Apogeu e queda da Sociedade Força e Luz Vera Cruz - Parte 4

Além de atender boa parte de Vera Cruz, Arcádia e Santa Branca, a Usina também fez estender outras linhas diretas para Sertão (hoje Conrado), já na baixada do rio Santana e nas terras limítrofes a Paes Leme.

 11/08/2023     Historiador Sebastião Deister      Edição 462
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Empolgado pelo sucesso da Usina de Manga Larga, encorajado pela receptividade popular demonstrada por Paty e Miguel Pereira e escudado nos primeiros lucros de sua empresa, Lagrotta e sócios partiram para o logradouro de Vera Cruz, lá dando partida ao temerário projeto de construir duas novas obras voltadas para a produção de eletricidade na serra: as Usinas de Vera Cruz de Baixo e Vera Cruz de Cima, tendo como base de aproveitamento a esplêndida e contínua corrente do rio Santana e estabelecendo, através das montanhas que circundavam a localidade de Monte Alegre, várias linhas de conexão direta com a Usina de Manga Larga de Cima.

As construções em Vera Cruz configuravam um projeto bastante caro, visionário e quase utópico para aquela época desprovida de garantias financeiras e de recursos de segurança. O grupo comandado por Lagrotta e Edmundo Bernardes, entretanto, não era formado por homens que se esmoreciam diante de eventuais dificuldades logísticas. Pouco a pouco, confrontando e vencendo sacrifícios de toda monta, aqueles admiráveis pioneiros foram derrubando obstáculos, eliminando pessimismos e desfazendo os embaraços da empreitada a que se tinham dedicado com muita fé e incontido destemor. Por conseguinte, lá pelos estertores da década de trinta tanto Manga Larga quanto Vera Cruz acumulavam energia suficiente para iluminar parte de Avelar, grandes áreas de Paty e Miguel Pereira e ainda Governador Portela, sendo que, nesta última localidade, a energia, a princípio, era distribuída tão-somente para a vasta área correspondente à estação da Estrada de Ferro em face da importância do transporte ferroviário pela região.

Além de atender boa parte de Vera Cruz, Arcádia e Santa Branca, a Usina também fez estender outras linhas diretas para Sertão (hoje Conrado), já na baixada do rio Santana e nas terras limítrofes a Paes Leme.

Para que se possa hoje valorizar mais concretamente a grandiosidade desse inédito e quase temerário projeto - levado a efeito numa época em que todo o trabalho de alicerçamento de fundações e levantamento de paredes só podia ser realizado através do uso de pás, picaretas e enxadas e o transporte de quaisquer materiais precisava contar com os músculos e o suor de cavalos, bois e jumentos por colinas íngremes, vales profundos, declives escorregadios e matas cerradas e assustadoras - basta dizer que as várias linhas de transmissão que partiam de Vera Cruz subiam primeiramente pelas encostas agressivas da Serra do Tinguá, circundavam o simpático Lago das Lontras (para cujas fazendas periféricas estendiam seus rabichos alimentadores), desciam à área de Arcádia e depois então eram esticadas unicamente à força do braço humano até os logradouros de Santa Branca e Conrado. Já para o norte, e também a partir de Vera Cruz, os fios galgavam as penedias da Serra do Couto logo após a igrejinha da Piedade, deslocavam-se para leste em direção a Pedras Ruivas e enfim conectavam-se com a Manga Larga, só dali se bifurcando para Miguel Pereira, de onde se ramificavam para a estação de Governador Portela.

Ainda por essa época entrava em ação a Usina de Santa Branca, construída ao lado da bela cachoeira ali existente. Embora se possa pensar, a princípio, que Santa Branca utilizasse diretamente o fluxo da sua conhecida cachoeira, isto de fato não acontecia. As tubulações destinadas à captação direta de suas águas foram distribuídas pelas encostas contíguas às quedas locais, recolhendo o líquido acima da primeira cascata e direcionando-o para a casa de força construída ao lado da estrada de rodagem. Com isso, seus dínamos e geradores poderiam funcionar de forma bem mais eficiente, pois o jorro d'água aprisionado tinha seu ímpeto energético sensivelmente ampliado pelo diâmetro da tubulação e pelo efeito da gravidade, fenômeno que originava uma força mecânica suficientemente poderosa para manter os equipamentos da usina em plena e ininterrupta atividade. Alguns desses antigos tubos ainda se encontram enterrados naquela área, nas proximidades dos velhos prédios da empresa, em sua maioria em péssimo estado de conservação. Na encosta, implantou-se também um escoadouro de cimento a céu aberto, por onde o excesso de água era desviado por ocasião de chuvas mais intensas.

A despeito de produzir razoável quantidade de energia, as instalações de Santa Branca - cujas atividades chegaram a atrair para o local alguns empresários que lá deixaram o Hotel Santa Branca, hoje felizmente de pé e ostentando todas as suas características originais -, não enviavam sua carga para Miguel Pereira e Portela: toda sua produção era canalizada para Petrópolis através da Serra do Tinguá e lá pelos longínquos meandros da Serra de Santa Catarina, graças à implantação de linhas de transmissão que cruzavam toda a área de Marcos da Costa e parte da centenária Estrada do Imperador, indo todas elas desembocar nos contrafortes da Serra das Araras para daí seguir para o Alto da Serra e finalmente para a Cidade Imperial.

Pelo exposto, podemos avaliar como o território da então desconhecida Miguel Pereira desempenhou papel de relevância na produção de energia elétrica para uma imensa área da região serrana na primeira metade do século XX e como os bravos homens daqueles tempos dedicavam-se com afinco e coragem ao trabalho de promover o progresso do chamado Vale do Rio Santana, por meio de um trabalho orientado a todos os seus povoados, independentemente de limites municipais, partidos políticos e bairrismos medievais. Não havia, nas mentes e nos corações daqueles desbravadores notáveis, a preocupação nativista e absurda de contemplar somente este ou aquele logradouro com os benefícios da modernidade, pois tal plêiade de cidadãos era movida pela arraigada convicção de que, fomentando a prosperidade geral da área serrana e do vale do Santana, os povoados ali inseridos estariam em condições de se desenvolver plenamente e aproveitar satisfatoriamente suas vastas e múltiplas potencialidades.

 

Imagem: Ruínas da sede da Cia. Vera Cruz em 1998

 

Na próxima edição: Apogeu e Queda da Sociedade Força e Luz Vera Cruz - Parte 5