Capítulo 9 - A Fazenda Pantanal e suas conexões com Ferreiros

A Trajetória Histórica do Município de Miguel Pereira

 01/10/2021     Historiador Sebastião Deister      Edição 365
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Ao lado das propriedades Sacco e Retiro, a Fazenda Pantanal foi um dos mais expressivos polos irradiadores de progresso em terras da Vila da Estiva na última década do século XIX. Construída ao lado de uma das ramificações da Variante da Estrada do Comércio que seguia para a Fazenda São José, Pantanal permitia conexões para a Vila de São Sebastião dos Ferreiros e daí para Vassouras, e graças a essa estratégica posição viu-se bastante beneficiada em seus negócios, já que quase todas os viajantes da época precisavam, necessariamente, cruzar aquelas terras quando de suas jornadas para Vassouras ou Paty.

Cumpre lembrar, ainda, a importância da Vila de São Sebastião dos Ferreiros àquela época de colonização. Na realidade, aquele povoado detinha uma posição estratégica e fundamental na Serra, servindo como elo geoeconômico entre Vassouras e as demais freguesias do Tinguá.

Em 18 de dezembro de 1864, o povoado de Ferreiros foi elevado à sede de uma nova Freguesia por força da Lei Provincial nº 1.287, tendo como Matriz a capela construída em louvor de São Sebastião. Os limites da nova Paróquia alcançavam, inclusive, terras do atual Distrito de Governador Portela, cuja igreja, consagrada a Nossa Senhora da Glória, manteve-se subordinada a Ferreiros por vários anos, até ser transferida, já no século XX, para os domínios paroquiais de Nossa Senhora da Conceição de Paty do Alferes.

A Freguesia de São Sebastião dos Ferreiros abrangia um território que compreendia desde a Fazenda dos Prazeres até o córrego dos Taboões e o córrego de Antônio Gonçalves, este último limitando-se com o rio Santana que, na baixada da Serra, assinalava linhas com a Freguesia de Palmeiras. Mais para Leste, sua jurisdição alcançava a Variante da Estrada do Comércio e seguia até as cercanias da Vila de Paty, enquanto que, para o Sul, os ponto limítrofes de Ferreiros situavam-se no Alto do Indaiá para tocar os marcos fronteiriços de Vassouras em terras da Fazenda de Lúcio Corrêa e Castro, seguindo pelas terras de Sacra Família para atravessar Vassouras e então tanger novamente a Fazenda dos Prazeres.

Pelo exposto, podemos avaliar não somente a extensão de tal povoado como a notável importância por ele desempenhada na metade do século XIX. Afinal, praticamente todas as caravanas que se dirigiam para Paty ou Vassouras pelas variantes da Estrada do Comércio teriam, necessariamente, que fazer um pouso naquela freguesia, onde trabalhavam, entre tantos outros pioneiros, Antônio Botelho, Joaquim Seabra e Nicolau de Melo na recepção aos viajantes e nos cuidados com suas montarias. Aliás, trocando ferraduras ou prestando outros serviços aos visitantes e andarilhos, aqueles três homens passaram a ser chamados, genericamente, como "os ferreiros da Freguesia de São Sebastião", daí o nome dado à localidade.

A proximidade de Ferreiros possibilitou a alguns desbravadores a rápida implantação de fazendas, sítios e chácaras pelas colinas que se interpunham entre aquela freguesia e o povoado de Barreiros, e a Fazenda Pantanal não foi exceção nesse processo de ocupação. A princípio, a fazenda pertenceu a D. Thereza Maria de Jesus, esposa de Manoel Pinheiro de Souza. Por volta de 1849, essa rica fazendeira negociou parte de sua propriedade com Manoel Rodrigues Ferreira, que já possuía na área uma extensa data de terras. Com tal compra, Rodrigues Ferreira ampliou seus domínios em Barreiros, levando os limites de seu latifúndio até as linhas divisórias das propriedades de Luiz Quirino da Rocha, para Leste, e José Werneck de Souza, um pouco mais a Oeste. Há razões para crer que esse Luiz Quirino da Rocha fosse o filho primogênito do 1º barão de Palmeiras (Francisco Quirino da Rocha). O barão era casado com D. Luiza Maria de Jesus de Souza, sendo esta filha de Manoel Pinheiro de Souza e de D. Thereza Maria de Jesus. Logo, D. Thereza - provavelmente a primeira proprietária da Fazenda Pantanal - vinha a ser sogra do Barão de Palmeiras e avó de Luiz Quirino, cujas terras faziam limite com a própria área do Pantanal.

