#RioéRua - Os sabores das calçadas do Lido

A praça não tem mais charme, mas novos bares e antigos restaurantes garantem a tradição boêmia nesta parte de Copacabana

 20/12/2019     Planeta Colabora      Edição 273
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Foto 1 - Cervantes, Bar do David e Galeto Sat's: tríplice aliança para as madrugadas na região do Lido (Foto: Oscar Valporto)

O bar e restaurante Lido foi inaugurado nove décadas atrás com o nome emprestado de um famoso balneário numa ilha de Veneza, que, logo depois, em 1932, passou a abrigar também o festival de cinema mais importante da Itália. Por aqui, nessa mesma época, o restaurante - enorme, caro, com espaço para orquestra e arquitetura em estilo normando - virou um dos marcos do novo bairro chique da cidade, uma Copacabana que, nos anos 40 e 50, fazia parte dos sonhos do país;  era a vizinhança do Copacabana Palace, dos primeiros edifícios da orla e das boates.

O Lido fechou em 1957, mas o nome permanece; a praça onde o restaurante reinou por três décadas chamava-se oficialmente, em 26 de janeiro na época da inauguração e desde 1952, Praça Bernardelli. Os cariocas, entretanto, só chamam de Praça do Lido, e Lido também serve para denominar toda a primeira parte de Copacabana, da Princesa Isabel ao Copacabana Palace. A fase chique também passou: multiplicaram-se, com epicentro na Avenida Prado Júnior, clubes de strip-tease, pontos de prostituição e bares com bebidas de procedência duvidosa.

Foto 2 - Cerveja gelada e bolinhos de milho com linguiça e queijo: atrações em Os Imortais (Foto: Oscar Valporto)

Mas o fim de ano vai chegando, o Réveillon de Copacabana é atração nacional e alguém de fora do Rio pede uma referência para o amigo: "Essa área do Lido é boa para ficar e tem lugares legais?". Esta pergunta na minha direção implica, naturalmente, em rua e birita. Fica mal para um carioca dizer que "Copacabana não é muito a minha praia"; dá saudade do sanduíche de pernil e do chope do Cervantes, um clássico da noite, na esquina da Prado Júnior com a Barata Ribeiro, desde 1955. Outros pontos - nem tão clássicos, mas também tradicionais - da gastronomia mais comportada seguem na lateral da praça: a churrascaria Carretão e a árabe Amir.

A resposta demanda gastar um pouco de sola de sapato - para saber se realmente sobrevive o Baixo Lido, que chegou a ser anunciado. Mas nem é preciso andar tanto, basta atravessar a Nossa Senhora de Copacabana que a Rua Ronald de Carvalho começa a ter a calçada tomada por bares de todos os tipos e tamanhos. Nem todos são os mesmos da minha última passagem por ali, o que faz, pelo menos, uns dois anos: alguns fecharam, outros abriram. O movimento permanece.

Foto 3 - Tasca do Carvalho: petiscos portugueses - punheta de bacalhau, salpicão, tremoços - e mesas na calçada (Foto: Oscar Valporto)

A calçada mais agitada ainda é a d'Os Imortais, referência de boteco de rua - chopes variados, cervejas industriais e artesanais, long neck e 600 ml. E recomendo, fortemente, o bolinho de milho com calabresa e queijo que foi lançado em um Comida di Buteco e segue no cardápio. No mesmo trecho, entre a Nossa Senhora e a Viveiros de Castro, tem o Beef&Beer, o 4K, um japonês Hachidori e o De Sempre: não tenho referências, mas todos têm vocação para a madrugada.

Foto 4 - Edifício Ribeiro Moreira, primeiro arranha-céu de Copacabana: testemunha dos tempos chiques do Lido (Foto: Oscar Valporto)

No outro trecho, até a Barata Ribeiro, é bom preparar o paladar para as delícias de petiscos portugueses da Tasca do Carvalho: de punhetas de bacalhau a tremoços, passando por um raríssimo - por aqui - salpicão; é um micro restaurante português com mesas na calçada. Ainda por ali, pode-se experimentar os sanduíches do Seu Vidal e as pizzas do Zagga.

A noite na Ronald de Carvalho acaba tarde, mas nem tanto. Para emburacar na madrugada do Baixo Lido, é preciso virar a esquina em direção ao velho Cervantes, que agora anda fechando cedo, lá pelas 2 h. Entretanto, desde 2010, o vizinho Galeto Sat's, comprado por Sergio Rabello, vai até o amanhecer - sob nova direção, a cozinha melhorou muito (atenção para a coxa desossada na cachaça) e não há oferta de cachaça tão variada na cidade. Para confirmar a vocação boêmia, há cinco meses foi aberta entre os dois uma filial do Bar do David - que desceu do Chapéu Mangueira com sua feijoada de frutos do mar e seus petiscos bicampeões do Comida di Buteco. E, na Barata, ele fecha às 3 h, garantindo um triplo movimento na calçada. Os três fecham só um pouco mais tarde que o caçula desse trecho do Lido, o Gastrobar Caju, com uma pegada nordestina.

Foto 5 - A Praça do Lido quase vazia, sem o charme dos tempos áureos de Copacabana (Foto: Oscar Valporto)

Saio desse giro pelo Lido animado em indicar o lugar aos visitantes. A única coisa a lamentar é a antiga praça, que piorou com o tempo. Após a derrubada do restaurante, grande parte do espaço ficou para uma escola municipal; a praça encolheu e tem poucos atrativos. Cachorros e seus donos, algumas poucas crianças e uns tantos moradores de rua dividem a área com o busto dos irmãos Bernardelli, donos de uma mansão ali um século atrás. O casarão deu lugar ao primeiro arranha-céu (12 andares) de Copacabana - o Ribeiro Moreira, conhecido como Edifício OK, construído em 1926. O prédio ainda está lá, com o cenário privilegiado da praia e à espera de que a vista da praça melhore também.