1938: O Ano da Peste em Miguel Pereira
Em 1938, Miguel Pereira viu-se às voltas com uma verdadeira tragédia: um surto de peste bubônica nascido a partir do péssimo armazenamento de alimentos nos fundos do velho armazém
03/07/2015
Historiador Sebastião Deister
Edição 40
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Em
1938, Miguel Pereira viu-se às voltas com uma verdadeira tragédia: um surto de
peste bubônica nascido a partir do péssimo armazenamento de alimentos nos
fundos do velho armazém administrado por Calmério Rodrigues Ferreira, o Juju.
De fato, a carência de refrigeradores de boa qualidade, a falta de informação
sobre higiene básica na manipulação de víveres, a não existência de serviços de
saúde apropriados e o descuido com a estocagem de mantimentos facilmente
deterioráveis - como cereais, linguiças, toucinhos, salame, presuntos,
carne-seca e queijos, entre outros - criaram o caldo no qual as bactérias, o
mofo e um verdadeiro exército de baratas, carunchos e besouros famigerados
multiplicavam-se às centenas e circulavam sem maiores problemas pelos armazéns
da então pequena e indefesa cidade de Miguel Pereira, devorando, contaminando e
destruindo de forma implacável tudo que encontravam pela frente.
As mortes causadas pela
peste
Num
abrir e piscar de olhos, cinco vidas preciosas foram ceifadas pelo invisível
carrasco da peste. Morriam Siloc e Nilton Ferreira "Tintas" (dois irmãos),
Enéas de Almeida Machado (primo dos dois primeiros, e os três sobrinhos de
Juju) e Sebastião (um tio de Enéas), todos, portanto, membros de uma mesma
família, além de outro jovem de 16 anos, de apelido Zinho, empregado do mesmo
armazém.
Na
verdade, suspeitou-se na época que a peste teria chegado através de um
carregamento de arroz já infectado vindo de Minas, mas isto SE tornou
irrelevante em face do perigo que tal moléstia representava para uma vila onde
os recursos médicos eram limitados e o atendimento hospitalar simplesmente não
existia.
Felizmente,
a imediata e corajosa ação dos médicos locais logrou restringir o mal,
circunscrevendo-o a Miguel Pereira. Contagiosa, assustadora e inapelável, a
peste obrigou o isolamento de casas comerciais e a desinfecção dos trens que
seguiam para Japeri ou Três Rios, afastou visitantes e turistas, fez diminuir
as compras nos armazéns, paralisou obras em hotéis e até mesmo levou os religiosos
a fazer promessas e a buscar salvação junto ao vigário Frei Leandro Nowak, na
Igreja de Santo Antônio. Os profissionais médicos da época mergulharam de corpo
e alma naquela guerra inesperada: Dr. Osvaldo de Araújo Lima - o primeiro a
diagnosticar doença -, Dr. Radamés Marzullo e João Plínio Werneck não mediram
esforços, cuidados e despesas no sentido de debelar aquela insidiosa
enfermidade.
A repercussão da
tragédia
Jornais
da época (ver reproduções) cobriram os fatos de maneira objetiva e sem grandes
sensacionalismos, colaborando assim para que aquela tragédia fosse encarada com
seriedade no Rio de Janeiro. Com isso, a imprensa levou as autoridades a
encetar um imediato trabalho de socorro para Miguel Pereira, cujos resultados
traduziram-se na eliminação do surto em tempo relativamente curto em função dos
serviços especializados trazidos à Serra pelo Dr. Mário Pinotti, então chefe da
Equipe de Sanitaristas da Divisão de Saúde Pública da capital da República.
Em
face da doença, os comerciantes da época logo passaram a cuidar dos seus
estoques de alimentos com maior atenção, e o Departamento de Saúde Pública do
Estado providenciou a pronta vacinação da população, assim prevenindo a cidade
de eventuais epidemias ou surtos provocados por roedores e insetos.