As padarias pioneiras de Miguel Pereira

Episódios Especiais do Passado de Miguel Pereira

 17/11/2023     Historiador Sebastião Deister      Edição 475
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Nas primeiras décadas do século XX, os pães, os quindins, as cocadas, as queijadinhas e outras guloseimas tão comuns e apreciadas em todas as padarias do interior eram um verdadeiro luxo para os moradores da pequena Vila da Estiva que, nas décadas entrantes dos século XX, acompanhava a iniciativa de alguns comerciantes que colaboravam ativamente para a implantação de alguns empórios variados pelas ruas simples e ainda despojadas de maiores atrativos.

Algumas poucas famílias, pioneiras e decididas, fabricavam tais delícias em fornos rústicos de barro, construídos nos fundos de seus quintais. Para comprar algumas variedades de pão, todavia, era preciso esperar que Adriano "Peixeiro", uma das grandes figuras folclóricas da época, fosse buscá-las em Belém (hoje Japeri) depois de algumas horas de estafante viagem de trem tracionado pela maria fumaça, providência que, a despeito da boa vontade do comerciante, não resolvia o problema de abastecimento da cidade, visto que tão precioso produto chegava aos moradores um tanto murcho, sem sabor e com seu preço bastante inflacionado. Frequentemente, o pão desembarcava impregnado pelos fortes odores exalados pelos peixes que eram transportados em primitivos cestos amarrados aos sacos de estopa que protegiam - sem sucesso - as bisnagas e os biscoitos tão aguardados pelos miguelenses.

Analisando tais circunstâncias, Polycarpo Machado Barbosa (conhecido no lugar como Lique) decidiu abrir a primeira padaria da cidade, servindo-se das habilidades domésticas e culinárias de sua esposa, Cecília Rodrigues Barbosa (nascida em 12 de dezembro de 1900), que já então produzia os petiscos caseiros que tanto a notabilizariam em Miguel Pereira. Assim, determinado a colaborar com o crescimento do lugar, o casal aproveitou parte das instalações do armazém de Calmério Rodrigues Ferreira, o Juju (no espaço hoje ocupado pela galeria RC Box) para implantar seu pioneiro negócio. Registre-se que Lique e Cecília eram naturais da área do Pirauí (4º distrito de Vassouras). Após o nascimento dos filhos Manoel Guilherme, o Nelzinho, Noel Guilherme, Consuelo e Sandra o casal veio para a antiga Estiva.

A princípio fabricado de maneira quase artesanal em fornos de barro alimentados com lenha, praticamente espremidos nos fundos de um estreito corredor de acesso ao empório de Juju, "o pão do Lique" de imediato caiu no gosto popular, trazendo-lhe fama e numerosos fregueses. Isso permitiu ao casal amealhar um bom patrimônio financeiro, com o qual adquiriu, poucos anos depois, a casa do seu amigo Simeão, situada do outro lado da rua (hoje Calçadão do Viô), defronte de sua original e quase improvisada padaria.

No novo local, mais amplo, arejado e com as portas abertas diretamente para a rua da Igreja (hoje Calçadão do Viô), Lique e Cecília implantaram a Padaria e Confeitaria Santa Cecília, um marco no comércio de Miguel Pereira e até hoje em pleno funcionamento, embora os atuais proprietários não mantenham laços consanguíneos com a família Barbosa. De qualquer forma, a casa ainda mantém o título próprio de Panificação Santa Cecília, embora seja mais conhecida pelo nome de fantasia: Padaria do Angu.

O casal então adequou o prédio às suas necessidades, pois nos fundos do mesmo havia não apenas a área destinada aos fornos do estabelecimento como ainda espaço suficiente para a construção da residência da família. Como curiosidade adicional, seria bom registrar que o primeiro saco de farinha, os primeiros quilos de açúcar e de sal e o fermento necessário para a fabricação daquele pão inédito na cidade foram fornecidos por Juju como um favor muito especial a D. Cecília - que, a propósito, mantinha com ele laços de parentesco - já que na época o comerciante e Lique não se relacionavam em consequência de várias divergências provocadas pela compra e venda de gado, atividades que eram amplamente exploradas por ambos e, por diversas vezes, causara graves atritos entre os dois pioneiros da vila.

Mesmo enfrentando, posteriormente, a concorrência da padaria de José Guedes (espaço agora ocupado pela Loja Pardal Tintas), localizada defronte do seu estabelecimento, a confeitaria de D. Cecília desfrutou de um sucesso imediato, principalmente em função dos doces e guloseimas que ela preparava com muita competência. Vale a pena registrar que José Guedes, casado com d. Maria Rosa, deixou na cidade os descendentes Josimeri (professora falecida e uma das fundadoras do CCAA na cidade), Núbia e o comerciante José Filho.

Em relação aos filhos de Lique e Cecília, registremos:

 

- Manoel Guilherme, prefeito de Miguel Pereira em duas gestões (31.01.1967 a 31.01.1971 e 31.01.1977 a 31.01.1983). Casou-se com Ilca dos Prazeres (Mana), gerando com ela Sérgio, Ilma e Manoel Guilherme Filho;

 

- Noel Guilherme, bancário, casado com D. Iêda Brügger, tendo com ela os filhos Luís Fernando, Fernando Luís e Flávia;

 

- Consuelo, esposa de Waldemar Pereira Soares, com quem teve os filhos Eduardo e Eliane;

 

- Sandra, casada com Jorge Francisco Tavares, herdeira das habilidades da mãe e até hoje trabalhando na área de doceria. Jorge e Sandra tiveram três filhos: Júlio César, Luís Sérgio (ambos falecidos muito jovens) e Jorge Augusto, apelidado Tuba, ex-vereador miguelense.

 

      Importante lembrar que Lique possuía o sobrenome Machado, mas não mantinha laços consanguíneos diretos com Machadinho ou com Francisco, já que viera de outra linhagem radicada nas terras vassourenses de Pirauí.

Lembre-se, ainda, que Cecília faleceu em 31 de dezembro de 1994 aos 94 anos.

 

Imagem: D. Cecília Rodrigues Barbosa

 

Na próxima edição: Os cinemas no município