Capítulo 8 - A Fazenda da Estiva

A Trajetória Histórica do Município de Miguel Pereira

 24/09/2021     Historiador Sebastião Deister      Edição 364
Compartilhe:       

As primeiras notícias a respeito dessa fazenda datam de 1864, quando Joaquim Pinheiro de Souza vendeu parte de suas terras a Antônio Francisco Apolinnário, o mesmo latifundiário que iria comprar glebas da Fazenda Pantanal alguns anos depois. Embora o Livro nº 4, às folhas 53, do Registro de Imóveis de Paty do Alferes não cite as características do vendedor, acreditamos que esse Joaquim fosse o primeiro filho do Tenente José Pinheiro de Souza, casado em segundas núpcias com D. Maria do Carmo Werneck, a filha primogênita de Inácio de Souza Werneck, dono da Fazenda de Nossa Senhora da Piedade de Vera Cruz.

A importância da Fazenda da Estiva para o aparecimento de Miguel Pereira é inquestionável, mas pairam inúmeras dúvidas sobre suas origens e sua localização exata.

De fato, não existem mais quaisquer marcos, pontos de referência ou documentos confiáveis que nos permitam assegurar os limites de seus verdadeiros domínios. Segundo análises em cartórios de Vassouras e Paty do Alferes, a Fazenda da Estiva devia se localizar em terras centrais de Barreiros, limitando-se a Leste com a Fazenda do Sacco Velho, a Norte com Pantanal, a Oeste com a Fazenda do Sacco (origem de Barão de Javary) e ao Sul com a Fazenda do Retiro, da família Bernardes. Tais especulações são bem aceitáveis quando se leva em consideração que a Estiva situava-se às margens da estrada para Paty, isto é, o caminho que atualmente corresponde às avenidas Roberto Silveira e César Lattes, estas hoje estabelecendo conexão com o logradouro de Pedras Ruivas, onde se situa a Fazenda Monte Alegre. Esse traçado é referendado no Livro nº 9, folhas 8 e verso, que registra o seguinte:

 

"Venda que fazem Joaquim Coelho de Carvalho e sua mulher a José Mariano Luiz de uma porção de terras desmembradas do SÍTIO DAS PEDRAS BRANCAS, na ESTIVA, confrontando do seguinte modo: principia num bueiro na ESTRADA NOVA DE PATY, onde já existe uma cerca, e segue numa reta até o CAMINHO VELHO (rumo de João da Silva Machado), acompanha a dita ESTRADA NOVA DE PATY, terminando na divisa com terras dos herdeiros de Antônio Francisco Apolinnário, no BARREIROS."

 

Cumpre agora atentarmos para um importante detalhe: à época da transação citada (1864), o lugarejo ainda se chamava Barreiros, embora no local já existisse a Fazenda da Estiva. Esta denominação, portanto, somente seria incorporada ao povoado muitos anos depois, tanto pela existência das estivas de passagem na região quanto por influência da própria fazenda.

É interessante notar que os negócios imobiliários entre os fazendeiros, embora fossem realizados em cartórios, não exigiam demarcações cartográficas ou numéricas tão precisas quanto hoje. O vendedor e o comprador não se importavam em ajuizar ou pelo menos medir as áreas transacionadas de uma maneira mais segura. Para eles, bastava mencionar, nas escrituras, determinados pontos referenciais para que os contratos fossem validados e logo assinados. Não obstante tal procedimento pareça inconcebível nos desconfiados e mercantilizados dias atuais, os proprietários de então indicavam os símbolos mais inverossímeis para demarcar suas terras, como nos foi dado ler na reprodução de escritura: "... principia num bueiro..." ou "... onde já existe uma cerca..." eram limites propostos e aceitos em relação a uma grande propriedade e não apenas força de expressão ou registro falho de um escrivão desatento. A impressão que fica é que os homens daquele tempo sequer imaginavam que o futuro iria alterar totalmente as referências e limites de tantas terras, mas para eles bastava sua honestidade para garantir a observância integral das cláusulas de seus contratos.

A despeito de falta de maiores informações, acreditamos que a Fazenda da Estiva de fato englobasse a maioria das terras que atualmente constituem o centro de Miguel Pereira. Tanto isto é verossímil que, por ocasião da inauguração da ferrovia, a parada local recebeu o nome de Estação da Estiva, certamente em alusão às terras onde ela fora construída. Tal designação logo encobriria o topônimo Barreiros e assim, a partir dos últimos anos do século XIX, começava a despontar na Serra do Couto a vila que se transmutaria na cidade de Miguel Pereira.

Atente-se, ainda, para uma citação relevante no texto de venda transcrito acima. Ali surge o nome de João da Silva Machado, um dos pioneiros mais conhecidos na velha Estiva e herdeiro de terras e propriedades deixadas por Antônio da Silva Machado, seu pai e proprietário da fazenda da Estiva. Também uma vasta gleba circunscrita às antigas sesmarias Venda Velha e Plante Café (atualmente coberta pelo loteamento Retiro das Palmeiras) entrava no rol deixado por Antônio da Silva Machado juntamente com a Estiva. Com efeito, o pai, conhecido como Machadinho, notabilizou-se na vila por ser o construtor da primeira capela católica do lugar consagrada a Santo Antônio. João da Silva Machado gerou família na cidade, tornando-se assim um dos patriarcas da numerosa linhagem Machado. Casou-se com Isabel de Alarcão, irmã de Algecira Alarcão, a esposa de Calmério Rodrigues Ferreira (o Juju), tendo com a esposa a seguinte prole: Pedro de Alarcão Machado (nascido em 29 de junho de 1896, marido de Cinira e pai de Zilda, Ruth, Maurício, Berenice, João Batista, Maria Helena e Arthur Gil); Maria (a Mariquita, nascida em 22 de agosto de 1898, esposa de Alzino Ferreira Tintas, o irmão de Juju, e mãe de Mariá, Isabel, Luís, José e Antônio) e Eugênio (nascido em 2 de julho de 1900, casado com Maria Barbosa e pai de Elza, Ennes, Emi, Élio, Eli e Eda).

Por outro lado, a transcrição ainda menciona o CAMINHO VELHO (rumo de João da Silva Machado), isto é, a estrada de ligação de Barreiros com a Fazenda do Sacco, junto ao Lago de Javary, o que comprova a extensão da Fazenda da Estiva até aquele logradouro. De fato, o filho caçula de João (Eugênio, casado com Maria Barbosa) deixou algumas propriedades às margens desse caminho nas proximidades do atual posto de gasolina de Antônio Monteiro (posto do Monteiro na entrada do Plante Café), algumas ainda ocupadas por alguns de seus descendentes.

 

Na próxima edição: A Fazenda do Pantanal e Suas Conexões com Ferreiros