Clube dos Cem em Javary
(Shulipa's Discoteca)
12/02/2021
Historiador Sebastião Deister
Edição 332
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Pioneira
associação recreativa criada em Barão de Javary, a pequenina, porém apreciada
boate, possuiu uma sede caracterizada, principalmente, pela cobertura circular
de sapê. Na realidade, tratava-se um pequeno quiosque pouco utilizado
pertencente ao Hotel Fazenda Javary erguido bem junto à margem do lago. A
iniciativa foi de um grupo de veranistas (pessoas que possuíam casas no município
e que, regularmente, vinham do Rio de Janeiro para passar férias ou feriados
mais prolongados em Javary).
Antes da
existência do clube, as famílias se reuniam nos espaços de um posto telefônico montado
nas proximidades da parada ferroviária gerenciado por dona Rosa Perro para
conversar e jogar cartas e, às vezes, cantar e dançar. Entretanto, todas se
mostravam pensativas e preocupadas com os adolescentes e as crianças que não
dispunham de um local adequado para se encontrarem e praticarem algum tipo de
esporte ou brincar o carnaval.
Alguns de
seus fundadores foram Francisco Gomes Ribeiro, José Francisco, Joaquim José
Gomes, Joaquim José Gomes Filho, Bernardino Alves, professor Charles Gepp,
Albertino Tosa Tavares, José Sylvio Gomes (na ocasião com apenas 14 anos),
Amaro da Silva Azevedo, André "Carpinteiro", Jorge Gomes, Mário Salgado,
Sylvio José Gomes, Adão Pinto da Silva, Antônio Rodrigues e outros. A ideia era
exatamente cooptar 100 sócios fundadores, daí o nome escolhido par a casa de
festas (Clube dos 100). Com efeito, por vários anos a associação promoveu
bailes, festas de casamento e de aniversários, além de cerimônias de batizados
e até mesmo noivados, tendo a primazia de oferecer a todos a primeira quadra de
esportes do município, na qual podiam ser praticados torneios de vôlei e
futebol de salão.
Por outro
lado, alguns cantores famosos na época por ali se apresentaram, como Taiguara,
Ruy Maurity (que tinha uma casa vizinha à sede) e Antônio Adolfo. Outro
frequentador assíduo era o conhecido jornalista Zózimo Bráulio Barroso do
Amaral, editor do Jornal do Brasil e depois colunista social em O Globo. Também
Rubem e Roberto Medina apareciam por lá, visto que a família possuía uma casa
em Javary.
Já
durante a administração do Hotel Pousada Javary, o clube foi transformado em
uma casa noturna bastante animada chamada Shulipa's Discoteca, ponto de
encontro da juventude miguelense. Realmente, podemos afirmar que a novidadeira
casa noturna foi a lançadora oficial da famosa e saudosa música disco (também
conhecida em inglês como disco
music ou, em francês, discothèque),
gênero de música de dança cuja popularidade
atingiu o pico em meados da década de 1970. A princípio, o gênero
teve suas raízes nos clubes de dança voltados, principalmente, para negros, latino-americanos e apreciadores de música psicodélica com raízes eletrônicas,
além de outras comunidades das cidades de Nova York e Filadélfia durante o final
dos anos sessenta e início da década de setenta. A popularidade de tais
composições (alegres, de melodias facilmente assimiladas e letras modernas e
conceituais) foi instantânea.
As mulheres cantoras abraçaram o estilo
de imediato, tornando-se verdadeiras "divas"
da noite para o dia. Além delas, dezenas de artistas ganharam uma projeção
extraordinária em todo o mundo, e na discoteca de Javary todos os discos (os
disputados LP de vinil) estavam sempre presentes para a felicidade de seus
frequentadores.
As
principais influências da disco music
incluíam o funk melody, a música latina e a soul music, herança dos arranjos
especiais divulgados pela famosa gravadora Motown,
especializada em artistas negros. Ao contrário do rock n' roll, a guitarra
raramente era usada no estilo discoteca.
Na
época, os grandes nomes de disco,
entre tantos outros, eram Donna Summer, Gloria Gaynor, Bee Gees, KC
and the Sunshine Band, Shirley
Co., Barry White, ABBA, Chic, Elton John, Air
Supply, Queen, Wings e os irmãos The Jacksons, entre os quais
emergiu um fenômeno de dança chamado Michael Jackson. Já no Brasil, o estilo
acabou influenciando artistas de peso, como Lady Zu, Rita Lee, Dudu França e
Tim Maia, com reflexos posteriores nas obras de Gilberto Gil e Caetano Veloso.
Lembremos
que Donna Summer acabou se transformando em uma líder tão apreciada que logo
recebeu o título de Rainha do Disco.
Embora os artistas tenham acumulado a maior parte da atenção pública pela sua
viva presença nos palcos, produtores, compositores, letristas, arranjadores e
maestros por trás das cenas tiveram um papel importante na "música disco", já que muitas vezes escreviam canções diferenciadas e criavam
sons absolutamente inovadores.
A popularidade do estilo
atingiu o auge na chamada Era Disco, entre 1977 e 1979, graças ao filme de 1977 Saturday Night Fever (traduzido
no Brasil como Os Embalos de
Sábado à Noite e em Portugal e nos restantes países lusófonos
como Febre de Sábado à Noite),
que contou com a surpreendente atuação do ator John
Travolta. Este filme também foi
responsável pela cristalização dos Bee Gees como grupo principal da época, por conta da
contagiante trilha sonora que incluía sucessos como Stayin' Alive, You Should Be Dancing, More than
a Woman, How Deep Is Your Love? e Night
Fever, além de Tragedy, que, mesmo sendo posterior ao filme, também
explodiu nas paradas mundiais. De fato, o filme consagrou, em definitivo, os
jovens australianos que, anteriormente, haviam tentado seguir outros estilos,
como o rock, o country
rock, a balada e posteriormente pop e o pop rock. Os maiores sucessos comerciais dos Bee Gees
foram as canções baseadas no estilo disco
music, sobretudo a partir de 1976 com a música You Should Be Dancing que
acabou fazendo parte da trilha de Saturday
Night Fever.
Tantos
sucessos não passaram ao largo da boate de Javary. Foram anos de sucesso e de
grande frequência às dependências da Shulipa's, tanto de jovens como de muitos
casais adultos e moradores do município e turistas eventuais. Entretanto, com o
tempo, o Clube dos Cem e a boate foram perdendo seu encanto por conta do
aparecimento de outras associações em Miguel Pereira e Governador Portela,
sendo então lentamente desativados e, por fim, com a demolição do prédio no
final dos anos oitenta. No local resta, hoje, apenas parte do piso da quadra de
esportes como lembrança do seu áureo período de existência.
Na próxima edição: As Folias de Reis na Região