A Ponte da Serraria
O Caminho Novo de Minas e a Variante do Proença, estradas que atendiam tantas localidades fluminenses e mineiras, D. João VI baixou o Decreto de 20 de fevereiro de 1818
24/12/2020
Historiador Sebastião Deister
Edição 325
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É sabido que ao longo
dos séculos de ocupação do interior brasileiro, a comunicação entre suas
províncias sofria toda sorte de demandas e complicações por conta de caminhos tortuosos
e de travessia de rios caudalosos. Tais problemas prejudicaram bastante as
terras fluminenses em suas linhas divisórias com as ricas glebas mineiras. O
Sul Fluminense foi particularmente atingido por essas dificuldades, em especial
junto ao território banhado pelo rio Paraibuna, um dos mais importantes afluentes
do Paraíba do Sul. À época, pontes de madeira por vezes toscas e improvisadas
apresentavam pouca durabilidade e insegurança, impedindo, por consequência, o
fluxo de caravanas que intercambiavam diariamente produtos e riquezas entre o
Rio de Janeiro e as Minas gerais.
Sensível aos problemas que
afligiam o Caminho Novo de Minas e a Variante do Proença, estradas que atendiam
tantas localidades fluminenses e mineiras, D. João VI baixou o Decreto de 20 de
fevereiro de 1818, determinando, entre outros considerandos, que
"Constando na minha real presença
os incômodos que sofrem os viajantes na passagem dos rios Paraíba e Paraibuna,
sendo esta feita em barcas ou canoas, principalmente no tempo das cheias destes
rios, e querendo facilitar e promover as recíprocas comunicações dos meus
vassalos para bem do comércio e agricultura, que não podem prosperar no
interior deste vasto Reino sem que se ponham em bom estado as estradas e se
construam pontes nos rios que as separam (...) e que no concernente às pontes
projetadas, observem tais instruções que elas devem ter pilares de pedra, para
que fiquem seguras e cômodas para a passagem de transeuntes e cargas."
Estavam, portanto,
nesse decreto, as origens da futura Estrada União e Indústria e das pontes que deveriam
estabelecer conexão terrestre segura entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais
através dos rios Paraíba e Paraibuna. Já em 5 de junho, foram regulamentadas as
normas para a execução de tais obras através da Instrução nº 13 adstrita ao
Decreto expedido pelo Regente.
Além da ponte entre o
Registro de Paraibuna e Monte Serrat, a Companhia União-Indústria, inaugurada
em 1861 por D. Pedro II, responsabilizou-se também por construir sobre o
Paraibuna, na localidade então chamada Serraria (hoje Levy Gasparian), uma ponte
de madeira objetivando facilitar a comunicação da nova estrada com as terras
cafeeiras da Zona da Mata Mineira, abrangendo assim as cidades de Ericeira,
Santana do Deserto, São Pedro do Pequiri, Mar de Espanha, Santo Antônio do
Aventureiro e Angostura.
Na ocasião, a ponte ali
existente apresentava péssimas condições de uso, estando quase em ruínas. Por
conseguinte, Alberto Torres, na época presidente da Província do Rio de
Janeiro, decidiu substituir aquela obra por outra com estruturas metálicas mais
modernas e resistentes, tanto que Hermogênio Pereira da Silva, secretário das
Obras Públicas de Alberto Torres, no seu relatório de 1898, informava que a Lei
nº 356 de 15 de dezembro de 1897 autorizava o Governo do Rio de Janeiro a firmar
acordos com a Província de Minas visando à construção da ponte metálica da
Serraria, já tendo sido aberto, inclusive, o crédito necessário para a obra.
Em 28 de maio de 1898
foi apresentado o orçamento da obra no valor de Rs. 37:169$000 (trinta e sete
contos, cento e sessenta e nove mil réis), estando aí incluídos o assentamento
da superestrutura e das colunas de apoio, ajustando-se no preço total mais Rs. 24:511$000
(vinte e quatro contos, quinhentos e onze mil réis) para a aquisição dos quatro
cavaletes indispensáveis à segurança da obra.
