O tropeirismo no Brasil

No decorrer das centúrias XVII e XVIII, os tropeiros eram elementos sempre presentes na zonas rurais e nas pequenas vilas brasileiras.

 13/11/2020     Historiador Sebastião Deister      Edição 318
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O substantivo tropeiro deriva de tropa, conjunto de homens que transportavam gado e mercadorias pelos caminhos do Brasil Colônia. A princípio, o termo era usado para o ato de conduzir o gado das províncias gaúchas até os mercados mineiros, paulistas e fluminenses. Entretanto, ao longo dos ciclos de açúcar e café, principalmente entre os séculos XVII e XVIII, vários pecuaristas e mascates do interior brasileiro se dedicaram à criação de animais - em especial as resistentes mulas - para implementar o intercâmbio e a comercialização de produtos de subsistência junto a fazendeiros, senhores de engenho e casas de exportação nos portos brasileiros.

O tropeirismo sempre foi associado à procriação e venda de gado, mas a mineração foi um dos seus primeiros motes de trabalho. Entretanto, a mutiplicação das populações mineiras à busca de ouro e pedras preciosas trouxe um sério problema para as famílias: a fome, visto que os mineradores jamais deixavam de lado o lavrar a terra para se preocupar com a produção de alimentos. Por conseguinte, logo floresceu um intenso comércio interligando a cidade do Rio de Janeiro ao interior da Província Fluminense. Dessa forma, os produtos manufaturados e agrícolas, estocados na capital, passaram ser transportados no lombo de animais para as minas gerais a fim atender as necessidades humanas. Ao mesmo tempo, a riqueza gerada pela mineração foi responsável por estimular uma série se atividades paralelas e urbanas, reforçando o trabalho dos tropeiros que transportavam os mais variados produtos pelo Brasil e ainda cumpriam, muitas vezes, o interessante papel de mensageiros e arautos das novidades ocorridas na capital.

No decorrer das centúrias XVII e XVIII, os tropeiros eram elementos sempre presentes na zonas rurais e nas pequenas vilas brasileiras. Em geral trajados como gaúchos, exibindo chapéus, ponchos e botas reforçadas, tais pioneiros dirigiam rebanhos de gado e levavam bens por quase todas as regiões do país. Em direção às minas, o transporte quase diário, feito no dorso de mulas, foi essencial para as províncias brasileiras por conta de montanhas e colinas excessivamente alcantiladas. Já para as longínquas terras de Goiás e Mato Grosso, a maioria dos produtos era levada através dos rios, durante as chamadas monções ou períodos de maior estiagem.
      É difícil definir os homens que se dedicavam a esta atividade, porém baianos, paulistas, mineiros, gaúchos, matogrossenses e goianos compunham o grosso das caravanas, além, como seria de se esperar, de dezenas de esperançosos portugueses colonialistas à busca de riquezas.
     O tropeiro iniciava sua vida ainda bem jovem (às vezes, por volta de 10 anos), acompanhando o pai ou tios, condutores da tropa e negociantes responsáveis pela compra e venda de animais. Ao contrário dos sulistas, eles usavam chapelão de feltro cinza ou marrom de abas viradas, camisa de pano forte e resistente de cor similar ao chapéu, manta bem espessa com uma abertura no centro jogada sobre o ombro e botas de couro flexível que chegavam até o meio da coxa para se proteger dos terrenos alagados, dos espinhos de plantas e até mesmo da possível picada de cobras.

Em seus trajetos, os tropeiros (ou bruaqueiros) procuravam seguir o curso dos rios ou atravessar as áreas mais abertas, os chamados "campos gerais", e mesmo conhecendo as trilhas mais seguras, a viagem envolvia várias semanas. Ao final de cada dia era aceso o fogo e construída uma tenda com as cobertas de couro que serviam para proteger a carga levada nos lombos dos animais. Alguns desses cobertores eram estendidos pelo chão ao lado de folhas de coqueiros ou palmeiras, sobre os quais os homens dormiam envoltos em seus mantos. Chamava-se "encosto" o pouso em pasto aberto e "rancho" quando já havia um abrigo construído anteriormente por outras caravanas. Ao longo do tempo, os principais pousos de tropeiros começaram a receber outras construções periféricas e pequenas hortas de subsistência. Com o aumento da vizinhança, tais locais deram origem a pequenos núcleos populacionais que acabaram por se transformar em arraiais, povoados e vilas.

A alimentação dos tropeiros era constituída por toucinho, feijão preto, farinha, pimenta-do-reino, café, fubá e coité (um molho de vinagre com fruto cáustico espremido). Nos pousos comia-se feijão quase sem molho com pedaços de carne de sol e toucinho (o que deu origem ao hoje conhecido feijão tropeiro) servido com farofa e couve picada. Bebidas alcoólicas só eram permitidas em ocasiões especiais, e nos dias muitos frios eles tomavam um pouco de cachaça, tanto para evitar possíveis estados gripais como para aliviar a coceira provocada pela picada de insetos.

Os cavalos dos tropeiros carregavam sacolas ou bolsões de armazenamento chamados bruacas ou broacas de couro destinados a guardar a capa e outras mercadorias por sobre a cangalha do animal, além, é claro, de uma sela confortável ligada a estribos metálicos bem resistentes. Chamava-se "madrinha" a mula já envelhecida e habituada aos caminhos mais tortuosos. Era esta alimária a cabeça de tropa que abria o percurso das caravanas, geralmente enfeitada com fitas no pescoço ou um grande penacho encimando sua cabeça.

No norte de Minas, "paulista", "peão" e "amontador" eram sinônimos, mas tinham significação específica e utilidade diversificada. Assim é que "paulista" era o indivíduo que amansava as bestas à maneira dos peões de São Paulo, peão era todo amansador de equinos e muares à moda do sertão e amontador aquele que montava animais bravios para adestrá-los. Depois disso, vinha o "acertador", homem hábil, tranquilo e paciente que ensinava as andaduras ao animal e educava-lhe a boca quando do contato com o freio. Este trabalho específico e por vezes difícil era, à época, a atividades considerada a mais nobre de todas no seio do tropeirismo.

O tropeiro desempenhou papel preponderante na ocupação e formação das províncias brasileiras. Graças a eles, foi possível socorrer e abastecer as regiões de mineiração e os pioneiros arraiais do interior, contribuindo assim para consolidar o domínio português no país, ao mesmo tempo em que fundavam diversos povoados, vilas e cidades. O comércio de animais e mercadorias determinou a integração social, cultural e econômica entre tantas zonas geográficas dispersas ao longo do período colonial do Brasil, aglutinando assim, historicamente, milhares e milhares de brasileiros que se fundiram nas populações que, por fim, passaram a usar a mesma língua, os mesmos costumes e os mesmos interesses para compor o mosaico humano e político que hoje constiui nosso país, nosso território e nossa nação.