As origens do Miguel Pereira Atlético Clube - Parte 2

A primeira diretoria e a construção do campo de futebol

 22/12/2023     Historiador Sebastião Deister      Edição 480
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A Diretoria do Miguel Pereira Atlético Clube - título escolhido por unanimidade pelos fundadores - ficou assim constituída:

 

          PRESIDENTE - Manoel Bernardes Sobrinho (Manduca)

          VICE-PRESIDENTE - Dr. João Alberto Masô

          1º SECRETÁRIO - Felipe Carvalho

          2º SECRETÁRIO - Alzino Rodrigues Ferreira Tinta

          1º DIRETOR ESPORTIVO - Daniel Bernardes

          2º DIRETOR ESPORTIVO - Francisco Villet Peralta

          TESOUREIRO - Calmério Rodrigues Ferreira (Juju)

          PROCURADOR - Antônio Ferreira Real

          FISCAL DO CAMPO - Adalvet Rodrigues Ferreira

          ZELADOR - Daniel Bernardes

 

Juju era um dos maiores latifundiários da região e dono um terreno magnífico ao lado da Igreja de Santo Antônio, isto é, no coração da cidade. Na condição de grande amigo de Manduca e consagrado com uma maciça votação para o cargo de tesoureiro do novo clube - em face de sua ilibada honestidade, mas especialmente pelo abissal apego que demonstrava pelo dinheiro - ele precisava dar o troco para Dino Fraga, seu rival em riquezas e terras, o qual agraciara o Estiva Futebol Clube dois anos antes com um campo de futebol, com isso se rotulando como um mecenas para os moradores mais humildes da vila e o pioneiro que acolhia os jogadores de futebol do lugar.

Tomado por motivações profundamente pessoais e orgulhosas, Juju de pronto procedeu à doação da área onde seria construído o campo de futebol do Miguel Pereira Atlético Clube. O terreno, de fato, não poderia ser melhor: apresentava as dimensões adequadas, era plano e localizava-se no centro de Miguel Pereira, a poucos metros da estação ferroviária e bem ao lado do grande pátio que fronteava a igreja de Santo Antônio da Estiva.

Embora a área não exigisse maiores serviços de nivelamento ou terraplenagem (até mesmo impossíveis para a época em função da falta de máquinas próprias), seu amplo espaço alagava-se com facilidade quando castigado pelas chuvas mais fortes de verão, em virtude da existência de um pequeno desnível na extremidade voltada para a atual rua Francisco Alves (área onde seria construído, décadas depois, o Fórum do município), formando-se ali, com certa constância, um pequeno charco.

Preocupada com esse desagradável inconveniente topográfico, a equipe responsável pela preparação do campo - comandada pelo incansável Vevete - decidiu melhorar as condições daquele ponto específico, e durante um mês os trabalhadores contratados por Juju carregaram argila e saibro em carrinhos-de-mão, carros-de-bois e carroças puxadas por cavalos e jumentos para corrigir um pouco o aspecto daquele pequeno banhado tão indesejável.

Devido à complexidade natural que envolve a construção de um campo de futebol, pode parecer inverídico que o estádio do Miguel Pereira Atlético Clube tenha sido aprontado em apenas um mês e poucos dias, principalmente quando se sabe da absoluta inexistência de engenharia mais especializada em Miguel Pereira no ano de 1930. Todavia, graças a uma interessante característica natural, a área escolhida já se apresentava quase totalmente gramada. Nela se desenvolvia, com intenso vigor, uma espécie de gramínea nativa, selvagem e resistente, e ali os irmãos Vevete e Juju de há muito tempo pastoreavam seu gado e, em especial, suas adoradas cabras e ovelhas. Não havia, por consequência, vegetação daninha que devesse ser extirpada do solo nem tampouco árvores ou arbustos a se remover do local. Por conseguinte, o piso encontrava-se praticamente gramado, horizontalizado e pronto para uso. Isto explica o fato de o campo de futebol ter sido concluído em tempo recorde para a época, embora a carência de recursos de engenharia tenha dificultado bastante os trabalhos e exigido dos operários e voluntários muito sacrifício pessoal, uma inabalável dose de paciência e criatividade e, claro, muito suor.

Impressionada e mobilizada pela notável liderança exercida por Manduca e Juju - coadjuvados por homens do naipe de Masô, "Tintas", Antônio Real, Peralta e dezenas de membros da família Bernardes -, a população de Miguel Pereira abraçou de corpo e alma aquela empreitada extenuante prontamente escarnecida pelos "inimigos que militavam no Estiva". Diariamente, depois das 4 horas da tarde, chegavam ao local de trabalho os moradores das proximidades e os peões que cuidavam do gado de Juju pelas cercanias da cidade.

Ferroviários que vinham da estação e pedreiros que deixavam suas obras naquele horário depunham suas marmitas humildes sob as árvores ou no interior de carroças e entregavam-se ao serviço com afinco e muita disposição, às vezes até o sol cálido do outono serrano desmaiar por trás das colinas vizinhas. Namoradas ou esposas, filhas ou sobrinhas, mães ou tias, irmãos e irmãs menores vinham, com alegria e curiosidade, acompanhar aqueles obras inéditas e ininterruptas, oferecendo café em canecas de ágata esmaltada ou então preparando sanduíches frequentemente compostos de um simples pedaço de pão repleto de manteiga.

Com chuva e com sol, do amanhecer ao anoitecer e mesmo nos finais de semana, lá estavam os trabalhadores obstinados, idealistas, corajosos e sempre sorridentes, muitas vezes estimulados por um bom gole de cachaça. Com as mãos enfiadas na terra, a fé em Deus e os olhos no futuro, todos tinham plena consciência de que seu campo, seu estádio de futebol, seu ponto de encontro e lazer, o sonho de seus corações, a diversão de seus filhos precisava ser construído como rápida e incisiva resposta aos antipáticos "e petulantes senhores do Estiva"!

     Não obstante os embaraços das obras e a dificuldade de equipamentos mais adequados ao serviço, nada se afigurou difícil ou impossível para aquela especialíssima linhagem de homens e mulheres da serra: exatamente 47 dias depois da intempestiva e ciumenta decisão de Manduca, lá estavam os autores de tão incrível façanha contemplando sua obra, num domingo de muito sol e justamente no dia do Padroeiro que, do outro lado da rua, tanto os estimulara: 13 de junho de 1930. Assim, acorriam todos para o campo, a fim de participar das estrepitosas solenidades prometidas pela direção do clube.

 

IMAGEM: O Campo prestes a ser inaugurado: 12 de junho de 1930

 

Na próxima edição: A Inauguração do Estádio de Futebol