O Cavalo Manga Larga & Paty do Alferes
Quando alguém se interessava pelos animais, eles indicavam a fazenda de Paty do Alferes como sendo o grande locus da raça.
04/12/2020
Historiador Sebastião Deister
Edição 322
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Há várias
versões - e até lendas - para a denominação do famoso animal de montaria
conhecido como "cavalo mangalarga". A mais verossímil, segundo muitos
pesquisadores desta raça, relaciona-se com a Fazenda Manga Larga, localizada em
Paty do Alferes, no estado do Rio de Janeiro. Um dos seus proprietários
mais famosos foi Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, o barão de Paty do
Alferes, que, impressionado com a qualidade de tais animais, adquiriu alguns
exemplares de Gabriel Francisco Junqueira - o 1º barão de Alfenas -, fazendeiro
do Sul de Minas e deputado na Corte estabelecida no Rio de Janeiro.
Eventualmente,
os proprietários da Fazenda Manga Larga visitavam a Corte montando seus belos e
elegantes cavalos. Quando alguém se interessava pelos animais, eles indicavam a
fazenda de Paty do Alferes como sendo o grande locus da raça. Claro está que existem outras versões para o
aparecimento destes animais, mas em geral elas são baseadas em lendas e
fantasias, uma vez que até hoje não foram obtidas provas históricas de sua
veracidade.
De qualquer
modo, sabe-se que a raça Mangalarga é tipicamente brasileira, tendo surgido no
Sul de Minas, através do cruzamento de cavalos da raça Alter - trazidos da Coudelaria
de Alter do Chão, em Portugal - com outros cavalos selecionados pelos
criadores daquela região mineira. A base de formação dos cavalos Alter é a raça
espanhola Andaluza, cuja origem vem de cavalos nativos da Península Ibérica
desenvolvidos pelos germânicos e berberes. Os cruzamentos dessas espécies
acabaram por originar um animal de porte elegante, de acentuada beleza
plástica, de temperamento bastante dócil e perfeitamente adequado para montaria
e marcha controlada.
Por
ocasião da invasão de Portugal pelas tropas francesas de Napoleão Bonaparte,
inúmeras fazendas de criação de cavalos da raça Alter foram saqueadas,
inclusive a Coudelaria Alter do Chão, de propriedade de D. João VI. Esse criadouro fora montado em 1748 pelo
próprio príncipe, e experimentou um período de glória durante o século XVIII,
formando animais muito procurados por príncipes e nobres europeus para
atividades de lazer e serviço, especialmente pelo fato de serem
montarias confiáveis e tranquilas. Por outro lado, muitos cavalos
Alter portugueses foram cruzados com outras espécies, principalmente com a
ambicionada raça Árabe. Quando o regente fugiu de Portugal, transportou
para o Brasil alguns dos melhores exemplares da sua Coudelaria. Anteriormente, contudo, alguns
animais da Coudelaria Alter do Chão já tinham sido trazidos para a o Brasil
como medida preventiva, e desses, então, derivou o histórico garanhão Sublime,
considerado o marco inicial da raça mangalarga marchador no país.
Algumas fontes
históricas dão conta de que, em 1812, Gabriel Francisco Junqueira, o barão de
Alfenas, teria recebido o garanhão Sublime
como presente de D. João VI. Gabriel Francisco teria colocado esse reprodutor para
cobrir suas éguas na Fazenda Campo Alegre, em Cruzília, Sul de Minas, daí
resultando a base do que viria a ser o mangalarga marchador. As éguas
brasileiras utilizadas nos cruzamentos originavam-se dos primeiros animais
introduzidos no Brasil pelos colonizadores, sendo a maioria de sangue Berbere e
Andaluz. Desde o início dos seus trabalhos de seleção, Gabriel Francisco Junqueira
levou em consideração o andamento cômodo, a resistência, a frugalidade, a
rusticidade e o brio dos animais de sua criação. Naquela época, como o cavalo
era o único meio de transporte, a notícia da existência de cavalos de trote
seguro e resistente na Fazenda Campo Alegre despertou um grande interesse em
todo o Sul de Minas e em parte do Rio de Janeiro (aí se incluindo a família do
barão de Paty do Alferes), e vários criadores adquiriram animais do barão de
Alfenas.
