Os antigos empórios da Estiva

Episódios Especiais do Passado de Miguel Pereira

 10/11/2023     Historiador Sebastião Deister      Edição 474
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O termo empório refere-se a um lugar caracterizado pelo seu grande fluxo comercial, oferecendo ao consumidor uma farta variedade de produtos. São considerados, assim, sinônimos de bazares ou um gênero especial de estabelecimento comercial onde são vendidos múltiplos tipos de produtos e marcas diferentes, abrangendo um grande plantel de clientes e praticamente todas as segmentações de mercado, como joalherias, vestuário, peças de cama e mesa, bebidas, comestíveis, elementos de decoração e muitos outros produtos populares ou de luxo.

A origem etimológica da palavra vem do latim emporium, significando "feira" ou "lugar para compra e venda". O termo, no entanto, surgiu a partir do grego emporion, que quer dizer "praça do comércio", porém alguns etimologistas acreditam que a verdadeira raiz do vocábulo venham do termo emporos, que inicialmente significava "viajante" ou "passageiro" por conta da situação de andarilho da maioria dos comerciantes de antigamente, quando a maioria das vendas era feita de porta em porta (com os famosos mascates) por não existir então um ponto fixo para os negócios.

Importante lembrar que à época de colonização do Brasil todas as casas comerciais eram conhecidas como empórios, isto é, havia um forte conceito de relacionamento com determinado estabelecimento onde era possível encontrar os itens mais importantes para a manutenção de uma casa e, principalmente, os chamados produtos "secos e molhados", ou seja, víveres essenciais como arroz, feijão, fubá, açúcar, temperos, sal, milho, trigo, café, biscoitos, farinha e aqueles mais perecíveis (os molhados) como todos os tipos de carne, doces, ovos e qualquer espécie de líquido, além da oferta de verduras e legumes. Ao longo do tempo, o empório foi ganhando sinônimos bem típicos, como mercadinho, armazém, mercearia, venda, quitanda, bodega.

O histórico período de comercialização varejista de secos e molhados foi, sem dúvida, uma atividade fundamental em todas as cidades brasileiras, na qual a amizade, a intimidade e a confiança nascidas entre fregueses e o proprietário do empório era a pedra basilar tanto no atendimento quanto na própria manutenção e progresso da casa comercial. Diferentemente dos trabalhos encontrados hoje em dia na impessoalidade e rapidez dos hipermercados, no velho empório o próprio comerciante, muitas vezes, atendia seus clientes dispensando-lhe atenção e cortesia, embalando os produtos solicitados, gerando uma rápida prosa, recebendo pagamentos e fazendo trocos. Entrementes, a azáfama e a modernidade das grandes cidades já não permitem tal troca de gentilezas, e a tranquila e feliz urbanidade das antigas ambiências comerciais ficaram restritas a algumas poucas localidades da roça brasileira, onde ainda é possível se deparar com um simpático e afável dono de um empório sentadinho a um canto do balcão pitando seu cigarrinho de palha e afagando um cão sereno e pachorrento.

Nos anos entrantes do século XX, a presença dos empórios foi bastante significativa na velha Estiva. De fato, vindo de um período pós-imperial e pós-escravocrata, o lugarejo via-se desprovido da oferta de gêneros de primeira necessidade para as numerosas pessoas que se instalavam na região, em especial as famílias de muitos imigrantes e dezenas de trabalhadores contratados pela Estrada de Ferro que chegava com força à região. Pela chamada rua da Estação (hoje General Ferreira do Amaral, nome de um conhecido médico que auxiliava Bonifácio Portela em sua farmácia), o comércio já se fazia presente a partir de 1911 com a implantação de um "armazém de secos e molhados" pertencente a Alberto Francisco Corrêa, que construíra um espaçoso prédio de dois pavimentos numa estratégica esquina com a futura rua Luiz Pamplona, de frente para os trilhos que cortavam o centro de Miguel Pereira.

No térreo, funcionou por longos anos o seu empório, e nas salas superiores - a princípio ocupadas pela família - os anos cinquenta iriam recepcionar os consultórios do médico Dr. Manoel Vieira Muniz e do seu cunhado, o dentista Dr. José "Zezé" Ferreira Gomes Filho. Tempos depois, em um terreno nos fundos de seu armazém, Alberto Corrêa levantou sua residência definitiva, nela criando, ao lado da esposa Elydia de Lima Corrêa, toda a sua família formada por quatro filhas (Sebastiana, Hercília, Luiza "Zinha" e Antonieta) e três filhos (Adélio, Lincoln).

Particularmente entre 1914 a 1923, o Armazém do Corrêa converteu-se num ponto de referência muito famoso em Miguel Pereira e num local de encontro entre ilustres personagens da cidade, que ali faziam suas compras regulares de gêneros de primeira necessidade. Bem localizado junto à linha férrea, amplo e sortido, o empório vendia de tudo, desde pregos, arames, dobradiças, cobertores, toalhas, açúcar, sal, farinha, fubá, carne-seca, víveres em geral, bebidas, aguardente, papel para embalagem, vidros de lampião, velas, querosene, canetas, lápis, corda, sapatos, meias, pratos e talheres, almofadas, fronhas, sacos de milho e de batatas e ferramentas, além de socorrer um amigo em momentos de crise com empréstimos emergenciais, como se pode comprovar em seu livro de caixa fechado no ano de 1912. Na metade do de 1913, um dos seus espaços no pavimento inferior passou a abrigar também uma alfaiataria, uma notável novidade na velha Estiva.

Somente depois do aparecimento do armazém de Calmério "Juju" Rodrigues Ferreira, na rua da Igreja (agora Calçadão do Viô), e do empório de Avelino Lopes Ribeiro, no outro lado dos trilhos (hoje Bar Leal e ponto da loteria), o estabelecimento de Alberto Corrêa passou a enfrentar uma concorrência comercial mais expressiva.  Nos anos cinquenta, seus descendentes repassaram o ponto para o senhor Irineu Pinto, que o administrou por largo tempo, até que, nos últimos anos da década de setenta, todas as suas instalações foram demolidas para que, naquele terreno privilegiado, fosse erguido um prédio destinado a abrigar a agência do Banco BANERJ (atual agência do Itaú) e um Posto de Atendimento da Coletoria Estadual.

Na décadas seguintes, Miguel Pereira conheceu os primeiros trabalhos dos chamados supermercados de autoatendimento, entre eles Casas da Banha, Almezani, Vizeu e Salgadão, estando hoje recebendo os serviços do Bramil e do Unidos. Naturalmente, Portela e Barão de Javary também viram-se servidos por alguns mercados e mercearias.

Imagem: Prédio do Armazém de Alberto Francisco Corrêa (1912) na antiga Estiva no início da rua General Ferreira do Amaral.

 

Na próxima edição: As Padarias Pioneiras