Fazenda da Freguesia (ALDEIA DE ARCOZELO)

Sítios Históricos do Sul Fluminense, XI

 09/12/2016     Historiador Sebastião Deister      Edição 115
Compartilhe:       

Com a abertura de vários caminhos pela Serra, os desbravadores dos séculos XVII e XVIII, cedo ou tarde teriam de se interessar pelas terras que hoje compõem Paty, Arcozelo, Avelar, Vila Rica e outros logradouros próximos. O pioneiro Caminho Novo de Minas aberto por Garcia a partir da Paraíba acabou por trazer esse desbravador até a Roça do Alferes Leonardo Cardoso da Silva, no topo do Morro de São Paulo, certamente entre 1700 e 1701, de onde então ele e seus companheiros viajaram para as glebas que tempos depois vieram a ser englobadas pela chamada região de Marcos da Costa. A partir desse território, Garcia e seus companheiros galgaram as encostas da Serra do Couto para em seguida infletir em busca da Baixada Fluminense, à altura de um ponto de embarque onde cresceria o Porto de Iguassu (hoje Nova Iguaçu). Já em meados de 1730, o também Alferes e depois Capitão Francisco Tavares completou as obras de sua fazenda na atual região de Arcozelo, em cujos domínios ergueu uma capela em honra de Nossa Senhora da Conceição, berço da famosa Fazenda da Freguesia, patrimônio histórico, arquitetônico e cultural atualmente conhecido como Aldeia de Arcozelo. Essa fazenda - que, anos mais tarde, pertenceria ao todo-poderoso Capitão-Mor Manoel Francisco Xavier - tornou-se, por conseguinte, a sede da Freguesia então nascente, abrangendo toda a área que agora circunscreve a Aldeia de Arcozelo e os bairros a ela periféricos. É importante mencionar que Monsenhor Pizarro lembra que o dia 13 de março de 1739 corresponde à constituição de um patrimônio destinado à edificação final da capela de Nossa Senhora da Conceição, mas sua consagração, por Ofício Divino, deu-se apenas um mês depois, ou seja, em 13 de abril de 1739, data, portanto, do aparecimento da Fazenda da Freguesia e consequentemente do nascimento de Paty do Alferes.    

A partir de tais registros e afirmações, podemos deduzir que o Capitão Tavares responsabilizou-se pela doação do terreno para a construção de uma igreja, já que o Ofício Divino acima citado certamente refere-se à edificação da capela pioneira da freguesia. Dessa forma, podemos então inferir que, paralelamente à doação de terras, Tavares também tenha feito a subscrição do seu patrimônio. Por conseguinte, somos obrigados a considerá-lo como o verdadeiro fundador de Paty, tese, aliás, aceita plenamente pela maioria de autores e historiadores.

Aos poucos, a Roça do Alferes ia sendo conhecida e ocupada pelos tropeiros que demandavam o Caminho Novo de Minas, a Estrada do Comércio e as Estradas do Couto e do Tinguá, e sua denominação tão típica para a época - Vila de Nossa Senhora da Conceição de Serra Acima da Roça do Paty do Alferes - ganhava gosto em meio aos habitantes da Serra do Tinguá. Também em função da presença da região de uma quantidade considerável de palmeiras de médio porte chamadas paty, pati ou patioba (Cocos botryophora) - até porque Francisco Tavares de fato plantara algumas delas na área mais central da futura Freguesia -, de pronto o povoado passou a ser denominado abreviadamente como "Paty do Alferes", um título apropriado e historicamente perfeito conservado há mais de dois séculos e meio por todos os povos do chamado Vale Médio do Paraíba do Sul. Por conta disso, podemos asseverar que o Alferes Leonardo Cardoso da Silva (morador do morro de São Paulo, onde hoje se ergue a matriz católica patiense) deva ter sido um dos primeiros ocupantes das terras formadoras da cidade de Paty do Alferes, mas que o Alferes Francisco Tavares (nomeado capitão em 17 de fevereiro de 1709) foi, de fato, o fundador da Vila através da Provisão da Capela de Nossa Senhora da Conceição, em terras que seriam amplamente valorizadas e exploradas pelo Capitão-Mor Manuel Francisco Xavier e sua esposa D. Francisca (ou Maria) Elisa (ou Elísia) Xavier. Os trabalhos do casal permitiram não apenas um apreciável crescimento do povoado como principalmente a edificação da grande Matriz da Santa Padroeira Nossa Senhora da Conceição. Lembremos que Francisco Tavares nasceu no Alentejo, Portugal, em 1665, tendo vindo ainda bem jovem para o Brasil, estabelecendo-se na Vila de Iguassu, onde conheceu Isabel Correia de Oliveira, com ela se casando na forma do Sagrado Concílio Tridentino no dia 10 de janeiro de 1700, na Colônia do Sacramento, tendo como padrinhos o Governador Sebastião da Veiga Cabral e Bárbara Correia de Oliveira, irmã da noiva.

A Fazenda da Freguesia - assim batizada em função dos trabalhos de atendimento que Francisco Tavares fazia junto aos viandantes do Caminho Novo - lentamente transformou-se numa propriedade de amplíssimas dimensões, dotada de numerosos quartos, imensos salões, confortáveis jardins e largas áreas para repouso dos cavalos e mulas dos tropeiros que por ali passavam diariamente. Já nos anos trinta do século XIX, passou às mãos do Capitão-Mor Manoel Francisco Xavier e de sua mulher Maria Elisa Xavier, que mantiveram naquelas terras grandes plantações de subsistência e um considerável plantel de escravos. A propósito, Manoel Francisco Xavier também era dono da Fazenda Maravilha, local de onde o negro Manoel Congo, em 1838, liderou a famosa revolta dos negros de Paty do Alferes. Anos depois, a Freguesia foi repassada para o médico Joaquim Teixeira de Castro que lhe mudou o nome para Arcozelo, já que essa titulação correspondia ao seu título de visconde recebido em Portugal. Após ser administrada pelos descendentes do visconde (casado com Maria Isabel, filha do barão de Paty), a propriedade, em meados do século XX, abrigou o Hotel Arcozelo, até passar às mãos do embaixador Paschoal Carlos Magno, que ali implantou seu grande centro de cultura - a Aldeia de Arcozelo - voltado, em particular, para atividades teatrais. Após sua morte, a Aldeia entrou em total decadência, com muitos de seus anexos sofrendo a ação implacável do tempo e praticamente entrando em ruínas. Posteriormente, o complexo foi tombado pelo INEPAC, estando atualmente sob a administração da Funarte que a ele dispensa pouca atenção e interesse, haja vista a precariedade e o criminoso abandono de suas quase tricentenárias instalações.

 

Na próxima edição: A Gruta de Manoel Congo