Empreendimento na APA de Maricá tem decisão contrária da Justiça
Licenciamento se arrasta há 8 anos e grupo de investidores diz que recorrerá da decisão em primeira instância
13/12/2019
Planeta Colabora
Edição 272
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Um megaempreendimento, que se diz capaz de
atrair empregos, alavancar o ecoturismo e garantir a preservação de uma das
mais importantes áreas de restinga de Maricá, no estado do Rio, recebeu na
última quinta-feira (31 de outubro) uma decisão contrária da Justiça. Em sua
deliberação, em primeira instância, o juiz Vitor Porto dos Santos, da 2ª Vara
Cível de Maricá, veda a ocupação da Área de Proteção Ambiental (APA). Entre os
empreendimentos previstos está o Rock in Rio Maraey Resort, que arrancou
elogios do governador Wilson Witzel num estande do festival há pouco mais de um
mês. Em nota enviada ao #Colabora, o IDB Brasil, responsável pelo projeto, diz
que recorrerá da decisão.
O licenciamento da Fazenda São Bento da Lagoa
já dura oito anos, com idas e vindas judiciais e polêmicas. O empreendimento
prevê campo de golfe, centro hípico, shopping centers, clubes, hotéis e prédios
residenciais - um bairro, enfim, numa área de proteção. A expectativa dos
empreendedores é a geração de 36 mil empregos.
Na decisão, o magistrado condena o Estado do
Rio de Janeiro, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e o município de Maricá
por se absterem de "realizar qualquer licenciamento ambiental, procedimento
administrativo, autorização, parcelamento do solo ou a concessão de obra para a
implantação de empreendimentos imobiliários que possam atingir o interior ou o
entorno da região reconhecida como APA de Maricá". Adverte ainda que os réus
devem observar "ampla consulta e participação da comunidade pesqueira do
Zacarias na elaboração de qualquer ato legislativo ou administrativo que afete
a restinga".
A possibilidade de ocupação de 840 hectares
dentro da APA de Maricá, área que representa o dobro do bairro de Copacabana,
tem esbarrado em controvérsias com alguns ambientalistas e pescadores. A ação
judicial foi provocada pela Associação de Preservação Ambiental das Lagunas de
Maricá (Apalma). O IDB argumenta, por outro lado, que a construção do
empreendimento, orçado em R$ 11 bilhões, implicará no estabelecimento de uma
Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), a segunda maior do estado do
Rio, além da criação de um Centro de Pesquisas Ambientais, que impulsionará
estudos para a conservação das espécies mais importantes. Sublinha ainda que a
área construída só ocupará 6,4% da unidade de conservação.
Insetos
endêmicos e críticas
Na opinião da ambientalista Flávia Lanari
Coelho, presidente da Apalma, o empreendimento põe em risco a preservação de
uma restinga riquíssima e única: "O fragmento de restinga é o que sobrou dos
mais de 40 quilômetros lineares da costa. A população [do empreendimento]
seria de mais de 40 mil pessoas. Um campo de golfe que será recheado de
herbicidas, afetando não só o bioma, mas também o sistema lagunar,
principalmente a Lagoa de Maricá. Isso é sustentável? A RPPN, que eles bradam a
todos os pulmões, será fragmentada, com pistas de rolamento atravessando-a. A
restinga não suporta. Não mesmo", critica.
Na restinga de Maricá, destaca Desirée
Guichard, professora de geografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ),
foram descobertas mais de 50 espécies novas de insetos, sendo 14 endêmicas - ou
seja, que só ocorrem naquele local. Ela teme a descaracterização da área.
Em nota, o diretor-executivo da IDB Brasil,
David Galipienzo, sustenta que o projeto tem valores ambientais, econômicos,
sociais e de inovação para se tornar uma referência inédita para novos
empreendimentos em todo o Brasil. Ele garante que o grupo vai recorrer desta
sentença de primeira instância e cita decisões recentes favoráveis do Supremo
Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em contestações
a uma liminar que impedia a construção.
"O fragmento de restinga é o que sobrou dos
mais de 40 quilômetros lineares da costa. A população [do empreendimento] seria de mais de
40 mil pessoas. Um campo de golfe que será recheado de herbicidas, afetando não
só o bioma, mas também o sistema lagunar, principalmente a Lagoa de Maricá.
Isso é sustentável?" - Flávia Lanari Coelho, presidente da Apalma
"Desenhamos um empreendimento totalmente
orientado ao desenvolvimento sustentável, confortavelmente de acordo com as
leis ambientais vigentes. Vamos empreender todos os esforços legais e legítimos
para levar o licenciamento adiante", diz Gelipenzo na nota.
O IDB garante que, se o projeto sair, vai dar
título de propriedade individual às antigas famílias de pescadores e vai fazer
obras de urbanização, como pavimentação dos acessos, de chão batido. Acrescenta
que tem uma parceria com o Laboratório de Ecologia Aplicada da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), comandado pela professora Maria Fernanda
Quintela.
A APA
foi criada por decreto estadual em 1984, num terreno de propriedade do IDB
desde os tempos coloniais. Em 2007, o decreto 41.048, do ex-governador Sergio
Cabral, estabeleceu um controverso plano de manejo da unidade, prevendo a
construção de prédios entre a Lagoa de Maricá e o mar. O IDB deu entrada com
pedido de licença em maio de 2011, junto ao Inea. Em maio de 2015, o órgão
concedeu a licença prévia (LP), atestando a viabilidade ambiental. A Licença de
Instalação (LI), que garante o início das obras, não foi concedida.
Foto
1 - O empreendimento na Área de Proteção Ambiental prevê campo de golfe, centro
hípico, shopping centers, clubes, hotéis e prédios residenciais (Foto:
Divulgação/Apalma)
Foto
2 - O licenciamento da Fazenda São Bento da Lagoa já dura oito anos, com idas e
vindas judiciais e muitas polêmicas (Foto: Divulgação/Apalma)