Quanto a José Werneck de Souza, somos obrigados a discutir algumas hipóteses. A julgar pela data de venda (1849), é crível que esse proprietário fosse o 12º filho de Inácio de Souza Werneck, de Vera Cruz. De fato, nascido em 11 de julho de 1792, José Werneck de Souza teria, na ocasião do negócio, 57 anos. Entretanto, precisamos alertar aqui para dois detalhes: em primeiro lugar, José tinha um filho com nome idêntico ao seu - na época contando 35 anos - e é possível que o fazendeiro mencionado nos documentos cartoriais seja este, e não o pai. O segundo problema remete-se ao nome, já que nos registros da família Werneck consta José de Souza Werneck tanto para o pai quanto para o filho, e não José Werneck de Souza, como se observa nas cópias da escritura de desmembramentos da Fazenda Pantanal. De qualquer forma, é fato comprovado que Manoel Rodrigues Ferreira passou a ser vizinho de José e Luiz, e a inversão do sobrenome do primeiro talvez deva ser creditada à distração de algum sonolento escrivão daqueles tempos.

Manoel Rodrigues Ferreira administrou suas terras por apenas um par de anos, logo repassando-as para Antônio Ferreira Moura e determinando os limites geográficos dessa venda na linha de separação existente em relação à Fazenda dos Monsores. Ora, sabendo-se que Monsores ficava em área muito próxima de Sacra Família do Tinguá, junto à qual atualmente floresce um pequeno bairro miguelense denominado Cilândia (divisa com Vassouras), pode-se hoje avaliar quão eram extensas as terras da Fazenda Pantanal. Por outro lado, Manoel Rodrigues Ferreira desfez-se do restante de suas terras somente em 1858, quando fechou negócio com o Dr. Luiz Gomes de Souza Telles, agricultor e pecuarista que vinha a ser trineto de Inácio de Souza Werneck, pois descendia diretamente de D. Maria do Carmo Werneck (a primeira filha de Inácio) e do Tenente José Pinheiro de Souza.

A partir de 1882, realizaram-se vários desmembramentos na área ainda íntegra do Pantanal, e para termos uma ideia de como tal loteamento influenciou o crescimento de Barreiros, convém ressaltar, mais uma vez, as amplas dimensões dessa propriedade. Com efeito, sua área de abrangência era extraordinária: a Pantanal alcançava terras que dobravam as colinas em direção ao povoado de Ferreiros, infletia também em direção à Freguesia de Sacra Família e vinha fazer limites, mais a Sudeste, com as fazendas da Estiva e do Sacco em glebas que hoje abrigam o centro de Miguel Pereira. Portanto, bairros miguelenses contemporâneos como Vila Margarida, Vila Suíça, Ramada, Plante Café, Summerville e Buraco dos Burros eram parte integrante dessa fazenda. Por conseguinte, cremos ser possível assegurar, sem medo de erro, que aquela magnífica propriedade interferiu diretamente em todo o processo de urbanização das terras centrais de Barreiros no interregno 1849-1894. Nesse último ano, a fazenda passaria às mãos do Dr. Antônio Botelho Peralta e com ele ganharia dimensões sociais ainda mais expressivas.

Ao longo de dez anos - entre 1882 e 1892 - o povoado de Barreiros acolheu outros pioneiros que, aos poucos, ergueram seus sítios pelas várzeas irrigadas pelo córrego do Sacco. Entre eles, destacaram-se Viriato Felipe Figueira e D. Gertrudes Marianna de Lacerda. Essa senhora, então proprietária do Sítio Alegria, deixaria suas terras como legado para Francisco José Fernandes que, em 1892, trocou-as com Viriato Felipe por uma data de terrenos situada na Pantanal, contígua às terras do Dr. Luiz Gomes de Souza Telles. Recebendo o Sítio Alegria, Viriato explorou-o de maneira bastante racional e promoveu o desenvolvimento daquela pequena área mais ao Sul de Barreiros, facilitando, por consequência, o desbravamento das glebas que atualmente formam o bairro Retiro das Palmeiras. Essas terras abrigaram, depois da iniciativa de Viriato, a Fazenda do Retiro e a Fazenda Venda Velha, cujas atividades permitiram um contato mais rápido com o então embrionário logradouro de Francisco Fragoso, através de outra variante da célebre Estrada do Comércio, e ainda uma conexão mais segura com o povoado de Vera Cruz.

 

Na próxima edição: O Dr. Antônio Botelho Peralta e a Fazenda Pantanal