Alguns
indícios, entretanto, apontam determinadas contradições cronológicas em tais
relatos, bem como várias referências deixadas pelos descendentes diretos do barão
de Alfenas, cujo conteúdo não corrobora as versões até aqui mencionadas.
Segundo os documentos deixados pela família, as datas de recebimento dos
animais, os cavalos presenteados, as origens dos exemplares e outros dados
importantes não são compatíveis com o fluxo histórico daquela época. Assim
sendo, torna-se ainda mais crível a história do mangalarga ligada à fazenda do
mesmo nome em Paty. Com efeito, foi de um ou dois reprodutores trazidos de
Minas e cruzados com fêmeas da fazenda que se originou esta raça, hoje tida
como uma das mais conceituadas dentro do plantel equino do Brasil.
É preciso
registrar que a Sesmaria da Manga Larga, origem da atual fazenda, foi doada em
29 de outubro de 1715 a José Mendes de Carvalho, a quem, em 23 de maio de 1735,
associou-se Francisco Gomes Ribeiro, o Moço, surgindo, portanto, quase cem anos
antes de D. João VI desembarcar no Brasil com seus cavalos.
Vamos
atiçar a curiosidade e até mesmo ampliar as inevitáveis controvérsias com
algumas reflexões históricas e cronológicas. É indubitável que a titulação
Manga Larga foi aposta na fazenda de Paty do Alferes bem antes de ser usada
para batizar o cavalo, uma vez que a propriedade foi fundada em 29 de outubro
de 1715 (século XVIII) - como visto acima -, ao passo que o citado garanhão
Sublime da Coudelaria Alter do Chão (cabeça da raça) trazido por D. João VI de
Portugal e supostamente ofertado ao barão de Alfenas somente chegaria ao Brasil
junto com a Família Real no século XIX (1808). Este fato significa,
simplesmente, que o termo Manga Larga já existia à época de desembarque do
ancestral do cavalo, não tendo aparecido, como consta em alguns compêndios, na
fazenda Campo Alegre. De qualquer maneira, o nome acabou por batizar os cavalos
em definitivo, especialmente depois que os moradores da fazenda Manga Larga, de
Paty, passaram a exibi-los no Rio de Janeiro.
Por outro
lado, por que a titulação Manga Larga para a propriedade criada em 1715?
Sabe-se que durante a ocupação do Vale do Paraíba os pioneiros fundadores das
fazendas e engenhos resolviam nomear suas propriedades através de critérios
objetivos (mas por vezes muito subjetivos) homenageando santos do dia ou de sua
preferência (como Santo Antônio, Santa Rosa, São João) ou então peculiaridades
geográficas específicas (Monte Alegre, Vista Alegre, Monte Sinai etc.), além de
denominações muito particulares (tais como Secretário, Governo, Maravilha etc.).
Segundo
antigos fazendeiros, o termo "manga"
referia-se a uma área geográfica com peculiar declive ou concavidade nos morros
onde seria possível "encaixar" uma propriedade qualquer. Duas peculiaridades,
no caso, não parecem convincentes. Primeiro, porque em Geografia não existe
nenhuma menção a este vocábulo tão específico que, por si mesmo, configuraria
um acidente geográfico de monta. Segundo, porque a fazenda em Paty não está
inserida em nenhuma espécie de depressão, e sim em um belo e ensolarado platô
banhado pelo rio do mesmo nome. O que se tem como mais plausível é o fato de
seus fundadores terem adotado a ideia muito comum do Nordeste, onde a palavra "manga" traz duas acepções bem típicas
e lógicas: manga refere-se a uma pastagem cercada e própria para a criação de
cavalos e bois e, ainda, uma espécie de corredor feito de cercas pelo qual os
vaqueiros conduzem o gado até as aguadas da fazenda com segurança e rapidez.
Assim,
por que não imaginar a definição como Manga
(pastagem) Larga (ampla)? Fica a dúvida, mas a fecunda e atraente
trajetória ligada à fazenda e aos cavalos que ali foram criados merece esta
digressão e este fator de discussão histórica.
Como
informação final, lembremos que a designação manga larga é sempre grafada em
separado quando se refere à fazenda (Manga Larga) e em justaposição ao se
referir ao animal (cavalo mangalarga marchador).