Padre Colombo e o Centro Juvenil São Carlos

Em 6 de fevereiro de 1936, a Igreja de Santo Antônio da Estiva recebeu a visita pastoral do Padre João Carlos Colombo, oriundo de uma paróquia localizada em Copacabana.

 16/06/2023     Historiador Sebastião Deister      Edição 454
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Em 6 de fevereiro de 1936, a Igreja de Santo Antônio da Estiva recebeu a visita pastoral do Padre João Carlos Colombo, oriundo de uma paróquia localizada em Copacabana. Em Miguel Pereira, ele rezou as Santas Missões por cerca de cinco meses consecutivos, com missas matinais e ladainhas noturnas. Também no período de 17 a 20 de junho de 1936, na semana de comemorações do padroeiro Santo Antônio, as Santas Missões, iniciadas pelo padre Colombo, foram pregadas por Frei José Augert, religioso especialmente convidado pelo padre Leonardo Felippe Fortunato, então vigário responsável pelas igrejas de Miguel Pereira e de Paty do Alferes. Além dos trabalhos de doutrinação missionária, Padre Colombo fundou na cidade uma escola-orfanato destinada a abrigar crianças carentes e faveladas do Rio de Janeiro (a Colônia de Férias Avi-Agrícola São Jorge, posteriormente batizada como Centro Juvenil São Carlos).

Ainda hoje as autoridades das grandes cidades continuam tentando desenvolver políticas de institucionalização do menor abandonado ou carente e, especialmente, do jovem infrator. Segundo o psicólogo Benedito Adalberto Boletta de Oliveira, crianças e adolescentes abandonados precisam ser amparados, educados e corrigidos, até porque são sempre considerados "bandidos em potencial". Como se corrigem essas condutas de pobreza, de violência e de delinquência? Através de reformatórios nos quais os menores devem ser ressocializados e afastados de suas famílias, espaços que, contudo, transformam-se em verdadeiras escolas de criminalidade.

Tais questões sociais, tão presentes e agudas na sociedade moderna, sempre foram motivo de atenção por parte de muitos religiosos e sempre incomodaram padre Colombo. De fato, em meados do século passado ele estava inteirado das mazelas que afligiam os desassistidos seres humanos que se arrastavam por becos e vielas do Rio de Janeiro.

Nos anos trinta e quarenta, eram patentes os problemas sociais e familiares que até hoje assombram o poder público, tais como a vulnerabilidade de crianças e adolescentes circulando em busca de esmolas e alimentação e lutando pela sobrevivência em uma cidade preconceituosa e indiferente. Esse populacho esquecido e desamparado ainda se vê obrigado a enfrentar o  racismo, a rejeição estrutural de uma sociedade paralisada pelo egoísmo, a crueldade do degradante trabalho infantil, a violência nas ruas e no seio da própria família, o assédio sexual e a depravação física e moral causada pelas drogas, tudo ainda mais comprometido pela falta da escolaridade que poderia ser o suporte para o advento de um futuro mais cristão e humanizante.      

A Colônia em Miguel Pereira tinha por objetivo básico prover a interação social e a educação de crianças preferencialmente órfãs com idades acima de oito anos. De acordo com o padre, tornava-se urgente e imprescindível proporcionar aos indivíduos desamparados e de futuro incerto todos os meios sociais e pedagógicos necessários para sua formação humana e cultural, encaminhando-os para uma vida honesta e honrada.

Claro está que se tratava de uma tarefa ingente e desafiadora, porém o padre já desenvolvia tal tipo de trabalho em sua Paróquia em Copacabana, conduzindo para suas dependências muitos menores abandonados à própria sorte. Nem todos aceitavam a mão estendida, sempre surgiam desconfianças e rebeldias, porém ele não se deixava abater pelo desalento. Em Miguel Pereira, entretanto, o trabalho seria bem mais complicado por conta da logística de trazer jovens do Rio de Janeiro para o interior. De qualquer forma, após sua criação o Centro Juvenil São Carlos já abrigava cerca de 50 internos, assistidos por um sacerdote, duas professoras, três colonos e um administrador. Um bom número deles vinha de favelas do Rio de Janeiro, mas havia famílias de outros estados e, principalmente, de Miguel Pereira.

