A Família Werneck
Paty do Alferes, Vassouras e Miguel Pereira devem grande parte de seu desenvolvimento subordinada diretamente às amplas atividades sociais, agrícolas, pecuárias e financeiras fomentadas pela estirpe Werneck
19/03/2021
Historiador Sebastião Deister
Edição 337
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Paty do Alferes,
Vassouras e Miguel Pereira devem grande parte de seu desenvolvimento subordinada
diretamente às amplas atividades sociais, agrícolas, pecuárias e financeiras fomentadas
pela estirpe Werneck na Serra do Tinguá e nas circunvizinhanças do Vale do
Paraíba Fluminense. O sobrenome Werneck originou-se de seculares raízes europeias
conhecidas desde o século XII em regiões da Alemanha do Sul, onde, junto a uma
curva do Rio Meno (grande afluente do Reno) havia seu castelo medieval, daí
derivando sua designação: WERN (castelo) e NECK (curva). Por outro lado, já em
1660 instalou-se em Portugal a clã dos Werneck Ribeiro de Aguilar, cujo tronco
inicial se formara no século XV em terras lusitanas após o casamento, em 1639,
de Gaspar Werneck com Mariana de Magalhães. Esse Gaspar, no último quartel do
século XVIII, veio se estabelecer com a família no Rio de Janeiro, e dele,
certamente, originaram-se os demais ramos da numerosa linhagem brasileira.
Tempos depois,
apareceu no Recôncavo do Rio de Janeiro um senhor chamado João Werneck (que
também assinava Berneque e, por vezes, Verneque), possivelmente filho ou neto
de Gaspar. Sabe-se, entretanto, que João nascera em Portugal por volta de 1680
e que se casara com Isabel de Souza, vindo mais tarde trabalhar e viver no Rio
de Janeiro. Segundo o genealogista Dr. Francisco Klörs Werneck, a grafia
correta é WERNECK, definitivamente adotada pelo Dr. Luiz Peixoto de Lacerda
Werneck, filho do barão de Paty e cônsul do Brasil na Suíça.
Segundo Eduardo
Silva, em sua admirável obra Barões e
Escravidão, é bem provável que esse João e sua família estivessem entre os
numerosos fugitivos que deixaram o Rio de Janeiro após a invasão da cidade
pelas forças francesas comandadas por René Duguay-Trouin em meados do ano de
1711. Mesmo que a invasão francesa não tenha sido a causa determinante de seu
deslocamento, sabe-se com certeza que João Werneck e a esposa Isabel de Souza
passaram a morar em Pilar do Iguaçu já em companhia de dois filhos batizados na
Igreja da Candelária: Ignácio (nascido em 1709) e Francisco (nascido no início
de 1711). Os quatro filhos restantes receberam o batismo na Igreja do Pilar, a
saber: Lourenço (1712), ngela (1714), Antônia (1716) e o caçula Plácido
(1718).
Fundamental para a
História de Paty do Alferes e Miguel Pereira é a trajetória de Antônia Ribeiro
(ou da Ribeira) do Pilar Werneck, a matriarca da família Werneck no Tinguá. No
dia 16 de dezembro de 1733, ela se casou com Manuel de Azevedo Mattos na Igreja
da Candelária, seguindo após o enlace para a Freguesia de Nossa Senhora da
Piedade da Borda do Campo (hoje Barbacena), na Comarca de Mariana. Manuel de
Azevedo Mattos era um imigrante português que lavrava ouro nas Minas Gerais,
mas que decidido a mudar de vida, veio, na metade do século XVIII, com a
mulher, os filhos, escravos, tropeiros, serviçais e outros empregados para a
Freguesia de São Pedro e São Paulo de Paraíba do Sul, de onde logo se deslocou para
o Tinguá, área em que fundaria a Fazenda de Nossa Senhora da Piedade de Vera
Cruz, tornando-se, ao mesmo tempo, proprietário da Sesmaria do Sacco (hoje
Barão de Javary) e das terras de Monsores (Cilândia, pequeno bairro de Miguel
Pereira) e Morro Azul do Tinguá (hoje no território municipal de Engenheiro
Paulo de Frontin). Assim, no ano da graça de 1770, junto à margem direita do
rio Santana, Manuel (já viúvo, pois Antônia falecera em 1765) iniciou a
construção da sua primeira moradia ao lado dos três filhos: a primogênita Ana
de Jesus (nascida em 17 de fevereiro de 1738), o filho Inácio de Souza Werneck
(nascido em 25 de julho de 1742) e o mais novo Manoel de Azevedo Ramos (nascido
em 29 de abril de 1745). Curiosamente, apenas o último filho não adotaria o
sobrenome Werneck deixado pela mãe, como era costume à época.
