720 o governador das
capitanias do Rio de Janeiro (Ayres de Saldanha de Albuquerque) e de Minas
Gerais (D. Pedro de Almeida) acordaram em manter o Registro em terras mineiras
(atualmente inserido no território de Simão Pereira), mas sob a direção e
segurança do governo fluminense.
Em
finais de 1726 foi arrematado o contrato dos "Direitos das Passagens da Parahyba e Parahybuna" por Joaquim
Ferreira Varella. Três anos depois, o mesmo contrato foi arrematado por Pedro
Pinto da Costa. Além dos trabalhos do Registro, verificava-se pelas
circunvizinhas um intenso e rentável serviço de aproveitamento de terras.
Paralelamente às lavouras de milho, feijão, cana-de-açúcar, batata, mandioca e
verduras, cuidava-se bastante do cultivo da mamona, cujas plantações forravam
vastas planuras próximas ao rio Paraibuna. A mamona constituía um produto
fundamental para todo o Vale do Paraíba, uma vez que dela se extraía o azeite
(óleo) que servia como combustível nos candeeiros que iluminavam as casas e
algumas vielas que brotavam pelo povoado.
Tal
fruto também representava importante moeda de troca com o Rio de Janeiro e, em
especial, com Vila Rica, o que garantia mais uma boa fonte de renda para os
agricultores dos roçados cultivados às margens do Caminho Novo ou junto aos
remansos dos rios da região. Por conseguinte, Paraibuna passou a remeter seus
excessos de estoques agrícolas às cidades mineiras. Assim, pesados fardos de
milho, mandioca, batata e frutos de mamoneiras, ao lado de espessas braçadas de
cana-de-açúcar, eram despachados com frequência para as Gerais que praticamente
nada produziam na área agrícola em razão de sua especialização no extrativismo
mineral. Em contrapartida, as florescentes cidades das alterosas enviavam, para
o Sertão da Paraíba, parte de seu ouro e de suas pedras preciosas,
eventualmente remetendo-lhe outros artefatos e materiais básicos, como
ferramentas para lavoura, calçados, tecidos e roupas em geral, espingardas e
munição, medicamentos, cobertores, selas, bridões, sal, açúcar, farinha e
outros bens de consumo tão necessários aos bravos homens da época. Os lucros
auferidos com a exportação de óleo de mamona trouxeram para Paraibuna plenas
condições de um rápido crescimento, e sua facilidade de comunicação com o Rio
de Janeiro e com as povoações mineiras ensejou a chegada de mais viajantes,
fazendeiros, mascates, posseiros, negociantes de escravos, caçadores de índios
e de peles, padres missionários, carpinteiros, pedreiros, historiadores,
sertanistas, famílias de comerciantes, agentes imobiliários, militares e
funcionários públicos cujos múltiplos tentáculos abarcaram de pronto todo o
Vale do Paraíba e, numa sequência colonizadora bastante natural, as incultas
áreas voltadas para as colinas do Tinguá e para os territórios que alicerçariam
o nascimento posterior de inúmeros municípios do Sul Fluminense.
Também
nessa auspiciosa época construiu-se a capela em honra de Nossa Senhora de Monte
Serrat por ordem direta de Garcia Rodrigues Paes, bem ao lado da colossal pedra
de Paraibuna. Como era costume dos
portugueses, toda e qualquer povoação que abrigasse um expressivo número de
habitantes deveria contar com os trabalhos religiosos de sua própria ermida. Em
torno dela, então, formou-se uma leva populacional que logo fez nascer um povoado que acabou por se
transformar no Município de Levy Gasparian,
este um simples Distrito do Município de Três Rios até 23 de dezembro de 1991.
Os anais históricos dão como certo que a Capela de Monte Serrat foi erguida
entre os anos de 1702 e 1723.
Já por
volta de 1780, o português Cristóvão Rodrigues de Andrade, natural da cidade de
Vizeu, em Portugal, estabeleceu-se no Vale do Paraíba, de cuja vila veio a ser
Capitão de Ordenanças e na qual se dedicou com afinco a várias atividades
comerciais, possuidor que era de vultosos capitais. Na capela de Monte Serrat,
contraiu então matrimônio com D. Ana Esméria de Pontes França, ali nascendo
todos os seus filhos, inclusive Eufrásia Joaquina do Sacramento Correia, futura
esposa de Laureano Corrêa e Castro, o mesmo que, em 1854, receberia o título de
Barão de Campo Belo em Vassouras. Lembremos, a propósito, que Cristóvão e D.
Ana Esméria vinham a ser bisavós de Eufrásia Teixeira Leite, a conhecida dama
da vida vassourense no século XIX. Pela apreciável quantia de 28 mil cruzados,
o Capitão Cristóvão adquiriu a Fazenda de Paraibuna, então pertencente a Ana
Francisca Joaquina de Oliveira Horta Paes Leme (ou Francisca Joaquina d'Horta
Forjaz Pereira), viúva de Pedro Dias Paes Leme, o filho primogênito de Garcia.
Assumindo a direção da fazenda, o Capitão implementou um conjunto de medidas
destinadas a viabilizar a realização de investimentos diretos naquelas terras
tão fecundas, com isso transformando um latifúndio ainda intocado e sem
produtividade em uma propriedade rural dinâmica e rentável. Alguns anos após
seu falecimento em 1809, a fazenda foi retalhada entre seus filhos e outros
herdeiros, mas durante o ciclo do açúcar verificaram-se significativas
melhorias nos transportes da região. De fato, sob a direção do Capitão Antônio
José Barbosa Teixeira, o lendário Capitão Tira-Morros, o já centenário Caminho
Novo de Garcia foi bastante revigorado, recebendo profundas obras de
recuperação de seu leito e simultaneamente vendo nascer a bela ponte sobre o
rio Paraibuna, ligação terrestre entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais e até
hoje em pleno funcionamento como parte integrante da Estrada União e Indústria.
Registre-se que tal obra fora determinada em 1818 por Decreto expedido por D.
João VI, mas sua inauguração somente aconteceria em 2 de maio de 1824 por ordem
de D. Pedro I.