Na realidade, a
execução desse trabalho cruzando o espaço sobre o Rio Paraibuna (considerado em
finais do século XIX uma verdadeira obra de arte) fazia parte de um projeto bem
maior levado a efeito pela Província Fluminense na década de 1890 que buscava buscar
substituir, pouco a pouco, as antigas e frágeis pontes de madeira por outras estruturas
metálicas importadas da Bélgica e criadas através do sistema desmontável
americano, processo de engenharia que facilitava o transporte pelos caminhos
sinuosos e acidentados do interior do Rio de Janeiro.
O secretário de Obras
houve por bem instalar um aparelho de dilatação nos pontos mais sensíveis da
ponte em relação aos cavaletes, instalando resistentes chapas de amarração nas
margens do rio direcionadas para cada treliça do complexo, garantindo assim que
todos os elementos do conjunto metálico assimilassem bem as futuras variações
térmicas e de umidade atmosférica tão presentes em terras do Sul Fluminense e,
especialmente, junto aos grandes volumes de água do Paraibuna.
Hermogênio Pereira da
Silva, em seu longo relatório, informava ao governo que:
"Já estão dadas as providências para a execução das obras necessárias,
e dentro de poucos meses surgirá dos velhos escombros da ponte de madeira da
Serraria uma elegante superestrutura de aço, a sustentar um estrado de concreto
de 3,60m de largura, livre, para uso e gozo dos povos dos dois Estados
limítrofes".
De fato, os trabalhos
tiveram um andamento rápido e seguro, tanto que em 12 de fevereiro de 1899 a
nova ponte foi entregue ao trânsito sem grandes alardes. Na ocasião, a Gazeta
de Petrópolis, em edição de 21 de fevereiro, registrou a inauguração da nova
ponte da Serraria destacando que:
"A ponte apresenta vãos parciais
com o comprimento máximo de 21
metros entre os pontos de apoio. As treliças, formadas
de triângulos metálicos de 3,00m de base ligados dois a dois, permitem, com sua
inversão, a formação de lances iguais mediante a amarração das mesas por meio
de chapas de junção atracadas e de parafusos de porcas e contraporcas."
Segundo o jornal, o
estrado da ponte constava de uma camada contínua de concreto sobre chapas de
aço onduladas e galvanizadas de 4 mm de espessura, ligadas por meio de
parafusos ao quadro das longarinas e dormentes de amarração das duas treliças. A
peça mais pesada do travejamento não excedia 214 quilogramas, o que facilitava
imensamente o transporte de cargas. Sólidos encontros de alvenaria suportavam
os extremos da superestrutura, cujo comprimento, incluindo as peças de
cabeceira, era de 94,20m. As colunas foram cravadas a 3 metros de profundidade.
Para que se tenha uma ideia mais precisa da obra, basta dizer que seus
cavaletes pesavam 309 toneladas, enquanto toda a estrutura alcança admiráveis
70 toneladas. Toda a ferragem era de aço doce da empresa Martin Siemens
fabricada pela Societé Anonyme des
Atéliers du Constructions, Forges et Aciéries de Bruges, na Bélgica,
representada no Brasil pelo engenheiro J. de Jaegher.
Importante ressaltar
que o assentamento das ferragens e a execução das obras auxiliares foram feitos
pelo engenheiro Domingos Rodrigues Cordeiro Junior, sob a fiscalização do
engenheiro Aurélio Lopes Domingues, tudo supervisionado pela seção técnica da
Secretaria de Obras do Estado do Rio de Janeiro. Ainda hoje a ponte apresenta
as mesmas características estruturais da época de sua inauguração, passagem
rápida e histórica para várias cidades e propriedades fazendárias distribuídas
em parte da importante e povoada Zona da Mata Mineira.