Centro Espírita Joanna D'Arc Amor e Luz
E seus 101 anos
31/03/2023
Historiador Sebastião Deister
Edição 443
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Os primeiros movimentos espiritualistas destinados a
ensinar a doutrina kardecista na antiga Estiva (hoje Miguel Pereira) foram
divulgados pelo casal João da Silva Machado e Isabel de Alarcão Machado. Cumpre
lembrar que João era filho de Antônio da Silva Machado, o Machadinho,
comerciante responsável pela construção da pioneira capela católica em honra de
Santo Antônio, consagrada em 13 de junho de 1898. Por outro lado, Isabel era
filha de Francisco da Silva Machado, irmão de Machadinho. Portanto, João e
Isabel eram primos, o que não os impediu de formar família na vila composta
pelos filhos Pedro (nascido em 29 de junho de 1896, casado com Cinira Rodrigues
Ferreira), Maria (Mariquita, nascida em 22 de agosto de 1898, esposa de Alzino
Rodrigues Ferreira "Tintas") e Eugênio (nascido em 2 de julho de 1900, marido
de Maria Barbosa).
João e Isabel introduziram os preceitos espíritas na
Estiva lá pelos finais do século XIX, abrindo os espaços de sua casa para os
encontros religiosos e ensinamentos dos cânones criados por Allan Kardec
(1804-1869), organizando assim um grupo humano que se transformou na célula
estrutural e vanguardista do centros espiritualistas que, tempos depois, seriam
criados na vila. Simultaneamente, no outro lado da vila, na chamada Fazenda Cabral
ou Solar dos Fraga, já residiam membros da família Fraga. Registre-se que essa
linhagem era oriunda do Sítio Barro Branco, propriedade adstrita às terras de
Arcozelo, em Paty do Alferes. Graças ao casamento de Geraldino Caetano da Fraga
Filho com Laura Fernandes - filha de Honório Fernandes, que, em 1882, comprara
a fazenda fundada pelo Dr. Luiz Gomes de Souza Teles - a centenária estirpe dos
Fraga patienses deitou suas raízes na incipiente Vila da Estiva na década final
do século XIX. Sensibilizado pela falta de espaços adequados para as reuniões promovidas
por João e Isabel, Fraga Filho então optou por oferecer um grande galpão
existente ao lado de sua fazenda, construção que, décadas antes, servira de
abrigo para alguns empregados da fazenda e, anteriormente, como senzala da
fazenda.
Agora mais bem organizado e numeroso, o grupo
resolveu batizar a instituição com o nome de Centro Espírita Amor e Luz.
Todavia, Alzino Rodrigues Ferreira, apelidado "Seu" Tintas (genro de João e
Isabel), irmão de Calmério Ferreira Rodrigues, o Juju, expressou sua vontade de
que fosse acrescido à titulação o nome da heroína francesa Joanna D'Arc, que
tanto lutara em seu país em defesa dos dogmas cristãos e espíritas ao longo da
Guerra dos 100 Anos. Simples camponesa analfabeta, mas dotada de profunda
mediunidade, Joana teve
participação relevante no conflito, liderando as tropas de Carlos VII em
conquistas importantes. Capturada pelos ingleses, foi julgada e condenada à
morte na fogueira por bruxaria, sendo executada aos 19 anos de idade.
Alzino ficara
bastante impressionado com a corajosa trajetória da jovem francesa, razão pela
qual fez sua sugestão ao grupo de religiosos. A ideia foi prontamente aceita, e
assim o centro de espiritualidade passou a ser conhecido como Centro Espírita
Joanna D'Arc Amor e Luz, com todos os trâmites legais de sua fundação ocorrendo
na magna data de 31 de julho de 1921. Mesmo assim, as reuniões continuaram
sendo realizada na fazenda de 1921 a 1928 por conta da falta de um local
próprio. Felizmente, no final desse ano, a família do senhor Manoel Coelho de
Carvalho uniu-se aos esforços dos kardecistas entregando-lhes, em 25 de julho
de 1926, a escritura de doação de um terreno destinado a receber as obras da
sede própria da entidade.
O local era excelente, já que a área doada, bem ao
lado dos trilhos da ferrovia e vizinha do Sítio Samambaia, da família Machado
Bitencourt, situava-se às margens da estrada que ligava Miguel Pereira a
Governador Portela, ganhando, assim, grande visibilidade para os transeuntes.
Por conseguinte, surgiu ali um imóvel que hoje não apresenta suas
características arquitetônicas originais por conta de várias e necessárias
ampliações estruturais Naturalmente, as obras não se completaram de imediato,
pois elas muito dependiam das contribuições dos moradores mais abastados da
cidade no que se referia à necessidade de cimento, tijolos, esquadrias para
janelas e portas, pisos para assoalhos e materiais hidráulicos e elétricos. O
serviço arrastou-se por algum tempo, mas tão logo a estrutura principal foi
concluída realizou-se a cerimônia de inauguração da sede da instituição em 21
de julho de1929.
