Farmacêutico Bonifácio de Macedo Portella

Apesar de tantas realizações na área do comércio, das comunicações, da saúde e da construção civil, a infraestrutura de Miguel Pereira ainda se mostrava dolorosamente precária na metade do século XX!

 08/01/2016     Historiador Sebastião Deister      Edição 67
Compartilhe:       

Apesar de tantas realizações na área do comércio, das comunicações, da saúde e da construção civil, a infraestrutura de Miguel Pereira ainda se mostrava dolorosamente precária na metade do século XX! Todavia, algumas de suas urgências foram prontamente atacadas por Bonifácio de Macedo Portella, então prefeito de Vassouras. Cortês, paciente e solidário com os menos afortunados e sensível aos problemas de saúde e educação de uma população tão carente, o habilidoso farmacêutico instalou na atual rua Machado Bitencourt a primeira farmácia da nascente cidade, adequadamente intitulada "Pharmácia Portella", num velho prédio que, por alguns anos, seria a única construção daquela rua e cujos históricos espaços hoje são ocupados pela casa Aurora.

Político de larga visão, Bonifácio Portella logo percebeu que naquela vila poderia desempenhar dois papéis fundamentais: levar adiante a sua amada profissão de farmacêutico junto àquele povo simplório e carente e valer-se de seu cargo político para administrar Miguel Pereira. Caridoso e sempre bem-humorado, Portella de imediato transformou-se num ponto de referência para os moradores da serra, que nele encontravam sempre uma prosa agradável e estimulante ou um conselho profissional e equilibrado. Pessoas doentes procuravam-no em busca de compressas e emplastros, elixires e analgésicos miraculosos ou curativos de urgência. Por essa razão, Bonifácio mantinha estreitos contatos com alguns médicos do local, como o Dr. Osvaldo de Araújo Lima, Dr. Radamés Marzullo e o Dr. Ferreira do Amaral. Por diversas vezes, o farmacêutico convocou-os à farmácia para quem eles providenciassem pequenas cirurgias, diagnósticos mais precisos ou mesmo a sutura de algumas lesões mais sérias que seus clientes diários insistiam em mostrar a ele e não aos médicos, tamanha era a medida de confiança que ele despertava naquelas almas ingênuas e sofridas.

Como farmacêutico, cobrava por seus serviços quando era possível, fingia não ouvir perguntas sobre o valor de um atendimento ao perceber a pobreza do consulente e ensinava de bom grado o uso de ervas, raízes e poções para aqueles que se queixavam de dores de cabeça, mal-estar estomacal, dentes inflamados, garganta irritada, dor de ouvido, picadas de insetos, prisão de ventre ou de outras mazelas típicas da roça.

Adorado pela população humilde, descobriu-se um dia sendo chamado de "Doutor" pelos moradores de Miguel Pereira e Portela. Demonstrava, todavia, a mais profunda irritação ao ouvir tal tratamento, fazendo questão cerrada de corrigir as pessoas e assegurar que ele era um farmacêutico e um aprendiz de político, e não um médico, mas suas perorações jamais surtiram efeito e o povo mais simples continuou a chamá-lo assim pelo resto de vida. A sua caridade sem limites estendia-se a todos os moradores, pobres ou não, e esses retribuíam sua imensurável generosidade na medida de suas posses reduzidas e de sua notável criatividade. Por diversas vezes, Bonifácio Portella encontrou à porta da farmácia ou na varanda de sua casa (localizada no outro lado dos trilhos, na área hoje ocupada pelo Shopping Flamboyant) os presentes mais inusitados, como galinhas cacarejantes enfiadas em sacos de aniagem, leitões acomodados em caixotes improvisados ou hortaliças e frutas fresquinhas acondicionadas em cestas de bambu, donativos de admiradores e clientes anônimos que, não dispondo de dinheiro para pagar pelas benesses recebidas do "Doutor Portella", assim recompensavam sua bondade e seu despre3ndimento profissional.

Bonifácio Portella, contudo, não se restringia apenas a trabalhos sociais e profissionais em Miguel Pereira. A política estava em seu sangue e, em virtude dessa personalidade múltipla e atuante, veio a ser Prefeito de Vassouras por dois períodos - de dezembro de 1935 a maio de 1936 e de agosto de 1936 a novembro de 1937 -, governos municipais aproveitados para carrear recursos e benefícios para Miguel Pereira e Governador Portela, como alargamento e calçamento de ruas, melhor distribuição de postes e vias elétricas, colocação de manilhas nas principais ruas dos dois distritos e canalização mais racional do córrego do Sacco no centro da cidade.

Ao lado dos amigos Geraldino Caetano da Fraga e Major Ariovisto A. Rêgo, do empresário Newton Land e outros próceres locais, Bonifácio logrou implantar em Miguel Pereira um posto da Companhia Telefônica Brasileira, empreendimento que, além de estabelecer melhores comunicações  com o Rio de Janeiro, possibilitou também a oferta de emprego para algumas senhoritas da cidade. Esse importante acontecimento deu margem a outra reivindicação por parte dos comerciantes e políticos miguelenses: o calçamento da rua da Estação e do Largo do Machadinho. Afinal, com o aumento da população, o movimento diário de trens transportando inúmeros veranistas para a Serra e o incremento do comércio daquela área, então enriquecida com a inauguração da telefônica, não se podia admitir que o coração de Miguel Pereira permanecesse com uma rua tão importante sem pavimentação adequada.

Rendendo-se aos apelos de Geraldino, Ariovisto, professor Lindemann, José Ferreira Gomes, Calmério Rodrigues Ferreira (o Juju), Zair Pragana e a esposa Jandira, além de membros das famílias Bernardes,  Nonno e Pereira Soares e da população em geral -, Bonifácio conseguiu então o calçamento para a Rua da Estação, solenemente inaugurado em outubro de 1937. Poucos anos depois, seria ela então batizada como rua General Ferreira do Amaral, mantendo-se com tal designação até hoje. Para Bonifácio, aquela foi sua última inauguração em Miguel Pereira na qualidade de Prefeito de Vassouras, pois no mês seguinte deixaria a Prefeitura, abandonando a política e mudando-se em definitivo para nossa cidade, onde dedicaria os últimos anos de sua vida aos filhos e netos.

Nascido em 13 de maio de 1888, Bonifácio de Macedo Portella contraiu seu primeiro matrimônio com D. Isabel de Azurara, tendo com ela os filhos Zeno, Paulo, Diná e Rui. Enviuvando, casou-se então com D. Iracema, com quem não teve filhos. Com a segunda esposa, Bonifácio viveu bons anos em sua querida Miguel Pereira, administrando sua farmácia e convivendo com a família, os amigos e seus vários admiradores. Feliz e realizado, veio a falecer no dia 18 de janeiro de 1950, quatro meses antes de completar 62 anos.