Manoel Congo, 176 anos de esquecimento

Líder de uma revolta escrava em Paty do Alferes que abalou os alicerces do então município de Vassouras

 18/09/2015     Historiador Sebastião Deister      Edição 51
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No último dia 6, domingo, registrou-se o 176º aniversário de morte do negro Manoel Congo, líder de uma revolta escrava em Paty do Alferes que abalou os alicerces do então município de Vassouras e cujo valor, como homem, como líder e como herói de sua etnia, tem sido tão pouco reconhecido na história da escravatura imposta pelo Vale do Paraíba entre os séculos XVII e XIX.

Segundo consta, Manoel Congo era um negro forte e habilidoso, de pouca fala e sorriso escasso. Provavelmente chegado ao Brasil nas décadas iniciais do século XIX, logo ao deembaracar foi apresentado no cais da Praia do Valongo (atual Praça XV), tendo sido de pronto adquirido pelo Capitão-Mor de Ordenanças Manuel Francisco Xavier e trazido para prestar serviços nas três fazendas daquele escravagista: Freguesia (hoje Aldeia de Arcozelo), Santa Thereza (subsidiária da Freguesia) e Maravilha. Como era comum entre os escravos nascidos na África, seu nome era composto por um prenome português associado ao nome de sua "nação" ou região de origem, nesse caso o Congo. Manoel era ferreiro, ofício que requeria treinamento e habilidade, o que certamente lhe conferia superioridade sobre outros escravos e maior valor econômico no seio do período ecravagista que imperava no Brasil.

A sociedade da época tinha grande carência de ferreiros e marceneiros, tanto que, em 1832, foi criada em Vassouras a "Sociedade Promotora da Civilização e da Indústria" que, entre outras coisas, treinava os escravos considerados mais hábeis e inteligentes no ofício de ferreiro. Dotado de grande espírito de liderança, corajoso e decidido, Manoel promoveu uma fuga audaciosa na noite de 7 de novembro de 1838, conduzindo mais de duas centenas de fugitivos ? entre homens, mulheres e crianças ? em direção à Serra de Santa Catarina (divisa de Petrópolis), onde pretendia instalar um quilombo.

No ofício datado de 13 de novembro de 1838 a Paulino José Soares de Souza, então Presidente da Província do Rio de Janeiro, o Juiz de Paz de Vassouras ? José Pinheiro de Souza Werneck ? solicitou imediatas providências para a captura dos rebelados, os quais foram duramente perseguidos e aprisionados pelo barão de Paty (Francisco Peixoto de Lacerda Werneck) após intensa luta nas matas adjacentes a Paty. Entre os mais importantes cabeças do movimento, encontravam-se também Miguel Crioulo, Belarmino Congo, Afonso Angola, João Angola, Adão Benguela, Epifânio Moçambique, Canuto Moçambique. Antônio Magro, Pedro Dias e Justino Benguela, além de Mariana Crioula, Rita Crioula, Lourença Crioula, Brígida Crioula, Joana Mofumbe, Josefa Angola, Emília Conga, Balbina Congo e Manoela Angola.

A propósito, Mariana Crioula era uma escrava nascida no Brasil, com cerca de 30 anos na época. Era costureira e mucama (escrava de companhia, então conhecidas como ?negras de porta a dentrro?) de Francisca Elisa Xavier, esposa do capitão-mor Manuel Francisco Xavier. Foi descrita como sendo uma "preta de estimação", assim como uma das escravas mais dóceis e confiáveis da sua patroa, o que certamente a livrou da morte por enforcamento. Todavia, foi a mulher que mais resistiu à prisão, combatendo com firmeza os homens do barão de Paty.

Julgado em Vassouras, Manoel Congo foi condenado à forca, subindo ao patíbulo em 6 de setembro de 1839. Casado com a negra Balbina Conga, Manoel deixou uma filha de nome Concórdia.

Os demais revoltosos receberam como pena 650 açoites cada um, dados cinquenta por dia, na forma da Lei. Quanto às demais mulheres, também acabaram por ser absolvidas, talvez por interferência de D. Francisca Eliza Xavier, que tinha por elas grande apreço.

A fazenda Freguesia, um dos locais da revolta, é atualmente o Centro Cultural Aldeia de Arcozelo em Paty do Alferes, o maior em área da América Latina. A antiga capela da casa grande foi consagrada à memória dos escravos condenados pela rebelião. Na sua frente estão escritos os nomes de Manuel Congo e dos outros escravos julgados pela revolta, porém os nomes de mais de vinte escravos mortos no combate foram esquecidos, pois não foram registrados nos processos penais.

O Largo da Forca, onde foi executado Manuel Congo, é o atual Largo da Pedreira em Vassouras. Neste local foi construído, em 1996, o Memorial de Manuel Congo.

 

Por outro lado, a fazenda Maravilha ? ponto central da fuga em direção à serra de Santa Catarina ? desapareceu, existindo no lugar apenas parte de um grande paredão de pedras que contornava a casa-grande.