População de Miguel Pereira se mobiliza contra hidrelétrica no Monte Líbano
Máquina S90 é incendiada em obra que afeta cachoeira Monte Líbano em Fragoso. Destruição e falta de diálogo levam moradores ao desespero pela possibilidade de perder a mais famosa cachoeira dos fins de semana
26/02/2021
Meio Ambiente
Edição 334
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Jornalista Maurício
Thuswohl
Mexeram
com um dos símbolos de Miguel Pereira, e boa parte dos miguelenses têm reagido
com veemência. O projeto de construção de uma usina hidrelétrica no Rio
Santana, na altura do Monte Líbano, onde fica a cachoeira mais visitada da
cidade, provoca indignação e polêmica. Uma petição exigindo a realização de audiência
pública para que o projeto seja discutido com a população já conta com cinco
mil assinaturas e a oposição à usina chegou ao ponto de máquinas utilizadas na
obra terem sido incendiadas.
As
críticas são dirigidas aos autores e executores do projeto, mas também à
Prefeitura, que teria autorizado a empreitada sem consultar ninguém. Por
intermédio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, a Prefeitura afirma que,
após vistoria realizada em 22 de fevereiro, constatou-se que "a barragem
ocorrerá a jusante da Cachoeira do Monte Líbano, portanto não haverá prejuízo
aos banhistas e frequentadores do local".
Mas, a
questão é polêmica e o relato de moradores da região diverge do que afirma o
poder público: "Minha mãe descobriu a obra por acaso ao perceber a
movimentação no rio. Perguntou o que era e foi informada sobre a hidrelétrica e
que iriam abrir um túnel de dois quilômetros que sairia acima da cachoeira de
Monte Líbano. Quando fiquei sabendo, entrei na página de vários moradores
perguntando se sabiam da obra e ninguém sabia. Marcamos uma reunião com um dos
responsáveis pelo projeto e questionamos que a abertura do túnel acima da
cachoeira acabaria com ela. Ele ficou de apresentar nossos questionamentos e
marcar uma nova reunião", conta Glauco Moreira.
O
morador afirma que a população local foi enganada: "Na segunda reunião, o
responsável disse que havia conseguido mudar o projeto inicial e que o túnel
seria abaixo da cachoeira. Depois, no entanto, a movimentação de caminhões e
maquinários pesados abalou a estrutura das nossas casas. Em outubro passado,
finalmente apresentaram o projeto e só neste momento ficamos sabendo do segundo
túnel, o de manutenção. Questionei sobre a destruição, mas sem efeito. Na
semana passada (19/02), meu sobrinho avisou que as máquinas estavam
trabalhando. Eles derrubaram toda a mata ciliar e empurraram a terra para
dentro do rio".
Um dos
incentivadores da mobilização contra a usina, o ambientalista Mauricio Ruiz,
conta a mesma história que Glauco: "Fizemos duas reuniões com os
empreendedores e eles afirmaram que não haveria nenhuma intervenção acima da
cachoeira. Mas, exatamente no trecho onde eles disseram que não iriam fazer
intervenção, o maquinário começou a trabalhar, destruindo a vegetação e jogando
terra para dentro do rio", diz.
"A
usina está sendo implantada em um lugar muito sensível. Nada foi discutido com
a população e a Prefeitura foge de sua responsabilidade ao dizer que o
licenciamento ambiental é estadual, apostando na falta de conhecimento da
população sobre a legislação ambiental", afirma Ruiz. Ele completa: "O
Rio Santana é protegido por uma lei municipal que criou uma Área de Proteção
Ambiental. A Prefeitura ganha milhões de ICMS Verde por causa disso, mas na
hora em que tem que se manifestar sobre uma obra altamente impactante em um
lugar de enorme valor histórico e turístico para a cidade, ela simplesmente
lava as mãos".