Porém, os primórdios desta obra na cidade vinham de longe. Em 1949, o padre comprara a antiga Vila Didi (que, anos depois, abrigaria o Hotel Shangri-la), localizada em Javary no ponto em que se iniciava a estrada de acesso a Vera Cruz. Após sucessivas adaptações, o local serviu durante dez anos como Colônia de Férias das crianças faveladas do Rio. O contato constante com a miséria dessas criaturas, que o padre já conhecia dos morros do Rio de Janeiro, sugeriu-lhe a ideia de uma obra que estendesse a assistência social não apenas no período de férias, mas também durante o ano inteiro, oferecendo aos jovens, além de ensino primário e ginasial, uma orientação para qualquer ramo de atividade humana. A ideia medrou, e em 1960 o Centro Juvenil São Carlos comprou o sítio junto ao caminho para a Vargem do Manejo (hoje, Estrada Manoel Guilherme da Silva) onde se estabeleceu em definitivo. Na realidade, o espaço ainda não possuía as instalações necessárias. Havia apenas uma casa acolhedora e um bom terreno à espera de braços para utilizá-lo.

Em 1961 levantou-se um bom dormitório, enquanto os cômodos da casa transformavam-se em capela, salas de aula e refeitório. Claro que os primeiros tempos foram bem difíceis. Comprimidos dentro de quatro paredes, sem luz elétrica e sem conforto, seus moradores suportaram estoicamente durante dois anos o frio do inverno, enquanto trabalhavam, rezavam e esperavam tempo melhores. Foram então construídos dois grande dormitórios, banheiros azulejados, um ótimo refeitório ao lado de ampla cozinha e uma escola moderna e bem aparelhada concluída em meados de 1967. Entretanto, no final desse ano uma avalanche de terra e lama, causada por chuvas intensas, deslizou da montanha e soterrou literalmente parte do antigo prédio, obrigando assim o reinício dos trabalhos e a recuperação de algumas instalações.

Nada, contudo, demoveu o espírito empreendedor da direção da colônia e muito menos o ânimo e a determinação do padre Colombo. Tudo foi reerguido, e para finalizar os benefícios do empreendimento surgiu enfim a energia elétrica para abastecer os prédios trazida da Colônia de Férias da Casa Fernandes vizinha do Centro Juvenil.

Os meninos acolhidos deviam aprender a trabalhar, por isso, o dia constava de duas partes: as horas matinais eram dedicada à lavoura e à limpeza de todos as dependências, enquanto a tarde destinava-se às aulas e à catequese. O padre não se importava muito com o resultado produtivo dos serviços executados pelos menores (respeito aos horários, limpeza, higiene, preparo do solo para plantação, colheita etc.), já que usava tais tarefas para sedimentar o valor educacional do trabalho comunitário e a noção de responsabilidade humana e social. Garantia ele, sabiamente que:

"(...) enquanto a enxada cava e remove a terra, os músculos treinam para ocupações de maior relevo e o intelecto aprende a dura lição de trabalhar como único meio de uma vida honesta e feliz. A nossa finalidade é a promoção humana. Se o garoto sabe que há hoje uma auxílio paternal para socorrê-lo, deve saber também que a sua evolução o dispensará mais tarde de qualquer socorro alheio."

O Centro Juvenil São Carlos ainda administrava uma bem organizada granja, onde três mil frangos eram criados pelos alunos sob a supervisão de um técnico especializado. Ao lado havia também um belo campinho de grama. As horas do estudo e do trabalho eram intercaladas com jogos de futebol e de voleibol durante o dia, enquanto à noite, reunidos diante de uma televisão, eles gozavam momentos felizes nos divertidos programas que eram apresentados.

Para o sustento da colônia, segundo o padre, havia um ingente e constante trabalho para angariar donativos aliados às subvenções federais, o que permitia à entidade melhorar as instalações, alimentar, vestir e instruir a garotada. Todos os colonos que lá trabalhavam - alguns até mesmo de forma voluntária - tinham um ligação familiar com alguns jovens oriundos de Miguel Pereira. Esses serviçais responsabilizavam-se pela manutenção das instalações elétricas e hidráulicas e por funções específicas e especializadas que não podiam ser executadas pelos internos. Como administrador-chefe, ali circulou por anos o senhor Aluízio Peixoto da Silva. Infelizmente, a bela entidade social não resistiu aos impactos econômicos que, vez por outra, atingiam o país, levando a colônia a sofrer com problemas financeiros insolúveis.

Após a morte do seu mentor, a colônia entrou em declínio, restando hoje no local uma estrutura arquitetônica de inestimável valor, silenciosa, sem uso e mergulhada na saudade. De qualquer forma, a entidade Centro Juvenil São Carlos ainda existe no Rio de Janeiro ligada à Paróquia São Paulo Apóstolo.

 

IMAGEM: Portão de entrada do Centro Juvenil São Carlos em Miguel Pereira (1980)

 

Na próxima edição: O futebol dos coroas de Miguel Pereira