Santana das Palmeiras do Alto da Serra do Comércio - Sítios Históricos do Sul Fluminense
Santana das Palmeiras teve uma vida efêmera e até mesmo melancólica. Em 1858, uma devastadora epidemia de malária varreu a baixada de Iguassú
14/10/2016
Historiador Sebastião Deister
Edição 107
Compartilhe:
A Estrada
do Comércio, rasgada no coração da floresta do Tinguá e que tanto progresso
transportou para as áreas inseridas entre a Baixada de Iguaçu e as regiões de
Valença e Rio das Flores, serviu de pretexto para uma das mais ousadas obras do
barão de Paty do Alferes (Francisco Peixoto de Lacerda Werneck) na metade do
século XIX. Às margens dela, ele tentou concretizar seu sonho de construir uma
cidade que alicerçasse um trecho de apoio às caravanas que circulavam
diariamente entre os vales dos rios Paraíba e Santana e o Rio de Janeiro, ao
mesmo tempo em que pretendia homenagear a princesa Isabel, batizando a vila
como nome de Isabelópolis em consonância com Petrópolis (a cidade de D. Pedro
II).
Contudo,
Isabelópolis não passou de uma caríssima e frustrada utopia, pois nela
Francisco gastou cerca de 60 contos de réis, uma fortuna expressiva para a
época. Por outro lado, as obras minaram parte de sua resistência orgânica, testaram
ao extremo sua paciência e levaram à morte vários de seus preciosos escravos,
alguns abatidos pela dureza do trabalho e outros tantos dizimados por doenças
tropicais galopantes, como o cólera, a malária e a febre amarela. Também onerado
por dívidas geometricamente crescentes, sofrendo com safras ruins e
insuficientes em suas fazendas, enfrentando graves problemas com a reposição de
mão-de-obra qualificada e principalmente lutando contra a carestia de gêneros
necessários à manutenção de seu numeroso plantel escravo, mostrou ele um
profundo desagrado com algumas medidas econômicas tomadas no Brasil que, por
vezes, corroíam seus bens financeiros.
De qualquer
forma, entre 1851 e 1852 o barão, perseverante, otimista e esperançoso como era
de seu perfil, já mantinha 30 trabalhadores e mais 12 juntas de bois envolvidos
nos serviços de remodelação e ampliação da capela no Alto da Serra do Comércio.
A Igreja de Santana, totalmente levantada em pedras colossais, deveria dominar,
no espaço de um ano, uma área de 150 fogos (ou seja, 150 famílias), mas em
finais de 1852 encontrava-se ainda desamparada dos serviços da religião.
A obra
estava quase totalmente terminada quando três dias de chuvas ininterruptas e
violentas fizeram vir abaixo sua torre e toda a fachada da Igreja. A parede do
leste, desaprumada, precisou também ser de pronto demolida, da mesma forma como
a parede dos fundos. Obstinado, levou ele seu projeto à frente. No mês
seguinte, encontrava-se praticamente concluída a IGREJA DE SANTANA DE
ISABELÓPOLIS DO ALTO DA SERRA DO COMÉRCIO, e o barão pedia apoio às mais
importantes figuras da região para a representação escrita que pretendia enviar
ao Governo Provincial e ao Prelado da Diocese objetivando criar ali, em
definitivo, uma Paróquia, fazendo questão de mencionar a excelente localização
da Freguesia no Alto da Serra.
Seus
pedidos encontraram eco junto aos governantes, e em 6 de outubro de 1855 era
expedido o DECRETO Nº 813 nos
seguintes termos:
"Fica criada a Freguesia de Sant´Anna das Palmeiras no Município de
Iguassú, desmembrando-se da de Nossa Senhora da Piedade, no mesmo Município, e
das de Nossa Senhora da Conceição do Paty do Alferes e de Sacra Família do
Tinguá, do Município de Vassouras, o território que lhe deve pertencer, com os
limites estabelecidos pelo Governo."
A Freguesia
aos poucos foi abrigando uma expressiva população, tanto que, em vista de seu
crescimento, o Governo da Província achou por bem nela instalar um cartório
para registrar nascimentos, casamentos e óbitos e um posto de atendimento
policial, como podemos conferir pelas seguintes deliberações emanadas em finais
do auspicioso ano de 1856, época em que o Barão mais trabalhou pela sua cidade:
"DELIBERAÇÃO DE 15 DE NOVEMBRO DE 1856
Fica criado um Distrito de Paz na Freguesia de Sant´Anna das Palmeiras,
do Município de Iguassú, tendo por limites os mesmos designados na Deliberação
de 4 de outubro de 1856."
"Fica criada uma Subdelegacia de Polícia na Freguesia de Sant´Anna das
Palmeiras, no Município de Iguassú, tendo por limites os mesmos definidos na
Deliberação de 4 de outubro de 1856."
Não
obstante os ingentes e continuados esforços do barão, sua Santana das Palmeiras
teve uma vida efêmera e até mesmo melancólica. Em 1858, uma devastadora
epidemia de malária varreu a baixada de Iguassú, provocando a fuga de quase
todos os seus moradores para freguesias mais distantes e, por conseguinte, mais
seguras. Nem bem os remanescentes da vila se haviam recuperado desta tragédia e
o cólera se abateu sobre a região, ceifando mais vidas e pondo em polvorosa as
autoridades da Província.
É certo que,
entre 1880 e 1898, ainda sobreviviam por ali algumas famílias teimosas e
destemidas, mas a triunfal passagem da ferrovia por Belém (hoje Japeri) unindo
em definitivo o Rio de Janeiro às cidades da Serra - transportando com rapidez,
segurança e conforto os produtos que normalmente transitavam em lombo de mulas
pela tortuosa e perigosa Estrada do Comércio - solapou de vez aquele entreposto
comercial, e assim a vila, a igreja, a delegacia, a escola, as casas e o
cemitério foram deixados em meio à mata, lá repousando hoje tão somente as
ruínas de um grande sonho.
Essa é a
Santana das Palmeiras do Alto da Estrada do Comércio, a Isabelópolis, o sonho
derradeiro do barão de Paty e a lembrança pesarosa dos árduos tempos de
ocupação dos flancos do Tinguá. Esse, enfim, é o enigma desvendado daquela
catedral inimaginável mergulhada nas fímbrias da delicada floresta da nossa serra,
cujo rufar de brisas amenas por certo até hoje abarcam os melódicos e dolorosos
cantos dos negros sofridos que a ergueram, decoraram e consagraram, mas que com
ela foram sepultados para todo o sempre.
Na próxima edição: Cemitério dos Escravos da
Fazenda do Secretário