Apogeu e queda da Sociedade Força & Luz Vera Cruz
A energia elétrica que chegava em Miguel Pereira era provinda de Paty do Alferes através de uma linha de conexão enviada pelas instalações da usina construída junto ao rio Manga Larga
28/07/2023
Historiador Sebastião Deister
Edição 460
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Lá pelos
idos de 1927, a
Vila da Estiva, já rebatizada como Miguel Pereira, rejubilou-se com a chegada
regular de energia elétrica provinda de Paty do Alferes através de uma linha de
conexão especialmente enviada pelas instalações da usina construída junto ao
rio Manga Larga.
Tudo
começara graças à iniciativa do Dr. Ângelo Lagrotta, qualificado engenheiro
trazido do Rio de Janeiro para a nossa terra pelo Dr. Francisco Alcântara
Machado Gomes, médico já radicado em Paty. A propósito, cremos ser interessante
registrar que o Dr. Alcântara Machado Gomes, tisiologista renomado no Rio de
Janeiro, fizera frequentes visitas a Miguel Pereira e Paty do Alferes no início
dos anos vinte, possivelmente até em consequência da ampla propaganda levada a
efeito anos antes pelo Dr. Miguel Pereira, que afirmava ser nossa terra o local
ideal para a cura de doenças pulmonares.
De
fato, impressionado pelo extraordinário clima da serra, intuiu ele que um
hospital voltado para a recuperação de tuberculosos estaria perfeitamente bem
ambientado na região, e em tempo relativamente curto ergueu um sanatório junto
à estrada que conduz à Fazenda Quindins, numa encruzilhada próxima ao acesso
que leva à Cachoeira da Manga Larga de Cima onde, por coincidência, seu amigo
Lagrotta levantaria a primeira usina hidrelétrica da região. Após a morte do
seu fundador, o sanatório entrou em decadência e atualmente não restam
quaisquer vestígios da obra naquele local.
Deixando-se
conquistar de pronto por aquele rincão verde e manso, e simultaneamente
mostrando-se apreensivo com a falta de luz nos simpáticos e florescentes
povoados serranos de Arcozelo, Paty do Alferes, Miguel Pereira e Governador
Portela - que evidentemente prejudicaria as atividades do sanatório do seu
anfitrião -, o Dr. Lagrotta decidiu fixar residência em Miguel Pereira e de
pronto empreendeu uma envolvente campanha junto à população para erguer uma
usina hidrelétrica que atendesse principalmente às vilas às quais já se sentia
profundamente afeiçoado.
Sua
escolha inicial recaiu sobre a pequena, porém permanente Cachoeira da Manga
Larga de Cima, praticamente no centro de Paty do Alferes. Na realidade,
existiam duas quedas com tal designação naquela área, ambas formadas por um
caudaloso córrego que descia das altivas colinas onde se situa a localidade de
Palmares, as chamadas Manga Larga de Cima e de Baixo. Numa esplanada delimitada
pelas duas quedas, localiza-se até hoje a antiga casa grande da famosa Fazenda
Manga Larga, que pertenceu, inclusive, à família de Francisco Peixoto de
Lacerda Werneck, o barão de Paty, denominação que o povo patiense tomou
emprestada para batizar os dois saltos do ribeirão, aliás as únicas quedas
d'água dentro da zona urbana mais imediata de Paty do Alferes. A propósito,
toda a grande área hoje apresenta um vasto hotel e dezenas de anexos
turísticos.
Para o
Dr. Lagrotta, a topografia do local e seu entorno prestavam-se de maneira
perfeita à construção pretendida, já que o acesso até ali seria fácil e rápido
e o fluxo de água, de acentuada vazão, mostrava suficiente força mecânica para movimentar
dínamos e geradores de boa qualidade, com isso se criando um fluxo de energia
capaz de atender Paty e Miguel Pereira sem solução de continuidade.
Ao Dr. Lagrotta
jamais ocorreu a pretensiosa ideia de que aquele ingente empreendimento devesse
ser tarefa para apenas um homem, por mais recursos financeiros, disposição de
ânimo, competência profissional e fé que ele tivesse. Por conseguinte, portando
plantas cuidadosamente elaboradas e minuciosos esboços de seu ambicioso projeto
em suas diversas e bem arrumadas pastas de trabalho, ele partiu para o Rio de
Janeiro em busca de sócios e patrocinadores, lá obtendo a adesão de alguns
antigos companheiros e amigos de faculdade tão visionários quanto ele. Mas foi
em Paty, pouco tempo depois, que ele encontrou na respeitável e empreendedora
figura de Edmundo Peralta Bernardes o parceiro ideal para a concretização de
seu sonho.
Família Peralta
Edmundo
era membro da tradicional família Bernardes de Paty do Alferes. Neto, pelo lado
paterno, de Manoel Francisco Bernardes (Coronel da Guarda Nacional daquela
Freguesia no século anterior) e de D. Joaquina Maria de Mello Bernardes, era
filho do Capitão Manoel Francisco Bernardes Junior e de D. Ernestina Peralta
Bernardes, tendo como irmãos Manoel Francisco Neto, Marieta e Aydéa, sendo o
caçula dentre eles. Com o aval de tão ilustre sobrenome e os recursos de sua
bem estabelecida família, Edmundo não hesitou em participar da fundação da
Sociedade Anônima Força e Luz Vera Cruz quando convidado pelo Dr. Ângelo
Lagrotta, uma vez que sempre mostrara ser um homem bastante preocupado com os
destinos de Paty, associando-se constantemente aos movimentos políticos e culturais
de sua cidade.
Idealista,
solidário e diligente em suas atitudes, herdeiro de ótimos bens financeiros,
patiense ilustre e respeitado e dono de uma larga visão de futuro, Edmundo
Bernardes abraçou incontinenti a causa do amigo Lagrotta e juntos subscreveram
a fundação da Sociedade Anônima Companhia Força e Luz Vera Cruz, cujos
escritórios administrativos seriam instalados no Rio de Janeiro, à Rua da
Quitanda, cidade em que recursos mais substanciais e outros acionistas poderiam
ser mais facilmente cooptados. Quanto à primeira usina operacional da empresa,
seria ela edificada, como previsto anteriormente, nas cercanias da queda de
Manga Larga de Cima.
Imagem:
sentados: Edmundo Peralta Bernardes (de gravata) e Dr. Ângelo Lagrotta (de óculos), os fundadores da
Cia. Força & Luz Vera Cruz
Na próxima edição: Apogeu e Queda da Sociedade
Força e Luz Vera Cruz - Parte 3