Ruiz
ressalva que "A população de Miguel Pereira não é contrária à construção de
hidrelétricas. As duas últimas hidrelétricas - das três que já existem na
cidade - foram implantadas com o discurso de geração de emprego e baixo
impacto. Na prática, geraram 90 empregos na implantação e apenas dois na
manutenção. E secaram o rio diversas vezes. Ou seja, o impacto positivo foi
bastante curto e o impacto negativo é permanente e vai continuar a acontecer",
diz.
Deputado do PV Eurico Júnior:
"Em relação à construção
da hidrelétrica na cachoeira do Monte Líbano no bairro de Fragoso em Miguel
Pereira, já entrei em contato com o secretário estadual do Ambiente Thiago
Pampolha para solicitar o acompanhamento e a fiscalização do governo do estado
na execução do projeto. Não podemos deixar um patrimônio turístico e cultural
da região ser afetado. Como deputado estadual do Partido Verde e representante
dos municípios do Centro-Sul Fluminense, além de morador da região, vou
lutar pela transparência no processo para que não haja prejuízo para o turismo
e para a população. É de fundamental importância também a Procuradoria Geral do
Ministério Público Estadual destinar um promotor especializado em meio ambiente
para acompanhar o processo e participar da audiência pública que vai tratar da
construção".
Prefeitura
responde
Em nota
oficial, a Secretaria de Meio Ambiente de Miguel Pereira afirma: "A
intervenção na parte lateral, objeto de denúncia do último final de semana,
entre a cachoeira e a estrada, é parte integrante do projeto aprovado pelas
licenças, onde será construído um túnel auxiliar subterrâneo (seco) para
utilização de acesso da equipe de manutenção. Não haverá passagem de água ou
qualquer intervenção no curso do rio".
A
Prefeitura afirma também que "As áreas que sofreram intervenção deverão ser
plenamente recompostas" e que o projeto "não trará prejuízos às vias
locais e ao acesso à cachoeira por banhistas e frequentadores", além de
prever "o reflorestamento das margens do Rio Santana e seus afluentes como
medida compensatória pela supressão de vegetação para implantação da adutora" e
"o monitoramento da biota aquática a montante e a jusante do empreendimento". Por
fim, a Secretaria informa que "está atenta à implantação do empreendimento
no local e, na hipótese de qualquer infringência às normas ambientais vigentes,
as medidas cabíveis serão devidamente impostas".
Ação
no Ministério Público
A
posição da Prefeitura, no entanto, não tem agradado os opositores da construção
da usina, sobretudo quando a Secretaria de Meio Ambiente alega não poder fazer
muita coisa e que a implantação da usina no local foi licenciada pelo Instituto
Estadual do Ambiente (Inea): "O projeto não foi discutido com a população.
Ainda que a legislação ambiental estadual diga que não precisa ter audiência
pública, a Prefeitura deveria ter exigido isso porque está dentro de uma Área
de Proteção Ambiental. O Inea ainda não se pronunciou e só vai se pronunciar na
medida em que a gente dê entrada com o processo no Ministério Público", diz
Mauricio Ruiz.
A mobilização
deve crescer nos próximos dias, diz o ambientalista, quando a luta contra a
usina será levada à Justiça: "A população está extremamente mobilizada e
lançou um abaixo-assinado que já conta com quase 5.000 assinaturas. Está todo
mundo muito indignado com o que está acontecendo. Vamos entregar o processo ao
Ministério Público e vamos continuar a fazer pressão".
A
maioria do povo miguelense, finaliza Ruiz, quer que a cidade cresça do ponto de
vista econômico, mas sem macular seu maior patrimônio, que é o meio ambiente: "Ninguém
é contra o desenvolvimento. Mas, Miguel Pereira tem o terceiro melhor clima do
mundo, é o lugar do verde, é o lugar da qualidade de vida. Querem transformar
Miguel Pereira em uma cidade sem lei, aonde tudo que temos de mais belo é
destruído. Nós não vamos aceitar".