Importante registrar
que, desde bem jovem, Inácio demonstrava acentuada vocação para a vida
eclesiástica. Com 25 anos seguiu para o Rio de Janeiro a fim de estudar no
Curso de História Sagrada e Eclesiástica do Seminário São José, no Morro do
Castelo, determinado a se ordenar padre, porém o destino iria surpreendê-lo. De
fato, o Ajudante-de-Ordens Francisco das Chagas Monteiro, comissário e
financista no Rio de Janeiro e um dos gratos amigos de Manuel de Azevedo Mattos,
acolheu com sua casa o futuro padre Werneck. Embora disposto a cursar o
Seminário, Inácio não resistiu aos encantos da bela filha de seu anfitrião.
Apaixonado por Francisca das Chagas Monteiro e logo correspondido, ele
abandonou a sonhada carreira religiosa para com ela se casar no dia 26 de
setembro de 1769 na Igreja de Nossa do Rosário e de São Benedito dos Homens
Pretos, na antiga Rua da Vala (hoje Uruguaiana). Inácio tinha 27 anos e
Francisca apenas 23: com aquele matrimônio a Igreja perdia um padre, mas a
Serra do Tinguá via-se contemplada com um dos seus mais importantes e
prestigiados patriarcas. Com a esposa, Inácio veio fixar-se em terras de Vera
Cruz, pertencentes na época à Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Serra
Acima da Roça do Paty do Alferes, já então como um rico e respeitável senhor de
terras e herdeiro legítimo das propriedades até ali amealhadas pelo pai.
Depois da morte de
Manuel, em 1778, Inácio assumiu a administração das terras da Piedade, visto
que o irmão Manoel de Azevedo Ramos recebera as terras da Sesmaria do Sacco e a
irmã Ana de Jesus Werneck seguia para as terras de Monsores. Manuel morreu sem
conhecer apenas dois dentre os doze filhos de Inácio com Francisca, todos, a
propósito, nascidos na Piedade: Maria do Carmo Werneck; Inácia Delfina Werneck;
Luiza Maria Angélica; Manoel de Azevedo Mattos Werneck; Ana Matilde Werneck;
Francisco das Chagas Werneck; Cândida Francisca Lauriana Werneck; Isabel Maria
da Visitação Werneck; Inácio das Chagas Werneck; Joaquina Teodora de Jesus
Werneck e José de Souza Werneck.
Inácio de Souza
Werneck foi, sucessivamente, Alferes, Tenente e Capitão de um Corpo de Milícias
da Corte, terminando sua vida militar com a reforma no alto posto de Sargento-mor
de Ordenanças da Corte, com solicitação feita em 20 de outubro de 1809, mas concedida tão somente em 15 de dezembro de 1813.
Em suas andanças como militar pelo Vale do Paraíba e pelas terras dos índios
Coroados, acabou contribuindo para a fundação da cidade de Valença (Freguesia
de Nossa Senhora da Glória) e ainda para a implantação da área de conservação
indígena daquela região, aldeia que acabou dando origem ao Distrito de
Conservatória. Inácio (ordenado padre aos 72 anos em 15 de janeiro de 1814 após
a morte de Francisca em 11 de outubro de 1811) faleceu em Vera Cruz aos 80 anos
no dia 2 de julho de 1822. Seu corpo foi inumado junto ao altar da Igreja de
Nossa Senhora da Conceição de Paty do Alferes.
Brasão de Armas da Família
Escudo em vermelho e
amarelo, com um leão de ouro caminhando sobre três picos de colinas com um
braço armado para defesa.
Na próxima edição: Família Bernardes