No dia 1º de agosto do mesmo ano inauguraram-se as
aulas do curso primário em uma saleta agregada ao corpo principal do Centro
Espírita lecionadas pela professora Irene Portella, com lições diurnas para
crianças às 8 horas e noturnas para adultos às 20 horas. A pequenina escola ali
funcionou por meses, até seus alunos serem transferidos para a recém-criada
Escola 13 de Maio, na rua Cipriano Gonçalves.
Em reunião realizada em 1º de novembro de 1931, a
diretoria do centro percebeu a premência de criação de um aporte financeiro
chamado Caixa de Socorro aos Necessitados objetivando cobrir as urgências
imediatas das pessoas mais carentes da cidade. Sempre engajada nos trabalhos
sociais da casa, Dona Áurea Pinheiro propôs que a administração de tais
reservas fosse incorporada à direção da instituição, porém constituída apenas
de mulheres e com mensalidades fixadas em Cr$ 1.000,00. Assim, os gestores de
tais fundos pecuniários organizaram uma superintendência especial tendo como gerente
Áurea Pinheiro, como secretária Otília Soares e como tesoureira Nila de
Oliveira Paiva. Outro problema social de Miguel Pereira remetia-se ao fato de seus
moradores mais humildes não terem como receber atendimento médico, a não ser
que pudessem se deslocar para Vassouras pela ferrovia ou para Governador Portela,
onde havia um pequeno posto de saúde municipal.
Assim, em 2 de janeiro de 1940 teve início a
construção do Ambulatório Joanna D'Arc com a colocação de uma pedra fundamental
no terreno do edifício onde ficaria a clínica. Na ocasião, foi enterrada uma
urna contendo uma edição do jornal carioca Correio da Manhã com a data da
solenidade e mais 3 moedas de níquel. O receptáculo media 15cm x 20cm e fora
ofertada por D. Geny Peralta Pinheiro. Já o local escolhido para a lembrança
foi a área sobre a qual ficaria o assoalho da primeira enfermaria.
Em 1942 o ambulatório foi inaugurado contendo
consultório, 2 enfermarias, sala de curativos, farmácia, sala de raios X e
cozinha. Ali eram às vezes realizadas pequenas cirurgias por solidários
profissionais locais, principalmente os doutores General Ferreira do Amaral e
Radamés Marzullo, sempre sob a égide do Dr. Oswaldo de Araújo Lima que assumira
o cargo de diretor dos serviços ambulatoriais.
O
testamento
Nos anos cinquenta, o Ambulatório Joanna D´Arc
viu-se aquinhoado por uma dádiva extraordinária. O testamento deixado por um
antigo morador da cidade, de sobrenome Von Maner - provavelmente de origem
alemã -, era aberto na Comarca de Vassouras, e nele uma surpreendente cláusula
citava claramente que toda sua fortuna devia ser repassada para o Centro
Espírita Joanna D´Arc, com uma única exigência: o dinheiro devia ser empregado
na construção do Hospital Altamira, na rua São Luiz (atual Cipriano Gonçalves,
no bairro Buraco dos Burros). Ora, uma vez que o Ambulatório Joanna D´Arc,
ligado ao Centro Espírita, estava totalmente concluído, não fazia sentido
erguer-se outro hospital na cidade, mas sim empregar a herança recebida em
obras complementares e na aquisição de equipamentos próprios para o
ambulatório, providência sensata de pronto tomada pelos seus administradores e
corroborada pelo juiz da Comarca de Vassouras.
Se levarmos em consideração a reduzida população de
Miguel Pereira na época, o Hospital/Ambulatório Joanna D´Arc vinha constituir
um luxo para seus pacientes, já tão acostumados às agruras de um atendimento
precário e desconfortável em toda a região. Dotado de quatro amplos quartos,
oferecia ainda banheiros asseados e espaçosos, saleta própria para laboratório,
salão de recepção, serviço médico diário e leito para emergências, além das
áreas médicas já existentes. Sua localização estratégica também facilitava a
chegada de doentes de outras localidades próximas, visto que eles poderiam vir
de ônibus ou automóveis - que estacionavam à porta - ou mesmo de trem, pois ao
lado do prédio, em um ponto ligeiramente recuado, havia uma providencial parada
construída pela direção da ferrovia exatamente para auxiliar os serviços
daquele posto médico. O próprio Sub-Posto de Saúde do Estado veio a funcionar
no Ambulatório Joanna D´Arc no final dos anos cinquenta, até que o prefeito
José Antônio da Silva (Zé Nabo) o transferisse, em 1962, para o Posto de Saúde
do bairro Pantrezina, na Praça da Ponte.
Imagem:
Construção da primeira sede do Centro Espírita D'Arc (entre 1943/1944)
Na próxima
edição: Cartas do Prisioneiro Zé Nabo