Cavaru e Sertão do Calixto - Sítios Históricos do Sul Fluminense - 6

O logradouro de Cavaru localiza-se sobre o ribeirão do Inema, cujas margens foram utilizadas pelos indígenas e posteriormente pelo bandeirante Garcia Rodrigues Paes para, a partir da Paraíba

 04/11/2016     Historiador Sebastião Deister      Edição 110
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O logradouro de Cavaru localiza-se sobre o ribeirão do Inema, cujas margens foram utilizadas pelos indígenas e posteriormente pelo bandeirante Garcia Rodrigues Paes para, a partir da Paraíba, chegar até aquela fértil região. É bem plausível que o bandeirante deva ter priorizado os primeiros caminhos rasgados nas matas pelos índios puris, já que tais veredas mostravam-se adequadamente retilíneas e seguras e evitavam os perigosos e cansativos declives das montanhas. Perspicaz, Garcia tinha perfeita noção de que os muares subiam sem problemas as rampas por vezes penosas dos caminhos, muito embora carregassem sobre si as cangalhas cujo peso eventualmente alcançava 10 arrobas (cerca de 150 quilos). Ideais para esse trabalho, esses animais apresentavam um ótimo desempenho em terreno seco e uma inigualável firmeza nos declives, desde que os trajetos se mantivessem afastados de atoleiros ou das margens dos rios, nos quais eles submergeriam sob o formidável incômodo de sua carga. Isto explica a razão pela qual os velhos caminhos da Serra eram, de um modo geral, abertos ao longo dos sopés das colinas, sempre se valendo das primitivas e inteligentes trilhas deixadas pelos índios. Colinas, aclives e declives estafantes, bosques e matas, escarpas e lodaçais não faltaram à frente dos passos de Garcia, tanto no chamado Sertão da Paraíba - um imenso e silencioso vazio aninhado entre a Serra do Mar e o rio Paraibuna - quanto na Mantiqueira de Baixo, ou seja, a área compreendida entre o rio Paraibuna e a serra mineira, terras por ele domadas após sua monumental obra de reconhecimento e povoamento de nossos sertões.

Cumpre destacar que foi a partir de Cavaru que Garcia e seus comandados subiram a Serra da Sucupira para, logo à frente, alcançar o vale do rio Secretário, desenvolvendo-se junto a esse espaço toda a vida daquele posto de repouso. Com o tempo, a Fazenda Sucupira tornou-se famosa pela sua riqueza e pela abundância de sua produção, uma vez que abastecia prodigamente todas as caravanas que por lá transitavam. Junto dela, a propósito, funcionou pelos meados do século XIX um importante e concorrido colégio para alunos internos, procurado principalmente pelos filhos dos abastados fazendeiros da região.

Até hoje, dorme ali um vivo testemunho das atividades humanas e sociais da Sucupira, representado pelo cemitério de Cavaru, bem às margens do célebre caminho Novo de Minas e iniciado em 1843 por Antônio Gomes da Cruz, o renomado patriarca da família estabelecida na área de Cavaru em finais do século XVIII, quando naquelas   plagas os Gomes da Cruz abriram a Fazenda de Santo Antônio. Também em Cavaru encontramos a velha estaçãozinha ferroviária, lembrança dos áureos tempos da Maria Fumaça em nossa região, cujas dependências atualmente abrigam atividades sociais patrocinadas pela Prefeitura do Município de Paraíba do Sul, preocupada em preservar os sítios históricos mais relevantes ainda existente em seu rico território.

Já ao longo da primeira metade do século XVIII, todas as amplas e férteis áreas de terra situadas ao sul das bacias dos rios Fagundes e Secretário já se encontravam ocupadas pelas sesmarias abertas ao longo do Caminho Novo de Minas, nas quais seus proprietários aos poucos implantavam os engenhos que iriam produzir o açúcar tão solicitado pelos comerciantes do Rio de Janeiro. Por conseguinte, os novos desbravadores que por ali aportavam viram-se na contingência de penetrar ainda mais pelos grotões que delimitavam as nascentes daqueles rios e, por via de consequência, acabaram por se estabelecer junto às vertentes da Serra da Sucupira, nas quais abriram suas roças de subsistência e deram início à criação de gado, aves e outros pequenos animais. Tais atividades ensejaram o nascimento de alguns arraiais humildes, posto que bem produtivos, centralizados em especial em Matosinhos, Sardoal, Membeca e Rio Manso. Já no século XIX, surgia na região o logradouro de Sertão do Calixto, fundado por pioneiros chegados principalmente da Vila de Sebollas.

Caracterizadas como uma zona rural controlada por algumas poucas famílias e tendo como fulcro um humilde centro urbano, tais localidades nada de interessante ofereciam a moradores e visitantes, a não ser o refrigério de uma igreja católica, as instalações de uma escola pobre e desaparelhada, um ou outro empório à guisa de armarinho e, como não poderia deixar de ser, as casas mais simples dos desbravadores que por ali sobreviviam a duras penas. A cavaleiro de tudo, naturalmente, erguia-se, senhorial e poderosa, a casa-vivenda de um fazendeiro por vezes mais abastado e generoso.

Talvez por apresentar um vale bem mais extenso e fecundo, e por ser o arraial mais bem centralizado de todos naquele perdido rincão, o então chamado Sertão do Calixto viu-se beneficiado pela Câmara Municipal de Paraíba do Sul, que ali mandou construir um cemitério que substituísse aqueles que, por tradição, tinham sido montados em fazendas periféricas, até porque, na década de 1810, a secularização das necrópoles determinava a desativação de todas aquelas que se encontrassem alocadas junto aos grandes latifúndios da região. De fato, o Sertão do Calixto até hoje mostra sua perfeita face de ontem histórico. De um lado da estrada que conduz a Sardoal e à Igreja de Matosinhos, eleva-se a Igreja do Padroeiro São Sebastião e o decrépito prédio onde funcionava seu empório principal, este marginando outras vias de contato com o Rio Manso e Avelar. Já na outra margem do caminho, repousa seu multitudinário cemitério separado da escola local pela estreita e sinuosa estradinha que leva a Cavaru.

 

Na próxima edição: São Sebastião dos Ferreiros